A Ryanair desrespeitou a democracia

O presidente da Ryanair adopta um tom insultuoso em relação ao Parlamento português e um discurso que desrespeita as regras da democracia parlamentar

“Vamos ao Parlamento português falar para quem? Para os deputados? O que é que eles fazem?” A pergunta foi feita na terça-feira perante um jornalista da Lusa pelo presidente executivo da companhia aérea irlandesa Ryanair, Michael O’Leary, justificando a decisão que tomou de não comparecer à audição parlamentar para que tinha sido solicitado por decisão unânime da Comissão parlamentar de Economia, Inovação e Obras Públicas de aprovar o pedido feito nesse sentido pelo Bloco de Esquerda.

Indo mais longe, o presidente executivo da Ryanair explicou a sua decisão com argumentos peculiares: “Porque nós não somos políticos. Nós não vamos a parlamentos falar sobre problemas laborais e, se tivermos problemas laborais, falamos com os sindicatos e com os nossos funcionários.” E acrescentou: “Nós estamos aqui a criar novas rotas, mais empregos, a incrementar o turismo em Portugal. (...) Nós somos pessoas de negócios, não somos políticos. Deixem os políticos falar, nós continuaremos no nosso negócio.”

Além de uma imensa arrogância na forma como caracteriza o papel da sua companhia aérea na economia portuguesa, o presidente da Ryanair adopta um tom insultuoso em relação ao Parlamento português e um discurso que desrespeita as regras da democracia parlamentar. Expliquemos porquê.

Em causa está a greve dos trabalhadores da Ryanair a nível europeu e que em Portugal se realizou nos dias 29 de Março, 1 e 4 de Abril. Os motivos da paralisação invocados pelos trabalhadores foram o alegado incumprimento por aquela companhia área da lei laboral portuguesa que reconhece direitos de parentalidade e de ordenado mínimo. Era ainda pedido o fim dos processos disciplinares abertos pela companhia aérea contra trabalhadores por estarem de baixas médicas ou por efectuarem vendas a bordo abaixo dos objectivos da empresa.

À época, as denúncias de que a Ryanair estava a violar o direito à greve e a lei da greve portuguesa, ao ir buscar tripulações para superar a paralisação pela greve em Portugal a outros país, levaram mesmo a Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) a fiscalizar presencialmente a situação e as condições de trabalho nessa companhia. O facto de não terem sido encontradas pela ACT irregularidades quando actuou nos aeroportos de Lisboa, Porto e Faro foi mesmo motivo de regozijo pelo presidente executivo da Ryanair nas declarações justificativas da sua não ida ao Parlamento.

É, de facto, positivo e de saudar que a ACT não tenha detectado infracções ao direito laboral português na actividade da Ryanair no período final da greve de Março e Abril. Mas o facto de não terem sido detectadas irregularidades e infracções pela fiscalização da ACT não resolve a questão maior das contradições entre direito laboral português e irlandês que podem estar na origem dos conflitos em causa. Tanto mais que estamos a falar de uma companhia aérea low cost, ou seja, de uma empresa que opera no que se chama “a nova economia”, um mundo novo até pela sua inovação económica, em que as empresas vivem precisamente da desregulação que impera, como defendi neste espaço em Abril a propósito precisamente da Ryanair.

Era, por isso, perfeitamente normal que os deputados da Comissão da Economia, Inovação e Obras Públicas quisessem ouvir os responsáveis da Ryanair. É mesmo a sua obrigação enquanto legisladores. O que de facto não é normal, nem é de elogiar, mas sim de condenar, é a atitude e o discurso do presidente executivo da companhia aérea irlandesa sobre o Parlamento e a função dos deputados.

A autonomia das empresas não significa que não tenham de responder perante o poder político. Por maioria de razão, perante o poder legislativo máximo que é o segundo órgão de soberania do Estado português. Ao falar nos termos em que falou, o presidente executivo da Ryanair desrespeitou os deputados portugueses, logo desrespeitou também os portugueses que os eleitos representam.

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