A Lei de Murphy e a informática no SNS

O objetivo de informatização do SNS é louvável, mas a sua concretização é um desastre doloroso e permanente.

Os sistemas informáticos do Serviço Nacional de Saúde (SNS) funcionam mal, desastrosamente mal. Não há volta a dar: O mau funcionamento das aplicações informáticas e a forma caótica de o resolver prejudicam o trabalho dos profissionais de saúde, consomem desnecessariamente o tempo médico, desviam os médicos das suas tarefas e minam a relação com os seus doentes.

Não é um problema recente. É, aliás, um problema arrastado e reincidente. E nem sequer há sinais de resolução, antes de agravamento.

Periodicamente, os médicos são surpreendidos com falhas, disfunções ou instruções de trabalho feitas por quem não tem a menor ideia do trabalho médico, das necessidades dos doentes e do impacto profundamente negativo que provoca sobre ambos.

Os médicos despendem várias horas semanais (não minutos mas sim horas!) a tentar resolver os problemas de aplicações não adaptadas ou demasiado pesadas para funcionarem corretamente em computadores obsoletos ou em redes lentificadas. Ao invés de simplificar, complicam. Ao invés de pouparam tempo, gastam-no em detrimento da prestação de cuidados e em detrimento dos doentes.

E não é com a Prescrição Eletrónica Médica, vulgo receita médica em formato eletrónico, que residem os únicos eternos problemas insolúveis e as intermináveis esperas. Todas as aplicações informáticas parecem ter um incompreensível pressuposto: não funcionam, obrigam a múltiplos shutdowns e resets e demoram meses ou anos a estabilizar. Os aplicativos de requisição de exames complementares de diagnóstico transformaram uma tarefa simples num novo quebra-cabeças.

Os médicos de família gastam, em média, três minutos na requisição informática de análises para um doente, no caso de um utilizador já bem treinado. Pode parecer pouco, mas convém lembrar que se deverá multiplicar por 20 ou 30 consultas diárias e de somar todos os tempos de outros aplicativos incluídos nessas consultas e que frequentemente também não funcionam adequadamente.

Supostamente, a informatização dos processos seria uma coisa boa, capaz de poupar tempo, simplificar procedimentos, facilitar o trabalho nos hospitais e centros de saúde e permitir que os profissionais de saúde possam ter mais tempo para os seus doentes.

O problema é que vivemos uma espécie de era arcaica da informática no SNS. Pouco parecem importar as consequências do mau funcionamento dos computadores e das respetivas aplicações.

Hoje, os médicos têm frequentemente de passar mais tempo a usar um computador – esmagados pela burocracia informática e pela disfunção das aplicações – do que no contacto com os seus doentes.

A informática deixou de estar ao serviço das pessoas. Atualmente, são os médicos e os doentes que passaram a estar capturados pelas constantes avarias e dificuldades informáticas. O SNS está a afundar-se num turbilhão perigoso, cada vez mais dependente da informática, da má informática, do que de procedimentos clinicamente aceitáveis. Vivemos hoje na ditadura da má informatização, sem libertação à vista.

O objetivo de informatização do SNS é louvável, mas a sua concretização é um desastre doloroso e permanente. Não funciona corretamente! É o inelutável diagnóstico.

O SNS não pode continuar a ser um laboratório permanente de ensaio de aplicações informáticas em que profissionais e doentes são as cobaias. O funcionamento adequado das aplicações informáticas é absolutamente vital para a modernização da Saúde, para a simplificação dos processos, para ajudar os profissionais e doentes, para evitar o uso do papel.

Eduardo Murphy afirmava que se algo puder correr mal, correrá mesmo mal e no pior momento possível. Esta máxima não podia estar melhor adaptada à informatização do SNS.

Os Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) e o Ministério da Saúde arrastam este mal-estar que a obrigação moral de preservar a qualidade dos cuidados de saúde deveria proibir.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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