Líderes europeus dão mais tempo a May para resolver impasse do "Brexit"

Com as negociações suspensas, os chefes de Estado e de Governo da UE vão fazer mais um ponto da situação para decidir se se justifica fazer uma cimeira extraordinária em Novembro.

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Donald Tusk reconheceu que o cenário de "no deal" é mais provável Reuters/POOL New
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Presidente do Conselho Europeu recebeu o negociador do "Brexit", Michel Barnier, esta manhã Reuters/POOL

Afinal, ainda não é este o “momento da verdade”. Com as negociações para o acordo do “Brexit” suspensas, os líderes europeus estão dispostos a dar mais tempo à primeira-ministra britânica, Theresa May, para resolver as questões domésticas que impedem a assinatura de um tratado jurídico para a saída ordenada do Reino Unido da União Europeia. Mesmo sabendo que “a situação está mais complicada do que se esperava" e que por isso devem intensificar-se, de ambos os lados, os preparativos para um cenário de no deal.

“Essa hipótese é mais provável agora do que era antes. Mas o facto de nos estarmos a preparar para ela não significa que não continuemos a fazer todos os esforços para alcançar o melhor acordo possível para ambos os lados. Não vamos desistir disso”, esclareceu o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, na habitual carta de convite enviada aos membros do Conselho Europeu.

O relógio joga a favor de May, mas a benevolência dos parceiros europeus também não é ilimitada. A primeira-ministra conservadora britânica, pressionada no Parlamento tanto pela bancada eurocéptica do seu partido como pelos deputados unionistas da Irlanda do Norte que garantem a maioria ao seu Governo, não terá muito mais tempo para pôr a casa em ordem. Esta quarta-feira, os 27 chefes de Estado e de Governo da UE vão decidir se ainda valerá a pena convocar uma cimeira extraordinária em Novembro para formalizar o acordo que esperavam conhecer quarta-feira à noite.

Essa decisão só será tomada depois de ouvirem os argumentos do Governo britânico — Theresa May fará mais uma apresentação aos seus homólogos, retirando-se antes do jantar de trabalho informal — e de se inteirarem do estado das negociações, com um ponto de situação a ser feito pelo negociador chefe da Comissão Europeia, Michel Barnier. “O que os líderes terão que decidir, com base nestas apresentações, é como é que podem levar por diante as negociações”, explicou uma fonte do Conselho Europeu.

Não era este o programa originalmente concebido para a cimeira de Outubro, admitiu. O que ficara acertado entre os líderes na cimeira informal de Salzburgo, em Setembro, era fazer agora uma avaliação detalhada do trabalho desenvolvido pelas equipas técnicas, para que as questões politicamente sensíveis pudessem ser atalhadas pelos chefes de Estado e de Governo esta quarta-feira.

A expectativa nem era que o acordo de saída fosse definitivamente anunciado. Mas como notou Tusk, “esperávamos maiores progressos e resultados”. A convicção era que, na etapa crucial das negociações, os dois lados tivessem já construído um consenso para pôr fim ao impasse (e por isso se avançou a ideia de realizar uma cimeira extraordinária em Novembro).

Com o evoluir dos acontecimentos foi necessário fazer ajustamentos na agenda do Conselho Europeu — que, sublinha o mesmo responsável, têm mais a ver com a “coreografia” do evento que com a “substância” das discussões entre os britânicos e os europeus. Estas continuam a ter como foco principal a questão da fronteira na ilha da Irlanda, que apesar de não ser o único obstáculo, é a grande divergência que impede a conclusão do acordo do divórcio e o arranque da próxima fase negocial, em torno da futura relação comercial entre os dois blocos após o “Brexit”.

Apesar do compromisso mútuo de salvaguardar os termos do acordo de paz que eliminaram os controlos alfandegários entre a República da Irlanda e a Irlanda do Norte, e das palavras de “aproximação” de posições dos dois lados do debate, as ideias dos europeus e dos britânicos para evitar a reposição de uma fronteira física ainda são tecnicamente irreconciliáveis. O pomo da discórdia é, ainda, a inscrição de uma cláusula de garantia — um acordo-tampão ou "backstop" — no tratado jurídico que vai enquadrar a saída do Reino Unido.

O lado europeu deixou muito claro, desde o início das negociações, que não assinará qualquer acordo de saída que não contemple o backstop para a Irlanda. Essa mensagem foi mais uma vez repetida na véspera da cimeira de líderes, e com um asterisco a avisar que o que está previsto para acontecer em Bruxelas não é retomar a negociação — as negociações, que os 27 puseram nas mãos de Michel Barnier, foi suspenso no domingo, depois de uma reunião com Dominic Raab, o responsável pela pasta do “Brexit” no Governo britânico.

“Não sabemos o que Theresa May vai dizer. Mas sabemos quais são as linhas orientadoras estabelecidas pelos Estados membros e sabemos qual é a determinação dos 27 de permanecer unidos”, disse um responsável europeu, assinalando que a confiança e o apoio dos líderes em Barnier é total. “Só avançaremos [com o processo] na base dos progressos reportados pelo nosso negociador. A cimeira de Novembro não é um dado adquirido”, avisou.

O que quer dizer que o “momento da verdade” até pode resvalar para a próxima reunião regular dos chefes de Estado e Governo, em Dezembro. O Parlamento Europeu já fez saber que, depois de receber um acordo de saída assinado, será rápido na sua ratificação. “Os constrangimentos estão do lado do Reino Unido”, notou o mesmo responsável.

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