SIRESP escapa ao pagamento de multas por falhas nos incêndios

Governo desistiu de multar a empresa porque diz não ter “evidências” de que a empresa não cumpriu com o contrato. No pós-Pedrógão, governantes centraram as responsabilidades nas falhas da rede.

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Eduardo Cabrita tinha dito que não desistia de multar a empresa Miguel Manso

Tudo se resume à falta de provas. O Ministério da Administração Interna admite que não foram aplicadas quaisquer multas à empresa que gere a rede de emergência nacional por causa das falhas no incêndio de Pedrógão Grande, que vitimou 64 pessoas, porque não “foram recolhidas evidências” que mostrem que a empresa SIRESP, SA não cumpriu com o que tem estipulado em contrato com o Estado.

Na prática, a SIRESP, SA vai assim escapar ao pagamento de penalidades pelas falhas nas estações-base que impediram as comunicações dos operacionais durante o incêndio de Pedrógão Grande e que foram o centro do discurso do primeiro-ministro no pós-incêndio.

Só no incêndio de Pedrógão Grande, durante a hora em que morreram mais pessoas, falharam 537 chamadas, de acordo com dados a que o PÚBLICO teve acesso. Já em dados globais, o ministro Eduardo Cabrita disse que a rede tinha falhado em 2017 durante nove mil horas, sem dar mais detalhes.

Ainda com Constança Urbano de Sousa como ministra, o Governo abriu uma guerra ao SIRESP admitindo não só a exigência do pagamento de penalidades, mas também a possibilidade de se ir mais longe na responsabilização da empresa. Para isso, socorreu-se até de um parecer do escritório de advogados Linklaters, do qual fazia parte, à data, o actual ministro-adjunto Siza Vieira. Avançar com um processo nos tribunais foi uma ideia que foi posta de parte, tendo o Governo optado apenas pela via administrativa.

Em Agosto do ano passado, a secretaria-geral do MAI, que gere a relação com a SIRESP, SA, notificou a empresa de que iria accionar o pedido de penalidades estipuladas no contrato, por causa das falhas ocorridas. Mais tarde, já com Eduardo Cabrita na pasta, a opção passou a ser a de entrar no capital da empresa gestora da rede SIRESP, conseguindo chegar aos 33%, mas não tendo a maioria, ficando o processo de exigência de pagamento de multas para segundo plano.

Pelo caminho

Agora, percebe-se que, afinal, tudo ficou mesmo pelo caminho. Em resposta a uma pergunta do PSD, o MAI diz que “de acordo com as informações fornecidas pela entidade gestora do contrato SIRESP [a secretaria-geral do MAI], esta não aplicou penalidades à operadora SIRESP, SA relativas a 2017, atendendo a que não foram recolhidas evidências do incumprimento dos níveis de serviço contratualmente estabelecidos”.

O Governo nunca tinha admitido que tinha desistido das multas à empresa. Em Março, o MAI respondeu ao PÚBLICO exactamente o contrário, dizendo que “não desistiu da aplicação de penalidades” e que estas seriam aplicadas quando estivesse concluído o relatório com o levantamento das falhas que tinham ocorrido em 2017. Desde então, o PÚBLICO tem pedido este relatório, que nunca chegou, estando a correr em tribunal uma acção do PÚBLICO contra o MAI por causa deste e de outros documentos.

É o segundo revés em apenas uma semana no que toca à relação entre o Estado e a SIRESP, SA. Primeiro, foi o Tribunal de Contas a não dar visto ao investimento de 15,6 milhões de euros, que permitiu comprar 451 antenas satélite e geradores a gasóleo, reforçando a resiliência e a redundância da rede, agora fica a saber-se que também não haverá pagamento de multas.

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