Bacelar Gouveia: “Este é o Presidente com mais poderes da III República”

Bacelar Gouveia afirma que a margem de manobra conquistada por Marcelo provoca invejas tanto no PSD como em anteriores Presidentes.

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Jorge Bacelar Gouveia alertou contra os riscos de Marcelo como Presidente mas agora elogia-o Rui Gaudêncio

No dia seguinte à tomada de posse escreveu um artigo alertando para as tentações de Marcelo em Belém. Dois anos e meio depois, acha que se concretizou a tentativa de represidencialização do regime de que falava na altura?
Quem conhece bem o Professor Marcelo Rebelo de Sousa – porque foi meu orientador de mestrado, arguente de doutoramento e meu grande professor, de quem fui assistente alguns anos – acha que aquilo que eu disse se concretizou. Neste momento, o nosso Presidente da República é o grande provedor do povo português e consegue, como ninguém, e com grande inteligência e habilidade, representar da melhor forma possível os anseios e as aspirações do povo português. Nesta III República, deve ser o Presidente com mais poder, poder de intervenção cívica, de influência, mesmo com uma “geringonça” adversa. Isso é impressionante. E ainda mais curioso, sem pedir a fiscalização preventiva de nenhuma lei e com pouquíssimos vetos. Ou seja, sem fazer uso de poderes negativos contra a maioria adversa que tem pela frente. Isso prova uma mestria excepcional do actual Presidente. O que provoca invejas tanto dentro do PSD como de anteriores Presidentes da República, veja lá!

E sem pisar os limites dos seus poderes constitucionais, como dizem outros constitucionalistas, no caso de Tancos ou Pedrógão?
Não, acho que não. O caso de Tancos é uma vergonha, vai levar à extinção da PJ Militar. Agora, no caso de Pedrógão, ele fez aquilo que se impunha. Quando um Estado não protege os seus cidadãos e deixa morrer mais de 100 pessoas por causa de incêndios, esse Estado não existe, é o grau zero da função de protecção que deve ter. Acho que o Presidente fez muito bem. Só podia ter feito isso.

O Presidente já interpelou directamente pelo menos três ministros de forma pública: Defesa, Administração Interna e Finanças. É o primeiro Presidente a fazê-lo?
Não, mas os outros talvez o tenham feito de forma mais dissimulada. Isso é o poder informal de  questionamento, em que as interrogações já têm uma resposta contra a pessoa interpelada. Isso está dentro dos limites constitucionais, não vejo nenhum problema.

Como é que assistiu à polémica em torno da substituição da procuradora-geral da República?
Penso que ela fez um bom mandato, o Ministério Público mudou de natureza e criou a convicção de que a impunidade dos donos disto tudo vai mesmo acabar, independentemente do resultado dos processos. Mas há um aspecto negativo: é que as notícias têm saído em violação do segredo de justiça e não há uma acusação contra quem violou o segredo de justiça constantemente. Isso é tão grave como os crimes que supostamente foram cometidos.

E quanto ao processo?
Claro que haveria a possibilidade de um segundo mandato. Trata-se de uma decisão conjunta do primeiro-ministro, que propõe, e do Presidente, que nomeia, mas aí se percebeu que a parte decisiva da co-decisão foi mais do Governo que do Presidente, tenho essa convicção. Eu acho que o Presidente entende que se deve conter no exercício de certos poderes presidenciais. O procurador trabalha em grande medida com o Governo no âmbito da concretização da política criminal. O Presidente percebe que a pessoa que for indicada tem de trabalhar bem com o ministro da Justiça e com o primeiro-ministro. Penso que a campanha pública feita a favor da recondução de Joana Marques Vidal foi absolutamente contraproducente e liquidou as poucas hipóteses que ela tinha de continuar. Aí, os partidos da direita minoritária e alguns do PSD acabaram por provocar um desfecho contraproducente.

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