O lince-ibérico continua a ser reintroduzido na Península Ibérica para afastar perigo de extinção

Em 2018, a população do felino na Península Ibérica vai acolher mais 31 exemplares. A preocupação actual é aumentar as populações de coelho-bravo, essenciais para a sobrevivência do lince-ibérico, alerta associação responsável pelo desenvolvimento do projecto Life+Iberlince, em Portugal

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INÊS CASTRO VASCO

Nem tudo são más notícias quando falamos das populações de linces que habitam na Península Ibérica: entre 2009 e 2017 foram libertados 216 animais nas suas áreas de distribuição histórica, espalhando-se maioritariamente pela região espanhola da Andaluzia e no Sul de Portugal, e no próximo ano vão ser libertados mais 31 animais. Actualmente, já se contabilizam mais de 500 exemplares nos dois países ibéricos.

O número de linces-ibéricos continua, por isso, a crescer nas várias zonas da Península Ibérica e a principal razão é a aplicação “bem-sucedida” do projecto LIFE+Iberlince, que actua na preservação e reintrodução do felino no seu habitat natural. Além disso, percebeu-se que os linces, após um período em cativeiro, estão a conseguir adaptar-se à natureza e reproduzir-se, contrariando as estimativas menos favoráveis registadas nos últimos anos.

As populações de linces têm sido ameaçadas há mais de duas décadas. “Chegaram a existir apenas 94 exemplares, em 2002, altura em que se começaram a unir esforços para afastar o felino da extinção”, lê-se num comunicado do projecto LIFE+Iberlince. Em Portugal, o lince-ibérico chegou mesmo a ser dado como extinto, o que levou ao estabelecimento de um acordo com Espanha que visava a conservação das populações remanescentes. Quatro anos depois, o território português tem uma “população estabelecida de lince-ibérico” e as atenções viram-se agora para a sobrevivência desta espécie no terreno.

O lince-ibérico (de nome científico Lynx pardinus) apenas habita na Península Ibérica, mais concretamente no bosque mediterrânico. Tem uma pelagem castanho-avermelhada coberta com manchas pretas e possui ainda uma cauda pequena, pincéis nas pontas das orelhas e barbas. A fêmea pesa, em média, cerca de nove quilos e o macho adulto pode chegar a pesar cerca de 12. Gosta de carne, principalmente de coelho-bravo, que constitui entre 80 a 100% da sua alimentação. “Outros vertebrados como roedores, lebres, perdizes e outras aves podem também ser predados pelo lince (…) mas em níveis significativamente inferiores aos do coelho”, refere o site do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF). A sua existência contribui para “o aumento da caça menor” e “não tolera nenhum outro predador no seu território, eliminando a competição e reduzindo a pressão que animais, como raposas e sacarrabos, mantinham sobre as populações de caça menor”, lê-se numa série de documentos do projecto Life+IBERLINCE. Afinal, trata-se de uma espécie territorial que vive da caça.

A crescente diminuição das populações de coelho-bravo devido a doenças virais, como a estirpe hemorrágica, é apontada como uma das principais ameaças para o lince-ibérico. Calcula-se que a densidade mínima da principal presa do lince para permitir a sua reprodução seja de cerca de quatro indivíduos por hectare. “A grande preocupação actual é continuar a gerir e aumentar as populações de coelho-bravo, as presas dos linces que são essenciais para a sua sobrevivência e que são muito susceptíveis a factores de mortalidade”, sublinha Carlos Rio Carvalho, secretário-geral da Associação IBERLINX e um dos responsáveis pelo projecto Life+IBERLINCE. Para evitar um cenário de escassez de alimento, foram construídas “tocas artificiais e parques de criação” de coelho-bravo, “semeadas culturas nos territórios abrangidos pelo projecto” e estas populações são ainda “monitorizadas anualmente” para avaliar os efeitos das intervenções no habitat.

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Lince-ibérico PEDRO CORTIJO

Contudo, as preocupações com o felino mais ameaçado do mundo não ficam por aqui. Quando se começou a aplicar o projecto LIFE+Iberlince em Portugal, no ano de 2013, o estatuto de conservação do lince-ibérico considerava que esta espécie estava “criticamente em perigo de extinção”. Actualmente, está classificada como “em perigo de extinção”, pela União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN). A principal causa para o seu desaparecimento progressivo, para além da regressão das populações de coelho-bravo, tem sido os atropelamentos ou o envenenamento, à qual se pode ainda acrescentar a caça furtiva ou a destruição do seu habitat natural.

Em Mértola, a única área de reintrodução da espécie em Portugal, já se registaram nove casos de envenenamento, mas o atropelamento continua a ser uma das principais ameaças – em três anos foram mortos 51 animais, refere a World Wildlife Fund (WWF). As ocorrências são, na sua maioria, registadas pelo ICNF. Antes de serem soltos na natureza, estes animais são marcados e têm um ou mais emissores que permitem seguir os seus passos por satélite, identificando-os no terreno. Além disso, existem outras técnicas que permitem às equipas acompanhar estas populações: centenas de câmaras automáticas espalhadas pelo terreno fotografam e filmam estes linces, permitindo depois avaliar a sua “adaptação ao habitat, condição física, interacção entre indivíduos, reprodução e dispersão”.

Questionado sobre o número exacto de linces que existem por todo o território ibérico, Carlos Rio Carvalho respondeu: “O número de linces em cativeiro, bem como o seu nome e o perfil genético, é conhecido com todo o rigor e, a partir do momento em que são soltos na natureza, continuam a ser acompanhados; já os restantes animais vão sendo identificados através de um conjunto de técnicas.” Depois, “são capturados e reproduzem-se em cativeiro”. Sobre o conceito de “reprodução em cativeiro”, o responsável garante que “os animais são tratados de uma maneira muito natural porque o que se pretende é que vivam num ambiente muito parecido ao que vão encontrar na natureza”.

Um processo complexo de reintrodução

Em 2016, os dados divulgados pela Associação IBERLINX apontam para nove linces libertados na área de distribuição histórica nacional e, em 2017, foram introduzidos mais oito animais. Espera-se que o número de crias continue a registar uma subida progressiva, dando sequência ao registo positivo que se observa desde 2002, quando se iniciou a procriação em cativeiro para afastar o felino da extinção. Em 2018, o projecto prevê reintroduzir seis linces (três machos e três fêmeas) no Parque Natural do Vale do Guadiana. Nas várias zonas da Península Ibérica serão libertados 16 machos e 15 fêmeas.

Mas a reintrodução não é a única preocupação das associações ambientalistas da Península Ibérica, que procuram também preservar esta espécie nas várias zonas de distribuição histórica situadas no Vale do Guadiana e nas regiões espanholas de Andaluzia, Castilla-La Mancha e Estremadura. “A conservação do lince-ibérico passa pela acção no terreno, ou seja, monitorizar os animais que estão em liberdade, e pela sua reprodução em cativeiro”, afirma Carlos Rio Carvalho. E acrescenta: “Existe também um grande cuidado em garantir a variabilidade genética, em cada uma das populações, nas introduções que se realizam”. As entidades envolvidas no projecto acreditam que a comunicação entre as populações reintroduzidas e existentes em Portugal e em Espanha é importante para fortalecer a própria genética e garantir a descendência da espécie.

No projecto, verificou-se ainda que o número de nascimentos em liberdade tem aumentado significativamente nos últimos anos, ainda que a grande maioria ocorra nos centros de reprodução em cativeiro. “Só em Portugal, registaram-se cerca de 16 nascimentos em liberdade, o que prova que o programa está a resultar e os animais estão a conseguir sobreviver e reproduzir-se quando são devolvidos ao meio”, afirma o responsável. Nos primeiros três meses deste ano, nasceram 15 crias no Centro Nacional de Reprodução de Lince-Ibérico (CNRLI), em Silves, que estão a ser preparadas para, um dia, serem reintroduzidas na natureza.

A história dos linces ainda está longe de alcançar a tão desejada auto-sustentabilidade da espécie. “Este processo de reintrodução do lince-ibérico pode demorar vários anos e é bastante complexo porque estes animais têm de aprender para conseguirem sobreviver e progredir sozinhos no território”, explica Carlos Rio Carvalho. Ter uma “população auto-sustentável” e “parar com as introduções” são os grandes objectivos do programa co-financiado pela União Europeia, que termina a sua acção em 2018. Para isso, é ainda preciso “melhorar das condições de habitat no terreno que permitam a expansão das populações de lince-ibérico”, continuar a “monitorizar o estado das populações de coelho-bravo para garantir a sobrevivência dos linces” e “comunicar à população a importância da conservação destes animais agora e no futuro”. Em Portugal, procura-se alargar a reprodução do lince-ibérico e a população de coelho-bravo para outras zonas de introdução da espécie.

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