Haddad já tinha vida difícil contra Bolsonaro e Ciro Gomes não facilita

Candidato do PT afastou-se da imagem de Lula da Silva, mas os apoios não aparecem. O PDT de Ciro Gomes deu-lhe um apoio frio e o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso mantém uma posição morna.

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Segundo uma sondagem do Datafolha, Fernando Haddad está 16 pontos atrás de Bolsonaro LUSA/Sebastiao Moreira

O sprint final de Fernando Haddad para alcançar Jair Bolsonaro na corrida pela Presidência do Brasil está a encontrar ainda mais obstáculos do que se previa antes da realização da primeira volta, que o candidato da extrema-direita quase venceu sem precisar de repetir a ida às urnas.

No final da primeira semana após a realização da primeira volta, que era importante para se perceber se o candidato do PT poderia contar com a maioria dos votos que não foram para Bolsonaro, Haddad viu ser publicada uma sondagem que mantém o fosso em relação ao seu adversário – e teve outras más notícias.

Um dos caminhos possíveis para encurtar essa distância de entre 15 e 16 pontos era receber um apoio claro e empenhado de Ciro Gomes, o candidato do Partido Democrático Trabalhista (PDT), de centro-esquerda, que ficou em terceiro lugar na primeira volta, com 12%.

Se Haddad pudesse contar com a esmagadora maioria dos mais de 13 milhões de votos que foram para Ciro Gomes, teria um caminho mais desafogado para se aproximar de Bolsonaro.

Mas o resultado das conversações entre os dois, esta semana, não garante que seja esse o cenário final. Ciro Gomes e o seu PDT limitaram-se a dar um "apoio crítico" ao candidato do PT, que na prática se traduz em duas ideias principais, segundo o jornal Folha de S. Paulo: criticar Bolsonaro sem falar de Haddad, e dessa forma posicionar-se como alternativa a ambos numa eventual futura candidatura à Presidência.

Esse apoio frio e distante ficou ainda mais vincado quando Ciro Gomes decidiu partir para uma visita ao estrangeiro, onde deverá ficar até ao fim da próxima semana – tornado inviável um apoio mais visível, com comparências em comícios ao lado de Haddad, por exemplo.

As contas que muitos analistas faziam antes da primeira volta – somando a maioria dos votos da oposição a Bolsonaro aos votos de Haddad, permitindo-lhe vencer a corrida na segunda volta – levantam agora uma questão que "não é aritmética, é político-eleitoral", escreve Eliane Cantanhêde no jornal Estadão.

"E, aí, a conta não fecha", diz a jornalista. "Logo, o desafio do PT para dar a volta por cima não é tirar voto do adversário, mas pescar votos dos candidatos derrotados. O principal deles é Ciro, porque teve mais votos e porque 70% dos seus eleitores, segundo o [instituto] Datafolha, tendem a votar em Haddad", escreve Eliane Cantanhêde. Uma estratégia que dificilmente terá o sucesso de que Haddad precisa depois de Ciro Gomes ter declarado o seu "apoio crítico".

Acresce que Haddad tem outro adversário de peso nestas eleições: o próprio PT.

"Os 16 pontos de vantagem de Bolsonaro no Datafolha indicam que o medo não é de Haddad, mas do PT", escreve o jornalista José Roberto de Toledo na revista Piauí.

"A grande maioria dos eleitores não conhece Haddad o suficiente para odiá-lo nem para temê-lo. Não nessa intensidade e quantidade. Se não é da pessoa física, só pode ser da jurídica. É manifestação do antipetismo, e isso diferencia a eleição de 2018 das outras em que o medo venceu", diz Roberto de Toledo.

Para além do "apoio crítico" do PDT, Haddad conta com o apoio sem reservas do Partido Socialista Brasileiro (que não apresentou candidato às eleições) e do Partido Socialismo e Liberdade, cujo candidato, Guilherme Boulos, teve apenas 0,58% dos votos na primeira volta.

Nas duas semanas que faltam até à segunda volta, marcada para  28 de Outubro, Haddad e o PT terão de continuar a tentar convencer outras personalidades da política brasileira a declararem um apoio inequívoco à sua candidatura – mesmo que seja um voto útil contra Bolsonaro.

Mas a ideia de unir uma "frente democrática" também tem esbarrado na indefinição de personalidades como o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso e Joaquim Barbosa, antigo presidente do Supremo Tribunal Federal.

Nos últimos dias foram tornados públicos vários apelos para que Henrique Cardoso apoie de forma clara Haddad e critique Bolsonaro – de um grupo de advogados de São Paulo, ao filho do jornalista Vladimir Herzog, torturado e assassinado pela ditadura militar em 1975, passando pelos portugueses Manuel Alegre e João Soares.

Mas, apesar de o ex-Presidente brasileiro ter criticado o candidato de extrema-direita em várias ocasiões, começando numa entrevista à revista Veja há 26 anos, o apoio convicto a Haddad e ao PT tem sido difícil de articular. E o seu partido, o PSDB, declarou-se neutro na quarta-feira – dividido entre a linha mais centrista de Cardoso e do seu candidato às presidenciais, Geraldo Alckmin, e a corrente pró-Bolsonaro de João Doria, o candidato a governador de São Paulo.

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