Espectro de Bolsonaro deixa PSDB em guerra civil

O partido que dominou o centro-direita no Brasil nas últimas décadas está em cacos depois do terremoto eleitoral de domingo. Eleições em São Paulo vão definir o seu futuro.

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João Doria vai disputar a segunda volta das eleições para governador de São Paulo Nacho Doce / Reuters

Outrora um dos partidos basilares do Brasil, o Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) está em clima de guerra civil depois de uma das piores noites eleitorais da sua história. Oficialmente, os “tucanos” não apoiam nenhum dos candidatos presidenciais na segunda volta, mas a tentação que exerce Jair Bolsonaro é grande e pode vincular o futuro do partido.

As clivagens no seio da formação atingiram o ponto alto numa reunião na terça-feira à noite em Brasília em que o candidato presidencial Geraldo Alckmin deixou no ar uma acusação de traição ao candidato a governador de São Paulo, e seu ex-protegido político, João Doria. Esta quarta-feira, o militante histórico Widerson Anzelotti, que coordenou a campanha de Alckmin em São Paulo, anunciou a sua saída do partido, aludindo também a traições, embora sem nomear Doria.

O confronto aceso – e agora tornado público – no interior do PSDB reflecte divergências quanto ao rumo a seguir. Na reunião de Brasília entre a cúpula do partido ficou decidido que os “tucanos” não iam oficializar qualquer apoio aos candidatos à segunda volta das eleições presidenciais: Jair Bolsonaro e Fernando Haddad. Porém, a imprensa brasileira destaca o desafio apresentado à direcção nacional do PSDB pela ala mais conservadora, conhecida como “cabeças pretas” – por serem em média mais jovens que a liderança, os “cabeças brancas”, – que queria um apoio expresso ao candidato de extrema-direita.

Quem não esperou pela orientação do partido foi João Doria, que logo no domingo manifestou o seu apoio a Bolsonaro. O estilo e algumas propostas do candidato, que foi eleito prefeito da metrópole em 2016, derrotando Haddad logo à primeira volta, têm-lhe valido comparações com Bolsonaro e não é à toa que os “bolsodorias” – eleitores que votam em ambos – podem garantir-lhe a vitória no dia 28.

Tal como Bolsonaro, Doria defende uma linha dura no combate ao crime, tendo prometido que, se for eleito governador, a Polícia Militar vai “atirar para matar”, para além de fazer do Partido dos Trabalhadores (PT) e da esquerda em geral os seus grandes alvos. Durante a campanha, Doria chamava frequentemente o candidato do Partido Socialista Brasileiro (PSB, de centro esquerda), Márcio França, de Márcio “Cuba”.

Derrota sísmica

O mal-estar no PSDB durou praticamente toda a campanha. Apercebendo-se cedo da fragilidade da candidatura de Alckmin, Doria prescindiu de aparecer com o ex-governador de São Paulo ao seu lado. Na carta em que justificou a sua saída do partido, Anzelotti fala em “membros do partido trabalhando para outras candidaturas”.

A hecatombe sofrida pelo PSDB nas eleições de domingo torna as eleições estaduais em São Paulo e em Minas Gerais vitais para o futuro do partido. Apesar de previsível, a derrota dos “tucanos” aconteceu em toda a linha. Alckmin não superou sequer os 5% dos votos e a bancada na Câmara dos Deputados passou de 54 para 29 lugares.

Por trás da derrota estão os casos de corrupção que envolveram vários dirigentes influentes do PSDB, incluindo o ex-candidato presidencial Aécio Neves – que ainda assim conseguiu ser eleito deputado federal em Minas Gerais – mas também a identificação do partido com a governação de Michel Temer, que bateu recordes de impopularidade.

Se vencer em São Paulo, Doria irá tornar-se numa das principais figuras do PSDB e a sua influência será enorme. Em declarações ao PÚBLICO, o ex-ministro do PT e professor de Filosofia na Universidade de São Paulo, Renato Janine Ribeiro, considera que com Doria, “o PSDB será um parceiro natural de Bolsonaro”.

As hostes do candidato de extrema-direita têm reagido com alguma indiferença às aproximações de Doria. “Não vamos entrar nessa briga doméstica em São Paulo”, afirmou o recém-eleito deputado federal Major Olímpio, do Partido Social Liberal (PSL, de extrema-direita). Há apenas um ano esta declaração seria extraordinária por parte de um militante de um partido “nanico” como o PSL, mas representa a revolução ocorrida no xadrez político brasileiro no último domingo.

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