Early: onde é sempre cedo para ir embora

Na última morada da livraria Contraste nasceu um lugar de vistas para a Rua de Cedofeita. Nesta cafetaria, entre pão e iogurtes caseiros, bolo de banana e ovos benedict, o tempo é coisa que se quer lenta.

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André Rodrigues
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Uma pesquisa no Google Maps ainda devolve a imagem do antigo letreiro do número 374 da Rua dos Bragas. “Contraste – Livraria, papelaria, discoteca.” A dissolução do espaço data de 2016. Ali, onde terá habitado umas das mais antigas discotecas do Porto, vendiam-se livros, cadernos, materiais de papelaria, discos. E também valores selados do Governo, alojados num cofre no fundo da casa. A típica porta de caixa-forte e o ambiente reservado ainda lá estão, agora que a Contraste fechou, mas, em vez de preservar valores do Estado, a sala serve agora de lugar privado em espaço público. A montra já não está recheada de livros: tornou-se balcão de vistas para a artéria portuense, lugar onde o tempo se quer lento. Dentro, preservou-se a madeira das paredes, abriu-se uma cozinha, colocaram-se mesas e cadeiras a puxar sossego, respeitou-se a arquitectura que importava.

Estamos no Early, o terceiro espaço portuense com a assinatura dos irmãos Emanuel de Sousa e Patrícia Sousa, arquitecto e economista apaixonados pela arte de saber receber. A aventura do comércio tinha começado em 2012, com a Rosa et al Townhouse, guest house de luxo a funcionar à porta fechada na Rua do Rosário, e um punhado de inovação: “Nessa altura pouco se ouvia falar de Alojamento Local no Porto”, aponta Emanuel. A expansão veio em 2016, muito por culpa dos designers de geografias variadas que iam passando pela casa de traça secular. A loja Early Made, mesmo ao lado, é um pedaço de mundo em Cedofeita (o nome em inglês é a tradução desta palavra) e uma amostra de Portugal para o exterior. Entre as roupas internacionais, está também uma dedicada a malhas com o cunho de Patrícia e feita por artesãos nacionais. Faltava, pois, um local dedicado ao repasto (ainda que o Rosa et al cumpra parte desse propósito).

O nome da cafetaria da Rua dos Bragas, ainda no centro mas razoavelmente apartado do caos turístico, é parte da explicação da ideia. “Significa cedo, à frente do seu tempo, como a fruta ou o vegetal que aparece antes dos outros do mesmo tipo.” E cedo, a partir das 9h, pode entrar-se no Early para um pequeno-almoço ou brunch sem relógios. Há pão e iogurtes caseiros, bolos de banana, de gengibre e especiarias, de chá. Há scones e croissants com receita de chef francês — levados ao forno por Emanuel. Há uns ovos benedict de aspecto irresistível, rabanada de brioche, bacon, chutney de pimentos e xarope de ácer. A acompanhar, além de variadas bebidas com cafeína, sodas caseiras, sumos naturais, chás e infusões.

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Estamos só a começar. Emanuel não pôs apenas a arquitectura ao serviço do Early, ao assinar o requintado projecto de reabilitação do espaço dado aos prazeres da gula. Também a carta tem a mão deste chef brotado do poder de observação. “Sempre fui o menino da casa e a minha avó e mãe não me deixavam cozinhar. Mas ficava muito tempo a vê-las”, conta. Quando Emanuel se mudou para a Holanda para fazer Erasmus, a necessidade levou-o à cozinha. E às memórias caseiras. Começou a experimentar. Começou a sair-se bem. De tal maneira que o poiso dele era chamado “a casa do português”: todos gostavam de lá ir petiscar.

Na aldeia perto da fronteira espanhola onde viviam os pais, a economia de troca era comum. Os vizinhos presenteavam-se e a sazonalidade era palavra de ordem. Ainda hoje — e mesmo no Early — é esse um dos lemas de Emanuel de Sousa. “Em casa chego ao frigorífico, vejo o que tenho e invento”, comenta. Ali, a carta muda semanalmente, adaptando-se à época, e tem sempre cinco pratos especiais. “Não é uma cozinha experimental nem de foro científico, mas é algo que volta às origens”, define.

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Biqueirões, bacalhau fumado, funcho e suaeda (10,5€), schnitzel de secretos de porco ibérico, ovo frito, gherkin e salva (9,50€) ou sopa fria de curgete, beterraba e pickles de pepino (4,5€) faziam parte da carta de almoço (12h-15h) quando a Fugas visitou o Early. Lá para 2019, os irmãos Sousa querem prolongar o horário para além das 18h, apostar nos cocktails.

Há um contágio de bem-estar no Early. Magia arquitectónica, talvez. Antecipação de um estômago feliz, quem sabe. A pequena cafetaria aparenta grandeza pela diversidade de ambientes. O balcão, vigiado por um impressionante candeeiro do pós-guerra, é poiso perfeito para quem vai sozinho, para amantes do rebuliço da rua. Há as mesas maiores, para quem gosta de partilhar, as mais pequenas para quem prefere mais intimidade. A cozinha está à vista, o antigo cofre transformado em sala espelhada por todos os lados, pode ser usado com porta fechada. Revistas de design e arquitectura à mão, plantas a fazer o ar salutar. Faz-se o pedido. Esquecem-se as horas. E parece sempre cedo para se ir embora.

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