O último Star Wars foi afectado por trolls e bots?

O filme Os Últimos Jedi dividiu os fãs. Rian Johnson, o realizador do oitavo episódio da saga, foi um dos alvos do ódio em reacção ao filme. Agora, um estudo afirma que grande parte das críticas geradas tinha motivações políticas.

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Os lucros de Os Últimos Jedi nas bilheteiras ficaram a pouco mais de metade em relação ao filme anterior, realizado por J.J. Abrams Reuters/CHINA STRINGER NETWORK

Um estudo conduzido por um jornalista e investigador da Universidade da Califórnia do Sul, nos EUA, afirma que metade dos comentários negativos feitos no Twitter sobre o último filme da saga Star Wars foram produzidos por “bots, trolls e activistas políticos”, alguns dos quais russos. O autor do estudo, Morten Bay, invoca que em causa pode ter estado a diversidade do elenco do filme, onde algumas das personagens principais foram interpretadas por mulheres e actores negros. 

Star  Wars: Os Últimos Jedi estreou em Dezembro de 2017 e dá continuidade à trilogia que introduziu as personagens de Kylo Ren (Adam Driver) e Rey (Daisy Ridley). O filme conta com as personagens da trilogia original, com Luke Skywalker (Mark Hamill) e a general Leia Organa (Carrie Fisher), que continuam a sua missão contra o Lado Negro da Força, numa “galáxia muito, muito distante”. Os resultados de bilheteira ficaram muito aquém dos recordes conseguidos com o episódio anterior: Star  Wars: O Despertar da Força (2015) arrecadou dois mil milhões de dólares em receitas de bilheteira em todo o mundo, já Os Últimos Jedi ficou pelos 1,3 mil milhões de dólares.

Morten Bay escreve que o “discurso político nas redes sociais é visto por muitas pessoas como sendo polarizado, sarcástico e permeado por falsidades e desinformação”, e que “os operadores políticos têm explorado estes aspectos do discurso com objectivos estratégicos, especialmente durante as eleições presidenciais norte-americanas de 2016”. O investigador parte daí para estabelecer uma ligação em relação aos fracos resultados conquistados pelo último filme da saga Star Wars. Bay afirma que na sua pesquisa encontrou “provas de que a influência política através da manipulação das discussões nas redes sociais não são exclusivas ao debate político, mas estenderam-se também à cultura pop”.

Bay olhou para 1200 publicações feitas no Twitter e dirigidas ao realizador do filme, Rian Johnson, durante os sete meses que se seguiram à estreia.

“No geral, 50,9% dos tweets com comentários negativos tinham como base motivações políticas ou não eram sequer humanos”, escreve Bay. O investigador acredita que as publicações não eram de facto um ataque ao realizador, mas pretendiam funcionar como uma “força de discórdia e disfunção na sociedade norte-americana” e que “querem propagar mensagens que apoiem as causas de extrema-direita e a descriminação de género, cor e sexualidade”.

Recorde-se que duas das actrizes que integram o elenco principal, a protagonista Rey, interpretada por Daisy Ridley, e a actriz Kelly Marie Tran, que deu vida a Rose Tico, suspenderam a sua presença nas redes sociais após serem alvo de críticas e insultos.

Escreve o investigador que a saga Star Wars “sempre teve uma interpretação dúbia” e que os filmes “envolvem frequentemente, subjectivamente, críticas de problemas políticos contemporâneos”. Mais ainda, argumenta que todo franchising da série (incluindo livros, bandas desenhadas, séries televisivas e videojogos) tem “uma constante tendência de transmitir valores associados à esquerda [norte-americana]”. Uma interpretação já confirmada pelo criador da saga, George Lucas. O realizador confessou que quando realizou o primeiro filme do universo Star Wars – Uma Nova Esperança (1977) se inspirou na Guerra do Vietname. “Era o período em que Nixon estava a tentar candidatar-se a um segundo mandato, o que me levou a reflectir sobre como é que as democracias se transformam em ditaduras”, contou o realizador norte-americano ao jornal Chicago Tribune.

“As forças opressivas, técnica e economicamente superiores do Império Galáctico representam o Governo dos Estados Unidos, enquanto as forças sul-vietnamitas, menos avançadas mas resilientes, e a sua vitória improvável inspiraram os heróis da Aliança Rebelde”, conta Bay. As referências à política norte-americana continuam. Durante a administração de George W. Bush, por exemplo, o então Presidente norte-americano deixou um aviso ao resto do mundo depois do 11 de Setembro: “Ou estão connosco ou estão com os terroristas”. A frase que seria dita por Anakin Skywalker (Darth Vader) em Star Wars – A Vingança dos Sith, quatro anos depois.

Para Morten Bay, as reacções ao Os Último Jedi representaram "um microcosmos do discurso político nas redes sociais na Era Trump, uma vez que é possível identificar grupos de extrema-direita que reagiram ao filme invocando valores conservadores, com comentários sexistas, racistas e homofóbicos" contra a representação feminina e étnica, por exemplo.

A análise de Bay olha para o conteúdo publicado e para o nome (e handle ou @), como é exemplo a de @MarcoSo94862885 (uma conta entretanto já apagada), com uma designação de utilizador gerada automaticamente e que continha erros como “Luje” em vez de “Luke” e “Hamil” em vez de Hamill”, o que sugere que não seria um verdadeiro fã da saga, mas um troll russo, argumenta o investigador. Para além de trolls, identificou pelo menos 61 contas que, acredita, têm uma agenda política. É a estas que o investigador dedica maior atenção. “Se não conseguem ver que o Os Último Jedi foi basicamente uma ‘marcha de mulheres no espaço’ então têm uma agenda”, é um dos exemplos destacados entre o tipo de comentários negativos que mais se repetiram.

Episódios anteriores já tinham mulheres fortes

No entanto, importa lembrar que apesar dos argumentos apresentados pelo investigador, os episódios anteriores a Last Jedi já tinham dado destaque à força de personagens femininas. A princesa Leia (Carrie Fisher) é uma das personagens centrais mais corajosas e fortes de toda a saga.

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A princesa Leia surge no primeiro filme da saga: Star Wars – Uma Nova Esperança (1977) REUTERS/HO/Lucasfilm

Também a personagem de Lando Calrissian (interpretada pelo actor afro-americano Billy Dee Williams) já tinha surgido na trilogia original, em Star Wars — O Império Contra-Ataca e Star Wars — Regresso do Jedi.

Por isso, o investigador admite que, a par dos trolls, existem fãs sem quaisquer motivações políticas que não gostaram genuinamente do rumo dado ao último episódio. “É importante referir também que existe um número substancial de fãs que simplesmente achou o filme mau e usou as redes sociais para expressar a sua desilusão”, assume.

Acrescenta por isso que, apesar de o episódio mais recente ser consistente com as posições e valores dos filmes anteriores, “a politização da Era Trump politizou os fãs”.

As críticas ao filme

À data, as críticas ao filme apontaram personagens e cenas desinteressantes, como o confronto entre Finn (John Boyega) e a capitã Phasma (Gwendoline Christie, a actriz que interpreta Brienne em A Guerra dos Tronos). Outra das cenas criticadas pelos fãs acontece quando a general Leia usa a Força para flutuar no espaço. As comparações às personagens do Super-Homem não tardaram. Outros simplesmente não gostaram da história atribuída às personagens, que no caso de Rey e de Phasma dizem ter sido pouco explorada.

E entre as desilusões, nem mesmo Mark Hamill — actor que interpreta Luke Skywalker, o herói da saga original — escondeu a sua. Nas várias entrevistas durante a promoção do filme, Hamill confessou que tinha dito a Johnson que “discordava de tudo” o que tinha sido decidido para a sua personagem, apontando incongruências na evolução de Luke. 

O realizador comentou o estudo no Twitter vincando que a discussão "não é sobre gostar ou não gostar do filme". "Tive imensas conversas online com fãs que gostaram e não gostaram de coisas. A base da relação com os fãs é essa. Este assunto trata sobre o assédio violento e viral online". Johnson irá regressar ao universo Star Wars na realização da próximo trilogia da saga. Já o próximo e último episódio da actual trilogia está a ser preparado por J.J. Abrams e a estreia no grande ecrã está prevista para Dezembro de 2019. 

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