Uma vida a ajudar a ensinar que o cancro não tem de ser um bicho-papão

Cristiana Fonseca é a primeira portuguesa a fazer parte da direcção da Union for International Cancer Control, a maior organização mundial de luta contra o cancro.

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Paulo Pimenta

Quando terminou o curso de Psicologia em 1998, estava longe de imaginar que o seu primeiro trabalho — e único — ia ser na Liga Portuguesa contra o Cancro (LPCC). Já lá vão 20 anos no Departamento de Educação para a Saúde do núcleo norte. A partir de Janeiro, Cristiana Fonseca junta a esta outra função. É a primeira portuguesa a fazer parte da direcção da Union for International Cancer Control (UICC), a maior organização mundial de luta contra o cancro, que junta associações de representantes de doentes, outras ligadas à investigação e à angariação de fundos e hospitais de vários países.

A eleição foi a 4 de Outubro deste ano no Congresso Anual do Cancro, que decorreu na Malásia. Nesse dia, a LPCC também foi premiada pelo trabalho que desenvolveu no âmbito do Dia Mundial contra o Cancro, que se assinala a 4 de Fevereiro de cada ano. “Quando o nome foi dito, foi aquela coisa de ‘afinal os sonhos ainda se tornam realidade’”, diz Cristina Fonseca. De um lote de cem candidatos, o grupo passou a 24. E destes ficaram os 14 que durante os próximos dois anos vão ter a responsabilidade de pôr em marcha a estratégia da UICC para que se fale de cancro e se possa desmistificar a doença em várias partes do mundo.

Recuemos 20 anos. Como foi esta psicóloga, formada em educação para a criança, trabalhar para a LPCC? “Acaba por ser uma história engraçada. A colega que trabalhava cá também era licenciada em Psicologia e pôs um aviso na faculdade. Uma das coisas que colocou no anúncio era que procuravam um não-fumador. Recebi telefonemas de colegas que ainda estavam na faculdade a dizer ‘isto é perfeito para ti, tu não fumas’.”

Não estava muito confiante, mas foi a escolhida. A função era coordenar o departamento de educação para a saúde. “Nos primeiros tempos, confesso, não estava muito convencida que seria aqui o meu destino final. Mas à medida que fui aprendendo cada vez mais sobre a Liga, sobre o cancro, sobre os factores de risco, que fui desenvolvendo o trabalho, fui gostando cada vez mais. Ao longo dos últimos 20 anos as experiências foram-se sucedendo e fui ficando e cada vez mais consciente de que faço aquilo de que gosto, e é aqui que quero estar”, diz.

Do Caça-Cigarros à Biblioteca Humana

O primeiro trabalho foi na área da prevenção do tabagismo. Em 1999 a LPCC tinha nas escolas o projecto Clube Caça-Cigarros. O trabalho com os mais novos era no sentido de evitar que começassem a fumar. E é esse trabalho de promoção da saúde que continua a fazer com os jovens, mas não só em relação ao tabaco. Têm uma rede de escolas com as quais desenvolvem um plano de actividades anual que vai muito além das palestras tradicionais.

“Queremos sensibilizar, mas também criar condições para capacitar a escolha saudável, o dizer ‘não’. Queremos que tenham a noção exacta do que é o cancro enquanto doença e quais são as ferramentas que têm ao dispor para o evitar ou para ter um diagnóstico precoce”, explica. Uma das actividades que desenvolveram foi a Biblioteca Humana. “Levamos às escolas quatro a cinco pessoas que agem como se de livros se tratasse. É uma abordagem em pequenos grupos, em que ‘estes livros’ são questionados e só falam sobre aquilo que lhes é perguntado.”

E o que perguntam estes jovens que têm entre 15 e 18 anos? “Como é lidar com o diagnóstico? Qual o impacto na sociedade? Como é o cancro e como se desenvolve? Depois há mitos, como o de que o cancro provoca queda de cabelo. Não é o cancro, é a químio... E fumar pode provocar cancro? É muito importante para eles entenderem, quando a questão é mudar ou não de comportamentos.”

O primeiro trabalho que a LPCC fez para um assinalar um Dia Mundial contra o Cancro foi também baseado nas respostas a perguntas, mas através das redes sociais. Receberam centenas de perguntas e a cada dez minutos davam uma resposta. As iniciativas passaram depois pelo convite aos clubes desportivos para assinalarem o dia, com o FC Porto a ser o primeiro a aderir, o que valeu à LPCC o convite para fazerem parte do grupo de aconselhamento da UICC para as actividades deste dia. Um trabalho que culminou com o prémio que a LPCC recebeu agora.

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