Bacelar vê Rio de "pedra e cal", mas não se exclui do futuro do PSD

Jorge Bacelar Gouveia, antigo apoiante de Santana Lopes, admite vir a candidatar-se à liderança do PSD na era pós-Rio e integrar as listas do partido nos actos eleitorais de 2019.

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Jorge Bacelar Gouveia quer ser de novo candidato eleitoral do PSD e não exclui a liderança do partido Rui Gaudêncio

É militante do PSD desde os 18 anos, nunca lhe passou pela cabeça deixar o partido, nem mesmo para acompanhar Pedro Santana Lopes, que sempre apoiou. Jorge Bacelar Gouveia, constitucionalista, presidente do Conselho Científico da Faculdade de Direito da Universidade Nova, antigo deputado, amigo de André Ventura, revela a sua disponibilidade para regressar à política activa, e isso inclui candidatar-se "um dia" à liderança do PSD. Diz que Rui Rio está de pedra e cal e critica os que pedem um congresso já. E afirma que Marcelo Rebelo de Sousa "é o Presidente com mais poderes da III República”.

Que balanço faz destes oito meses de liderança de Rui Rio?
Acho que está em progresso, em afirmação, houve elevadas expectativas em relação à capacidade do dr. Rui Rio afirmar-se como líder do PSD, em parte essas expectativas têm vido a ser frustradas, mas julgo que vai ter oportunidade de mostrar o que vale nesta recta final até às europeias e às legislativas. Acho que todos os militantes do PSD, gostando mais ou menos, tendo ou não apoiado, têm esse dever de o apoiar e contribuir para a vitória do PSD. É isso que eu desejo.

Apoiou Pedro Santana Lopes à liderança. Como é que assistiu à sua saída do partido? Não saiu do partido com ele nem pensa sair?
Não me desfiliei nem me vou desfiliar. Assisti com pena. O dr. Santana Lopes é um grande político, uma pessoa de grande capacidade, deu muito ao país em vários cargos, mas não consigo compreender a razão de sair com o argumento de que o PSD em quatro meses mudou de natureza. O PSD continua a ser o mesmo, há uma liderança que tem outro estilo, mas que eu saiba a linha programática não foi desvirtuada. Penso que foi uma decisão precipitada.

Acha que o partido Aliança é mais social-democrata que o PSD?
Acho que não, até é capaz de ser menos. E o grande erro do PSD nos últimos anos foi ter procurado corporizar uma direita à portuguesa, quando essa não é a matriz do PSD. O PSD é um partido do centro, não é um partido da direita. Nesse aspecto Rui Rio tem uma oportunidade de recolocar o partido no centro e penso que o está a fazer.

Estas oscilações não revelam alguma indefinição ideológica do PSD, que se vai definindo a cada momento, em função do seu líder?
É, mas essa também é a riqueza do PSD. Não é por acaso que se diz que o PSD é o partido mais português de Portugal. O PSD tem uma matriz heterogénea, social-democrata, um pouco democrata-cristã, um pouco liberal, mas é um partido que tem acompanhado sempre Portugal nos vários momentos de viragem nesta terceira República. Nestes 40 anos de democracia, o PSD está nos momentos-chave. Isso revela uma capacidade de adaptação e compreensão das necessidades dos portugueses. É nesse PSD em que acredito.

Mas foi muito crítico da orientação política de Pedro Passos Coelho…
Fui, embora reconhecendo que ele até esteve acima das expectativas que muitos tinham a seu respeito. Ele teve coragem em situações difíceis, conseguiu manter o Governo em momentos críticos como o famoso episódio do “irrevogável”, mas houve erros de forma na comunicação e alguns erros de conteúdo, que atingiram sobretudo a função pública, de uma forma inexplicável, e porventura algumas privatizações excessivas e uma obediência excessiva à troika. Houve alguns erros, mas penso que estamos numa situação boa, também em grande medida devido àquilo que foi feito de forma mais dramática e corajosa.

Ainda é amigo de André Ventura?
Sou, sou amigo dele, ele colabora aqui com a Universidade Nova e com a Autónoma, mas não me revejo no manifesto [contra a liderança de Rio] nem o vou assinar, acho que isso é um erro. Não é assim que se exerce a liberdade de expressão e de oposição interna. O PSD não é um partido unitarista, é um partido que tem sensibilidades e os militantes têm liberdade para exprimir as suas opiniões. Mas não dessa forma, discordo em absoluto. Mas com certeza que quem está contra Rui Rio tem o direito de o dizer publicamente e nos órgãos próprios.

André Ventura corre por quem?
Não sei, isso tem de lhe perguntar.

Mas acha que seria dramático para o PSD sofrer um momento de indefinição de liderança antes de 2019?
Isso não vai acontecer. Acho que o dr. Rui Rio está de pedra e cal. E penso que alguns movimentos que se desenham agora são movimentos de desespero, por muitos acharem que não vão continuar a mandar dentro do PSD ou então são jogadas de antecipação para o pós-Rio.  E devo dizer que muitas pessoas, de há uns tempos a esta parte, me têm perguntado se não estaria interessado em, um dia, vir a concorrer à liderança do PSD, imagine.

Estaria?
Qualquer militante com mais de um ano tem essa possibilidade. Não se tem proporcionado, mas o futuro a Deus pertence, vamos ver. Neste momento devemos estar com Rui Rio, ele deve ser um candidato forte e o PSD deve mostrar aquilo que vale, e vale muito. Vamos esperar que os portugueses assim o considerem nas eleições, quer nas europeias, quer nas legislativas.

Admitiria vir a ser candidato a algum dos actos eleitorais de 2019?
Sim, admitiria, depende. Aí tem de haver o acordo de duas pessoas, do candidato e de quem convida, e depois do povo que elege. Mas não é uma coisa que esteja afastada do meu horizonte.

Europeias? Ou legistativas? O que preferia?
(Pausa) Logo se verá. Não queria adiantar muito mais por agora. Mas também acho que essas questões colocam-se em concreto.

Já houve conversas com Rui Rio nesse sentido?
Não, não houve. Nem tinha de haver.

O PSD parece não ter qualquer pressa em indicar o cabeça de lista às europeias. Acha que faz bem?
Depende. Se tiver um cabeça de lista forte que não precisa de ser apresentado antecipadamente, faz bem. Se não, se esse candidato precisa de ganhar popularidade com mais tempo, faz mal.

Que futuro antevê agora para Rui Rio?
Acho que tem um tempo difícil pela frente, porque luta contra uma maioria ilusionista, que tem vivido à boleia de um conjunto de circunstâncias favoráveis que não criou, e sobretudo uma maioria que, sendo heterogénea, - a chamada “geringonça”, que é um conceito que tenho de incorporar nas minhas aulas de Direito Constitucional – é de geometria variável, mutante, caleidoscópica, que apresenta diferentes cores conforme as circunstâncias e a opinião pública. Maioria que tem caído em grandes contradições, como o caso Robles. No momento da verdade, os partidos unem-se porque sabem que a sua sobrevivência depende da continuidade da legislatura, mas depois fingem que estão uns contra os outros, com discursos disparatados, demagógicos, que estão a fazer desacreditar a política por completo. Isso é visível sobretudo no BE, que tem vindo a descer [nas sondagens] por causa desse discurso e em particular por causa do caso Robles.

Se o PSD perder as eleições em 2019, como as sondagens indicam, acha que deve antecipar o congresso para permitir uma recomposição rápida do partido?
Um partido tem de estar sempre preparado para os combates. Se vier a acontecer a derrota, e eu espero que não, dependerá dos termos dessa derrota, depende de muita coisa. Agora, o PSD tem sempre o valor das suas ideias e das pessoas boas que acredito que o dr. Rui Rio vai reunir para apresentar como candidatos às duas eleições nacionais. Ver-se-á. A tarefa de Rui Rio é difícil porque a política está muito desacreditada. E por isso o sistema político está infestado de pessoas sem credibilidade, de pessoas que não têm vida própria e parasitam a vida política. Isso é difícil mudar. Há pouca gente disponível para o serviço público, e pouca gente interessada na reforma do sistema político. Este Governo não fez nenhuma reforma, limitou-se a viver à boleia da conjuntura.

Também é por isso que admite vir a concorrer à liderança do PSD?
As pessoas que me conhecem sabem que eu gosto de missões. Tenho um apelo do interesse público, sem falsas modéstias. Conheço os países de língua portuguesa muito bem, gosto da causa pública, de ser útil aos outros. Gosto da política, e gosto muito de ser do PSD desde os 18 anos.

Foi deputado entre 2009 e 2011. Como foi essa experiência?
Houve coisas boas, conhecer o mundo da política mais de perto, estar na Casa da Democracia, mas também houve coisas negativas.

O que é que o desiludiu?
Dentro do PSD, houve alguns equívocos e algumas intrigas, que não devem ser diferentes de outros partidos. O que senti em geral é pouca liberdade do deputado, um sectarismo incrível - quando as coisas são nossas, são boas; caso contrário, são más - e também um certo sentido de impunidade. As pessoas acham que, por serem políticos, estão acima da lei.

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