Nordeste levou Haddad à segunda volta, o resto do Brasil rendeu-se a Bolsonaro

A vaga da nova direita radical varreu o Brasil nestas eleições. Haddad terá de tricotar uma aliança das forças democráticas em três semanas para resistir ao candidato de extrema-direita.

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Jair Bolsonaro EPA

Jair Bolsonaro rasou a vitória na primeira volta nas eleições, e surfou uma onda de vitória que incluiu vários candidatos apoiados pelo capitão com um discurso de extrema-direita que ganharam lugares de senador, de deputado ou na corrida a governador. Mas Fernando Haddad, do Partido dos Trabalhadores (PT), arrancou a custo a passagem à segunda volta, que se disputará a 28 de Outubro. 

Haddad tinha 28% dos votos quando estavam apurados 93% das secções eleitorais, e tinha ganho em todos os estados do Nordeste – à excepção do Ceará, onde venceu Ciro Gomes, ex-governador do estado, que se apresentou nestas eleições como uma alternativa de centro-esquerda ao PT. Já Bolsonaro tinha 47%.

Já Bolsonaro ganhou no Norte, que era tradicionalmente dividido entre petistas e antipetistas, no Centro-Oeste e no Sul e no Sudeste. Ao serem divulgados os primeiros resultados, o Rio de Janeiro, por exemplo, foi varrido pela vaga Bolsonaro.

Em primeiro lugar para governador, ficou Wilson Witzel, do Partido Social Cristão, um juiz conservador aliado de Bolsonaro, que na recta final da campanha ultrapassou Romário, o ex-jogador de futebol, e conseguiu ficar à frente do grande favorito (prevê-se que com um resultado de 42%), o ex-presidente da câmara Eduardo Paes, do DEM (direita, com 19,7%). Haverá uma segunda volta.

Flávio Bolsonaro, um dos filhos do candidato a Presidente, que concorreu ao Senado, ficou em primeiro lugar no Rio de Janeiro – apesar de uma das palavras de ordem da manifestação das mulheres contra Jair Bolsonaro, do movimento #Ele Não, no Rio de Janeiro, a 29 de Setembro, ter sido “Ele não e o filho dele também não”.

Em Minas Gerais, onde as sondagens foram dando a ex-Presidente Dilma Rousseff uma vantagem confortável na eleição para o Senado pelo estado de Minas Gerais – e onde o seu rival nas eleições presidenciais de 2014, agora candidato a deputado federal, foi apupado quando foi votar neste domingo –, a petista teve uma desagradável surpresa. Quando foram contados os votos, ficou em terceiro lugar, ultrapassada por dois candidatos favoráveis a Bolsonaro. Fica fora do Senado.

O actual governador petista de Minas Gerais, um dos três maiores colégios eleitorais do Brasil, Fernando Pimentel, também ficou em terceiro lugar. Em primeiro, uma surpresa: Romeu Zema, do partido Novo e que deu o seu apio a Bolsonaro na segunda volta,  com 41%, ultrapassando o favorito, António Anastasia, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSBD).

Nesta vaga antipetista, “outras forças de direita e de centro-direita, como o Partido Novo, o velho DEM e as siglas ligadas a grupos evangélicos vão ocupar espaços até agora reservados à esquerda e à centro-esquerda", disse o analista José Fucs do jornal Estado de São Paulo.

A vaga direitista verificada com as primeiras contagens de votos e divulgação de sondagem à boca das urnas foi tão intensa que Fernando Haddad tentou acalmar os militantes ainda antes de começarem a ser revelados os resultados das presidenciais, para assegurar que estava “confiante”.

Votar de revólver

A última semana da campanha foi de crescimento desta onda de Bolsonaro, de que as sondagens, praticamente diárias, foram dando testemunho, para grande inquietação da campanha de Fernando Haddad e do Partido dos Trabalhadores, que denunciou uma enorme ofensiva de fake news nas redes sociais contra a sua candidatura.

As redes sociais não deram tréguas nem no dia das eleições. Encheram-se de vídeos de eleitores que carregaram nos botões das urnas electrónicas com revólveres, numa alusão à liberalização do porte de armas-de-fogo prometido por Jair Bolsonaro – e violando a lei, que não permite sequer levar telemóvel para a cabine de voto.

Espalharam-se rumores sobre fraudes nas urnas, a que os filhos do candidato Bolsonaro deram gás nas mesas de voto, incentivando os seus apoiantes a filmarem-se a votar – o que é um crime eleitoral. Tudo isto criou um clima de nervosismo – ainda que as cidades estivessem em ritmo de fim-de-semana.

Em São Paulo, as ruas estavam calmas, com o trânsito reduzido a um ritmo muito mais pacífico do que o monstro continuamente voraz dos restantes dias, com a maioria das lojas fechadas. Dia frio, com chuva, muitos sem abrigo deixavam-se estar pelo chão, embrulhados num cobertor, aquecendo-se sob um sol envergonhado que espreitou pelo meio-dia. Quase 54% dos eleitores do estado escolheram Bolsonaro – em segundo ficou o ex-presidente da câmara Haddad, com 15%.

De dedo no dique

Fernando Haddad terá de ser agora a proverbial figura que tenta segurar a vaga da nova direita radical brasileira pondo o dedo na brecha do dique. Para isso, precisa de reunir o apoio dos que foram seus rivais na primeira volta – fazer uma espécie de coligação das forças democráticas. Ciro Gomes, Geraldo Alckmin, Marina Silva – a todos Haddad tentará estender a mão.

Sabe-se que estará segunda-feira com Lula da Silva, na sua cela, em Curitiba, no que é uma verdadeira reunião política – afinal Lula é Haddad, como disse o lema da sua campanha. Lula é o peso que o ex-presidente da câmara de São Paulo aceitou carregar – e ambos vão avaliar os resultados e decidir o caminho que tomará nestas três semanas.

O que foi sendo avançado como estratégia a seguir pelo PT para enfrentar a operação de difamação de Haddad empreendida pela candidatura de Bolsonaro, é que a campanha petista vai investir no perfil do político de 55 anos enquanto homem de família, e na apresentação da sua religiosidade.

Mas Gustavo Bebianno, um dos principais conselheiros de Bolsonaro e líder do Partido Social Liberal (PSL), que patrocina o candidato de extrema-direita, deixa a ameaça para a segunda volta.  “É porrada. Se tiver um segundo turno, o confronto vai ser directo. Com o PT não tem conversa. Vamos com força, não vamos ter piedade com os erros e os males do PT”, prometeu, em declarações ao Estado de São Paulo.

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