Contas dos partidos: “Sem equipa de recuperação, risco de prescrição é grande”

José Eduardo Figueiredo Dias tomou posse há um ano como presidente da Entidade que fiscaliza as contas dos partidos e campanhas eleitorais. Entretanto, a lei deu àquela estrutura poderes de um tribunal, mas todos os pedidos de reforço de meios caíram em saco roto.

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José Figueiredo Dias é o presidente da Entidade das Contas e Financiamentos Políticos Miguel Manso

Um ano e uma nova lei depois, a Entidade das Contas e Financiamentos Políticos já não é a mesma: tem uma nova direcção, presidida por José Eduardo Figueiredo Dias, e novos poderes. Todas as decisões sobre as contas dos partidos e das campanhas eleitorais - da fiscalização às coimas - são agora sua responsabilidade. E com a cláusula de retroactividade da lei, isso acontece também com os 14 processos que estavam pendentes no Tribunal Constitucional, relativos a cinco anos (2009-2014). A rebentar pelas costuras, a direcção emitiu uma deliberação a dizer que, sem novos meios, esses processos vão ficar para trás. Apesar do “gravíssimo risco” de prescreverem. Figueiredo Dias explica porquê em entrevista por escrito.

A deliberação da Entidade da é um pré-anúncio de prescrição de processos de contas dos partidos que estavam no Tribunal Constitucional desde, pelo menos, 2016. Por que sentiram necessidade de chegar a este ponto?
Nós, na Entidade, não a vemos dessa forma, não tomámos a deliberação como um “pré-anúncio”. Temos estado submersos em imenso trabalho desde a tomada de posse, estando neste momento em curso diversos procedimentos (quer de contas anuais e de campanha quer contraordenacionais), aos quais estão alocados todos os nossos (parcos) recursos, que, de forma clara, não são suficientes para o trabalho pendente na Entidade.

Para lhe dar um exemplo, toda a Entidade teve de se dedicar quase exclusivamente às Contas das Eleições Autárquicas de 2017, que foram entregues no final de Agosto. A organização, compilação e verificação da informação tem representado uma tarefa pesadíssima (para ter uma ideia, na passada 2.ª feira foram enviados quase 200 dossiers com informação para auditoria externa – e não representam sequer a totalidade da informação que temos de analisar e preparar). Foi neste contexto que, no dia 13 de Setembro, nos foram remetidas pelo Tribunal Constitucional as contas anuais dos partidos políticos relativas aos anos de 2010 e 2011, momento que acabou por evidenciar aquilo que já antecipávamos: a absoluta falta de recursos humanos para tramitar mais procedimentos do que aqueles que já estão a ser tramitados.

Com a deliberação a que se refere pretendemos estabelecer as nossas prioridades e mostrar que, sem o reforço de meios que há muito reclamamos, não estamos em condições de, neste momento, começar a trabalhar nesses procedimentos. Nesta situação a prescrição de alguns dos procedimentos é um risco, decorrente do facto de a Entidade estar a trabalhar no limite das suas capacidades.

O TC não julgou nenhum processo durante um ano e meio. Não tinha obrigação de o fazer?
Como pode compreender, não me compete a mim responder a essa pergunta.

O TC já declarou a prescrição dos processos de contraordenação relativo às contas anuais de 2009 e devolveu à Entidade as de 2010 e 2011. Prevê que o destino destas seja também a prescrição? E em relação às de 2012, 13 e 14?
Essa é uma questão muito pertinente, mas à qual não posso responder, pelo menos nos termos em que a pergunta é colocada. Se a situação se mantiver, sem o reforço dos meios da Entidade – antes de mais, meios humanos – e sem a constituição de uma equipa de recuperação, com um prazo de exercício de funções temporalmente delimitado, para permitir a resolução, em tempo útil, dos procedimentos devolvidos pelo TC, como há muito é reclamado por esta Entidade, isso será um risco, ainda que me pareça que não para todos os casos que refere. A variedade e quantidade de procedimentos que temos neste momento “em cima da mesa” é de tal ordem, que torna virtualmente impossível uma resposta dos nossos serviços, em tempo útil, a todos os processos. Esperamos, convictamente, que o cenário que coloca não aconteça, que tenhamos capacidade de tomar decisões em tempo útil. Todavia, isso não depende apenas de nós.

A Entidade das Contas já tinha feito o relatório para todos esses processos, mas a análise das irregularidades tem de ser toda feita de novo, não é?
Veja que a tramitação desses novos processos não é, ao contrário do que se possa pensar, “automática”. É que, entretanto, a Lei Orgânica n.º 1/2018 alterou significativamente algumas normas em termos de financiamento partidário e eleitoral, tendo ficado claro na lei que determinadas condutas, anteriormente consideradas como infracções, deixaram de o ser. Considerando que estamos a falar de processos cujas decisões em termos de regularidade e legalidade foram tomadas ao abrigo do regime anterior, haverá com certeza situações identificadas à época que, entretanto, deixaram de ser irregularidades.

Todas estas questões têm de ser analisadas num momento prévio, têm de ser ouvidos os eventuais infractores, têm de ser realizados actos instrutórios e têm de ser tomadas decisões. Tudo isto exige duas coisas que não temos: tempo e recursos humanos.

Podemos estar perante situações que correm o risco de prescrição nos próximos meses, ainda que nos dedicássemos em exclusivo a elas (o que nunca seria possível, pois temos diversos procedimentos em mãos que não podemos negligenciar) e, mesmo se assim fosse, não teríamos tempo para proferir decisões antes de decorrido o prazo de prescrição porque, simplesmente, os procedimentos levam tempo até estarem prontos para decisão. Ou seja, seria uma gestão de recursos humanos muito questionável, a de parar toda uma Entidade para tramitar processos que, com grande probabilidade, prescreveriam antes sequer de se conseguir proferir qualquer decisão.

Quando assumiu funções, faz agora um ano, como encontrou a Entidade? Com muito trabalho atrasado?
Quando assumimos funções estavam pendentes alguns procedimentos. Veja que o timing das prestações de contas é um timing próprio e que acaba por se estender um pouco no tempo. Por exemplo, o prazo de entrega das contas das Autárquicas de 2017 terminou em final de agosto de 2018. Significa isso que só agora há condições para realização da auditoria, o que, por seu turno, implica que só em 2019 haja decisões concretas sobre as contas deste ato eleitoral. Digamos que os procedimentos que tínhamos pendentes reflectiam, em parte, todo esse condicionalismo.

Isso não invalida, no entanto, o facto de ser muito trabalho, trabalho esse que se multiplicou com o novo regime jurídico, dado que passámos a ser competentes em matéria de emissão de decisões de legalidade e regularidade das contas e passámos a tramitar e decidir os processos de contraordenação, o que não sucedia no passado.

Uma questão fulcral é a evidente falta de meios desta Entidade – técnicos, logísticos e humanos. Já houve algum sinal de reforço desses meios?
Essa para nós é a questão fulcral. A equipa da Entidade tem sido de uma dedicação total e só assim é possível irmos avançando com o trabalho. Mas os meios de que dispomos, especialmente os humanos – além do Presidente e das duas vogais temos neste momento três técnicos superiores, duas assistentes técnicas a tempo inteiro e uma outra a tempo parcial – são manifestamente insuficientes para responder aos desafios. O pequeníssimo reforço de meios foi garantido pelo próprio Tribunal Constitucional, nos termos que a lei prevê, que alocou uma técnica superior à Entidade, em termos não definitivos, e partilha connosco uma assistente técnica. Quanto ao mais, as nossas pretensões foram expressadas, já há cerca de meio ano, ao Presidente do Tribunal Constitucional, que as assumiu como suas e as fez chegar ao poder político, estando nós a aguardar o tão almejado reforço.

A Entidade pediu que fosse criada uma equipa de recuperação para permitir resolver os 14 processos pendentes de prestação de contas dos partidos. Teve alguma resposta?
À Entidade não chegou ainda qualquer resposta. É importante salientar que cada um dos 14 processos que refere envolve diversas questões distintas e múltiplos partidos, que pode implicar mais de 500 procedimentos individuais.

Este ano a ECFP elaborou diversos manuais de procedimentos para agilizar o trabalho da Entidade. É uma forma de substituir o poder de publicar regulamentos, perdido com a nova lei, que dava orientações aos partidos sobre a forma de apresentar as suas contas e cumprir a lei?
Não propriamente. A maioria desses manuais constitui guias para a organização do trabalho interno da Entidade em termos céleres, racionais e metódicos, no cumprimento estrito da legislação aplicável. Tirando um manual enviado aos partidos a apresentar as principais alterações da nova lei – a Lei Orgânica n.º 1/2018, de 19 de Abril – os manuais reportam-se à organização do nosso trabalho, à metodologia e tramitação a seguir, em matérias que vão desde a entrega das contas, às diversas decisões da Entidade, ao processo contraordenacional, às acções e meios dos partidos, à organização dos processos administrativos, às notificações, etc.

Como tal, estes “manuais” não ocupam (nem poderiam ocupar) o lugar dos regulamentos, que tinham eficácia externa e que permitiam à Entidade densificar a lei, por forma a obter uma maior uniformização na apresentação de contas pelos partidos políticos, simplificando o trabalho de uns e de outros.

Em 2019 há três actos eleitorais, e já não tem poder regulamentar. Não existe o risco de os partidos voltarem a entregar as contas a seu bel-prazer? Os partidos são sensíveis às recomendações da Entidade?
Claro que esse risco existe e já é uma realidade. Em todo o caso, estamos confiantes que os partidos já atingiram bastante maturidade nesta sede e que vão continuar globalmente a entregar as suas contas nos termos que já estão mais ou menos estabilizados. Note que a ideia não é apenas facilitar o trabalho da Entidade, é também facilitar o trabalho dos partidos, permitindo uma auditoria mais escorreita e mais centrada nos objectivos a que preside. Nem os partidos nem nós estamos interessados em que haja irregularidades, é do interesse de todos que as contas sejam prestadas em cumprimento da lei, para diminuir o espaço para decisões sancionatórias. Por isso, repito, estamos confiantes que, com o auxílio das Recomendações da Entidade, os partidos vão entregar as contas de forma a cumprir da forma mais rigorosa possível a legislação aplicável.

Processos ainda pendentes no Tribunal Constitucional

São os processos que tinham sido instruídos pela antiga direcção da ECFP, à luz da lei anterior, mas que não chegaram a ser levados a julgamento pela nova composição do TC, presidida por Costa Andrade. Agora, por força da nova lei, deverão ser devolvidos à Entidade para reanálise e conclusão do processos, como já aconteceu com as contas dos partidos de 2010 e 2011.  As irregularidades das contas de 2009 já prescreveram. Estas são as que se seguem:

Partidos

- Contas anuais de 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014

- Omissões de contas anuais de 2015 e 2016

Contas das campanhas eleitorais

- Regionais dos Açores de 2012

- Autarquias locais de 2013

- Parlamento Europeu de 2014

- Regionais da Madeira de 2015

- Presidenciais de 2016

- Câmara de S. João da Madeira 2016

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