“Como num hotel”: a satisfação de quem consegue um lugar numa residência

Há problemas estruturais que deixam uma centena de quartos vazios no Porto e queixas sobre a falta que faz um fogão. Mas os alunos que vivem em residências universitárias sabem que são “uns privilegiados”.

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Da varanda do seu quarto, André Coutinho vê o Douro. Nelson Garrido
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Ao todo, a UP tem 1051 camas, distribuídas por nove residências. Nelson Garrido

“Isto é mesmo perfeito”, atira André Coutinho na varanda do seu quarto. À sua frente há uma vista desafogada sobre a ponte da Arrábida e o rio Douro que, em dias ensolarados como este, se avista mesmo quase até chegar à foz. A imagem de cartão-postal talvez não o antecipe, mas André vive numa das residências universitárias da Universidade do Porto (UP).

Este estudante de Línguas Aplicadas às Relações Internacionais é um dos 895 alunos de licenciatura e mestrado integrado que tiveram lugar numa residência universitária na UP. Em lista de espera estão outros 135 estudantes com bolsa de estudo que se candidataram a uma residência e não tiveram lugar. André Coutinho sabe que é “um privilegiado”. Não só porque tem um lugar na residência, quando muitos outros colegas desesperam para encontrar um quarto num apartamento a um preço razoável. Também há a vista. Mas, sobretudo, por causa das condições que encontra na residência Alberto Amaral, um grande edifício coberto a tijolo, junto à Faculdade de Letras da UP.

“Quando aqui cheguei pela primeira vez, tinha a cama feita. Com as toalhas enroladas sobre a cama. Era como se estivesse a entrar num hotel”, recorda. Foi no segundo semestre do ano passado. Nos seis meses anteriores, tinha vivido também numa residência universitária, mas na cidade de Grenoble, em França, onde fez Erasmus. Era “horrível”, “muito suja”. A cozinha tinha apenas duas chapas eléctricas que serviam para que os habitantes de 36 quartos pudessem cozinhar. Na residência do Porto, tem uma cozinha equipada com fogão.

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Entrada da residência Alberto Amaral, no Porto. Nelson Garrido

André divide um apartamento com outros dez rapazes. É assim que se organiza a residência Alberto Amaral: cada ala tem 11 quartos individuais, duas casas de banho partilhadas e uma sala de jantar, que serve de área comum.

Encontramos Marta Fernandes e Bárbara Silva na cozinha do seu apartamento, do lado oposto ao piso onde vive André Coutinho. Estavam a acabar de arrumar depois de terem almoçado. As duas estudantes de Direito estão também satisfeitas com a residência. A grande crítica não tem a ver com as condições em que vivem, mas com a falta de transportes públicos para as levarem à faculdade – que fica noutra zona da cidade – e à estação onde apanham o comboio de volta a casa da família a cada fim-de-semana.

Os quartos em que vivem são pequenos. Há espaço para uma cama individual e uma secretária, alinhadas do lado direito. O roupeiro e a casa de banho estão do lado oposto. A varanda com vista sobre o Douro tem quase a mesma área. “É aconchegado e chega perfeitamente para uma pessoa. Não precisávamos de mais”, responde Bárbara. A parede e as portas dos armários estão cheias de fotografias da família e amigos.

Mas nem tudo é perfeito no universo das residências universitárias da UP. Ao todo, são 1051 camas, distribuídas por nove espaços. As condições são muito diferentes de um edifício para o outro. Tanto André Coutinho como Marta Fernandes viveram, no primeiro ano dos respectivos cursos, na residência Novais Barbosa, que não fica muito longe da Alberto Amaral. Ali não tinham cozinha nem sala de jantar. Razões que os fizeram pedir a mudança para uma das residências mais requisitadas da UP.

100 camas sem utilização

Há cerca de 100 camas sem utilização porque os quartos individuais em causa “não têm condições de habitabilidade” devido a “falhas estruturais do edifício, nomeadamente infiltrações de água”, informa fonte dos Serviços de Acção Social (SAS). O edifício foi inaugurado há 15 anos. Tem que ter obras. Os SAS garantem que “já há projecto e plano de obra” e a adjudicação da empreitada deverá ser feita ainda este mês. Serão precisos, contudo, pelo menos 18 meses para que os quartos possam ser novamente usados. Ou seja, só em 2020 estas 100 camas voltarão a poder receber alunos.

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“Quando aqui cheguei pela primeira vez, tinha a cama feita. Com as toalhas enroladas sobre a cama. Era como se estivesse a entrar num hotel”, recorda André Coutinho. Nelson Garrido

André Coutinho e Marta Fernandes trocaram de residência universitária, no Porto, porque queriam ter onde cozinhar. Essa história ressoa quando se ouve a principal queixa dos estudantes da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD): a falta de um fogão na cozinha nas residências.

Maria Lopes, estudante de Psicologia, gosta de cozinhar. Quando quer “matar o bichinho” vai ao apartamento de alguma das suas amigas preparar uma refeição. No resto dos dias, faz as refeições nas cantinas da universidade. Andreia Monteiro e Patrícia Teixeira, com quem nos sentamos na cozinha do seu piso, juntamente com mais três colegas, à hora de almoço, trazem comida ao fim-de-semana de casa da família e aquecem-na num dos micro-ondas disponíveis. “Não temos dinheiro para manter uma infra-estrutura com esta dimensão com uma cozinha por piso em que as 20 pessoas do piso vão cozinhar como lhes apetecer”, responde a administradora dos SAS da UTAD, Elsa Justino.

800 à espera na UTAD

A UTAD tem 532 camas nas residências universitárias. Tal como acontece no Porto – e na generalidade das instituições de ensino superior nacionais, a braços com uma crise de oferta de alojamento para estudantes – há também uma lista de espera, que tem mais de 800 estudantes. A mensalidade vais dos 75 aos 160 euros e varia conforme os alunos sejam bolseiros ou não.

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Maria Lopes ocupa um quarto individual. Adriano Miranda

Ao contrário da UP, com residências espalhadas pela cidade – à semelhança das próprias faculdades –, em Vila Real o alojamento dos estudantes está concentrado. São cinco blocos, à volta do parque Corgo, com o rio pelo meio e um complexo de serviços de apoio aos alunos que inclui um posto de saúde e um ginásio, que tem 4000 inscritos – numa população universitária de cerca de 7000 alunos. A universidade fica noutra zona da cidade, a cerca de 15 minutos a pé. As duas áreas são ligadas por transporte público regular.

A administradora dos SAS elenca outras vantagens da residência universitária em relação à estadia numa casa particular: segurança 24 horas por dia, empréstimo de roupa de cama, lavandaria self-service, gastos com água, luz e gás incluídos no preço. O que, numa cidade como a capital transmontana, não é uma questão de pormenor.

“No Inverno, podemos andar aqui de t-shirt”, conta Maria Lopes. Mora no Bloco A, o mais recente da área habitacional da UTAD, construído em 1999. Antes, a estudante de Psicologia partilhou com colegas uma casa onde “acontecia aquela coisa horrível de serem oito da manhã, ter que ir para as aulas e estar um frio na casa que nem queria sair dos lençóis”.

O bloco onde Maria vive é o único que tem quartos individuais. Andreia Monteiro e Patrícia Teixeira têm que partilhar o quarto com outras colegas. Entre os dois quartos, há uma casa de banho comum, que serve quatro pessoas. O quarto de Maria Lopes é só seu. Há também fotografias na parede e vários objectos cor-de-rosa: uma máquina instantânea, a colcha na cama.

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Nas residências da UTAD, há quartos duplos e individuais. Adriano Miranda

O quarto é pequeno, com espaço para pouco mais do que a cama e uma secretária. “É muito melhor do que viver numa casa. Mesmo que não tivesse bolsa, vinha para aqui na mesma”, garante. Tem as comodidades todas e, acima de tudo, silêncio. Era hora de almoço quando conversámos com Maria. Na residência onde moram mais 90 pessoas, só encontrámos mais uma. “Isto é um sossego. Não há nada que pague isso.”

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