Foco em Itália facilita impacto do OE em Bruxelas e nos mercados

Ao fim de três orçamentos de relações difíceis com Bruxelas e com os mercados sempre atentos, o Governo pode ter uma recepção mais tranquila no seu último Orçamento do Estado.

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Reuters/FRANCOIS LENOIR

Quando em Janeiro de 2016 apresentou o seu primeiro Orçamento, o Governo enfrentou, tanto em Bruxelas como nos mercados, uma reacção muito crítica, traduzida em ameaças de sanções futuras por parte da Comissão Europeia e subidas de taxas de juro nos mercados da dívida. Portugal estava na altura no centro das preocupações na zona euro. Mas agora, quase três anos depois, o Executivo está a conseguir, no momento em que apresenta o seu último orçamento, manter-se longe do foco das atenções, não se esperando, mesmo num cenário em que o OE não cumpra à risca aquilo que está definido nas regras europeias, qualquer regresso aos momentos de tensão já vividos na relação do país com Bruxelas e os mercados.

Na proposta de OE que será apresentada esta segunda-feira deverá constar, de acordo com todas as indicações que têm vindo a ser dadas pelo Governo nas últimas semanas, uma meta para o défice público de 0,2% (depois de 0,7% em 2018), com a continuação da redução do rácio da dívida no PIB para um valor próximo de 117%. São resultados de que o ministro das Finanças deu sinais de não abdicar mesmo perante as pressões vindas dos partidos à esquerda para novas medidas de aumento da despesa ou redução da receita.

Estes números, no entanto, não garantem só por si que, da parte de Bruxelas, não surjam críticas e alertas. Os técnicos europeus, no momento em que analisarem o esboço orçamental que lhes chegará de Lisboa, vão olhar para outros indicadores. O mais importante – e que tem sido o motivo das principais discussões entre o Governo português e as autoridades europeias em anos anteriores – é o défice estrutural.

Este indicador (que mede o saldo orçamental retirando-lhe os efeitos da conjuntura económica e as medidas de carácter extraordinário) é o utilizado para medir o verdadeiro esforço de consolidação orçamental que um país está a fazer. E, segundo as regras orçamentais europeias, depois de ter baixado o défice nominal da barreira dos 3%, Portugal tem de reduzir o défice estrutural em 0,6 pontos percentuais ao ano, até que atinja o objectivo de médio prazo que é um excedente de 0,25%.

 É muito pouco provável que, com uma redução de 0,5 pontos no défice nominal e uma previsão de crescimento do PIB de 2,2%, a proposta de OE que o Governo irá apresentar possa apontar para uma redução tão forte do défice estrutural como a exigida pelas regras. Em Abril, no Programa de Estabilidade, o próprio Governo já antecipava uma redução do défice estrutural em 2019 de apenas 0,2%.

Deste modo, torna-se bastante provável que, tal como tem acontecido invariavelmente em todos os OE após a saída da troika, Bruxelas volte a alertar para o risco de Portugal não cumprir em 2019 as regras orçamentais europeias. Do grau do desvio detectado, dependerá se isso será feito através de uma carta poucos dias após a entrega do OE, ou apenas mais tarde no momento em que a Comissão divulga a sua avaliação de todos os orçamentos.

No entanto, a gravidade das críticas da Comissão Europeia, ao contrário do que acontecia em 2016 e 2017, deverá ser agora atenuada por diversos factores.

Em primeiro lugar porque as metas orçamentais definidas pelo governo português beneficiam neste momento de uma credibilidade muito maior, depois de nos anos anteriores os resultados terem sido bastante melhores do que aquilo que Bruxelas temia. Quando a proposta de OE para 2018 foi apresentada, a Comissão considerou que havia um risco sério de incumprimento da regra de redução do défice estrutural em 0,6 pontos, antecipando somente uma estabilização do indicador. Se o Governo conseguir apresentar um resultado melhor este ano, essa credibilidade ainda se reforça mais.

Foco em Itália

Depois, há o factor Itália. O governo italiano prepara-se, também esta segunda-feira, para enviar para Bruxelas um esboço de orçamento que, não só não cumpre as regras dos saldos estruturais ou de redução da dívida, como mesmo em termos nominais não aponta para qualquer correcção do défice, antes pelo contrário.

A Comissão Europeia até já enviou, em antecipação, uma carta a Roma onde pede para que as metas definidas e as medidas previstas sejam revistas, mas, apesar de agora se falar de um saldo ligeiramente mais favorável para 2019 e para os anos seguintes, o novo governo italiano não tem mostrado a qualquer intenção de fazer grandes cedências.

Neste momento, parece praticamente inevitável que, durante esta semana, a Comissão envie nova carta ao executivo italiano, alertando para a existência de um desvio sério face às regras europeias, o que abrirá um período de uma semana de negociações. Se Bruxelas continuar depois insatisfeita pode tomar a acção inédita (Portugal sempre escapou a ela) de recomendar ao Eurogrupo, liderado por Mário Centeno, que “chumbe” o orçamento italiano, pedindo a Roma que envie uma proposta revista.

Mesmo que as autoridades europeias optem, como tem acontecido no passado, por ser flexíveis e evitar uma escalada do confronto, aquilo que é certo é que, ao pé da Itália, Portugal vai este ano conseguir parecer sempre? um excelente aluno.

O papel dos mercados

Não se deve esquecer, no entanto, que para além de Bruxelas e das suas regras há igualmente o julgamento dos mercados.

Também aqui, é na Itália que todas as atenções estão concentradas. O conflito entre Roma e Bruxelas agravou as preocupações dos investidores relativamente à capacidade de Itália fazer face aos desafios que enfrenta, seja a sustentabilidade da sua elevada dívida pública, seja a estabilização do seu frágil sistema bancário. As taxas de juro da dívida pública italiana têm vindo, nas últimas semanas, a subir fortemente e estão já acima dos 3,5%, o que compara com perto de 2% em Portugal.

As coisas podem ainda piorar caso as agências de rating desçam, como se espera, a classificação dada a Itália, ameaçando o país com um nível “lixo”, ou se um cenário de confronto aberto entre o governo italiano e as autoridades europeias se concretizar.

Mais uma vez, perante este cenário, torna-se extremamente improvável que um orçamento português com um défice de 0,2%, sejam quais forem os seus detalhes ou a credibilidade do seu cenário macroeconómico, possa gerar só por si qualquer tensão nos mercados. E Portugal tem ainda a vantagem adicional de, na passada sexta-feira, a Moody’s, a única agência que ainda mantinha o rating em nível “lixo”, ter elevado a sua classificação, dando logo à partida o seu aval à política orçamental do Governo.

Não se pense contudo que está garantida a tranquilidade do país nos mercados. Se é verdade que o seu próprio orçamento não deve provocar sobressaltos, Portugal continua, tal como os outros países do Sul da Europa, muito sensível ao que poderá acontecer em Itália, não se podendo descartar um cenário de subida forte de taxas de juro em toda a periferia europeia se os mercados decidirem “atacar” a dívida italiana.

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