OE: Leilão à esquerda e eleições adiante

Como conciliar o mais baixo défice da democracia e um assinalável superávite primário, com esta cascata de boas notícias e de popularismo eleitoral?

Nos dias que antecederam a entrega do OE, houve marcação cerrada entre PCP e BE para ver quem mais chamava a si a sua parte popular. Por isso, tudo nos chegou em regime de leilão (quem consegue mais?) e em posologia gota a gota de um doce xarope. Com a pressa de chegar primeiro até se publicitou o que, afinal, não era. Assim, foi anunciada a descida do IVA sobre a energia, quando se tratava apenas da redução da taxa sobre o custo dos contadores. Assim se disse, sem pestanejar, que haveria um aumento extraordinário de dez euros em todas as pensões para depois se perceber que afinal era só para as inferiores a 550 euros e subtraído do acréscimo obrigatório por lei (cerca de 1,8%). As propinas universitárias, hélas, descem 212 euros, de um modo universal e igual para o mais rico e para o mais pobre, cujas consequências serão pagas pelos contribuintes. No frenesim de se ganhar houve até um episódio burlesco: o PCP anunciou que o factor de sustentabilidade de pensões antecipadas de longas carreiras contributivas seria anulado em Janeiro de 2020. Vai daí, o BE arranca uma notável vitória sobre o mesmo assunto, qual seja o de a medida ser antecipada em três meses para Outubro de 2019! Dá para todos... Com uma maioria de “amigos, amigos, eleitores à parte”, o OE 2019, assim percepcionado, faz lembrar um país das maravilhas.

Será isto sustentável? Como conciliar o mais baixo défice da democracia e um assinalável superávite primário, com esta cascata de boas notícias e de popularismo eleitoral?

Mais despesa, menos défice, só com mais receita, obviamente.

E essa receita, para além da sedação fiscal por via de furtivos aumentos da tributação indirecta (socialmente regressiva), resultará dos estabilizadores automáticos que fazem subir o produto fiscal. A isto acrescem a descida do custo (juros) da dívida pública, os elevados dividendos do Banco de Portugal em virtude da compra de activos pelo BCE e bancos centrais (que está no fim) e a margem discricionária das despesas de capital, que mantém níveis ainda muito baixos.

Ora, Portugal é uma economia muito aberta e vulnerável a factores que não controla. Por isso, teria sido melhor juntar ao moderado crescimento verdadeiras reformas de fundo, do lado da despesa e no sistema tributário, que tornassem as contas públicas mais imunes a factores cíclicos. Como escreveu o ministro das Finanças num artigo publicado no domingo no DN, é preciso “criar espaço para conseguir responder a um eventual abrandamento da actividade económica, incerto na data, mas na certeza de que, mais tarde ou mais cedo, chegará”.

Não basta reprimir ou conter conjunturalmente a despesa. E, muito menos, financiar despesa recorrente com receita cíclica. O caso mais evidente foi a errada redução de 40 para 35 horas de trabalho no Estado, que, sem o correspondente aumento de produtividade, faz aumentar o volume de emprego público e limita a atractividade salarial para uma melhor qualificação da Administração. 

E se o PIB crescer abaixo de 2,2%? E se a receita fiscal não chegar? Que importa se, então, já passaram as eleições...

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