Aos condomínios falta saber o que é o “incómodo” do Alojamento Local

A partir agora os condóminos podem pedir a suspensão de um AL à câmara, mas ainda há vários aspectos por clarificar

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Pedido de suspensão tem de ser aprovado por mais de metade dos condóminos Daniel Rocha

Uma das grandes novidades da lei do Alojamento Local (AL) que entra em vigor este domingo é a que dá mais poderes de intervenção aos condomínios, com destaque para o que pode levar à suspensão do registo do AL até um ano. De acordo com o diploma, a assembleia de condóminos pode, se for essa a intenção de mais de metade dos condomínios (calculada por permilagem do edifício), “opor-se ao exercício da actividade de alojamento local” que exista numa fracção.

Neste caso, é preciso que haja “uma deliberação fundamentada”, decorrente, diz a lei, “da prática reiterada e comprovada de actos que perturbem a normal utilização do prédio”, bem como “de actos que causem incómodo e afectem o descanso dos condóminos”. Uma vez feita essa deliberação fundamentada, a reclamação segue para a câmara municipal em questão, a quem cabe pronunciar-se e decidir se o AL é ou não suspenso, e por quanto tempo. A questão é saber como é que se define matérias como o “incómodo”, e como se comprovam os actos em causa.

Apresentar contra-ordenações

No relatório onde explicou a proposta de alteração à lei apresentada em Julho, o PS explicou que o comprovativo seria a apresentação de contra-ordenações, mas sem qualquer número associado. E que as autarquias tomariam a sua decisão depois de “ouvidas as partes e analisadas as provas das práticas reiteradas que introduzam perturbações no condomínio”.

O presidente da Câmara Municipal de Lisboa (CML), Fernando Medina, levantou desde logo dúvidas sobre esta matéria, afirmando ao Diário de Notícias que a solução encontrada era pouco feliz. "A Câmara terá de ter um regulamento muito claro para não criar ali uma fonte de litigância. É que se eu fecho um AL sem fundamento tenho, e bem, uma acção em tribunal", adiantou em Julho o autarca.

O PÚBLICO questionou a CML, nomeadamente para saber se a autarquia estava pronta desde a introdução da lei para analisar queixas que sejam apresentadas, mas não teve qualquer resposta. Já a Câmara do Porto explicou que não fala deste tema enquanto não tiver e apresentar o estudo sobre o alojamento local na cidade, algo que se prevê que aconteça em Novembro.

Uma hipótese, até para haver menos possibilidades de diferentes entendimentos entre municípios, da mesma tipologia de queixa, seria a intervenção da Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP). Uma oportunidade que ficou perdida no período de audições, já que, quando a ANMP entregou o seu parecer, a proposta de queixa dos condóminos às câmaras ainda não existia.

A ANMP, de acordo com fonte deste organismo, também pode pronunciar-se após a lei entrar em vigor, caso haja um pedido dos municípios nesse sentido (por via, por exemplo, de uma recomendação). Outra hipótese, além das câmaras mais pequenas poderem replicar a estratégia das maiores (como a de Lisboa), é o Governo ter que intervir com uma regulamentação própria. 

Representantes dos condomínios criticam

Para já, esta parte da lei, tal como existe, está a ser também alvo de críticas dos representantes dos condomínios. Ao PÚBLICO, Paulo Antunes, presidente executivo da Loja do Condomínio (uma das maiores empresas do sector), já afirmou que “os factores que podem justificar a decisão do condomínio são altamente subjectivos e podem levar a decisões completamente arbitrárias, o que trará como consequência o aumento da conflitualidade entre vizinhos e a litigância que em muitos casos chegará, provavelmente, aos tribunais”.

O presidente da Associação Portuguesa das Empresas de Gestão e Administração de Condomínios (APECAG), Fernando Cruz, nota que não se sabe como vai ser “o julgamento das situações por parte das autarquias”, até porque “não se sabe o que é de facto uma queixa fundamentada”. “Quantas vezes têm de ser chamadas as autoridades para ter fundamento?”, questiona.

Por seu lado, Eduardo Miranda, presidente da Associação do Alojamento Local em Portugal (ALEP), diz que a lei vem dar a impressão que os condomínios “podem impedir um AL simplesmente por se oporem em assembleia de condóminos".

Outros poderes

Além da questão da suspensão do registo, os condóminos têm também outro tipo de influência, com a lei a estipular que poderão fixar ao AL uma “contribuição adicional correspondente às despesas decorrentes da utilização acrescida das partes comuns, com um limite de 30% do valor anual da quota respectiva”. No entanto, isso não terá efeitos imediatos – o proprietário do AL tem dois anos para se adaptar a esta medida, caso ela se verifique, já que é esse o período dado nestes casos para a adaptação à lei.

Ao mesmo tempo, a partir de agora os condóminos ganham poder de veto a novos hostels, com a lei a estipular que “não pode haver lugar à instalação e exploração de hostels em edifícios em propriedade horizontal nos prédios em que coexista habitação sem autorização dos condóminos para o efeito”. Para pedir o registo de um hostel, será preciso apresentar a acta da assembleia de condóminos que autoriza essa instalação.

Há também mudanças a outro nível, já que o titular do AL tem de dar o seu contacto telefónico aos vizinhos, fica “solidariamente responsável com os hóspedes relativamente aos danos provocados por estes no edifício em que se encontra instalada”, e precisa de ter um seguro multirisco de responsabilidade civil que cubra “riscos de incêndio e danos patrimoniais e não patrimoniais causados a hóspedes e a terceiros, decorrentes da actividade de prestação de serviços de alojamento”.

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