Sismo na Indonésia: "Consegui ajudar outras pessoas, mas não a minha própria família"

A memória do sismo e do tsunami de sexta-feira na Indonésia junta-se ao desespero de sobreviver. Perante a falta de ajuda, os sobreviventes vêem-se obrigados a roubar e a procurar o que comer por entre os destroços. As autoridades estimam que o número de mortos continue a subir à medida que as operações de salvamento avançam.

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Palu IQBAL LUBIS/EPA

Cinco dias depois do sismo com magnitude de 7,5 na escala de Richter, ao qual se seguiu um devastador tsunami, os habitantes da ilha indonésia de Celebes encontram-se no meio de um cenário desesperante, sem acesso a recursos básicos como água e alimentos.

A ajuda humanitária tarda, devido aos danos nas vias, que estão praticamente inutilizáveis, e conflitos começam a eclodir. As operações de resgate continuam, mas a esperança de encontrar sobreviventes é cada vez menor. Esta quarta-feira, as autoridades apontavam para que o número de mortos fosse 1407, temendo que este continuasse a subir.

Na cidade de Palu, onde foi contabilizado o maior número de mortos, os cidadãos batiam palmas e mostravam-se entusiasmados ao verem as carrinhas de ajuda humanitária. Numa dessas carrinhas estava Khairul Rahmil e outros sete voluntários, munidos com água, arroz, azeite, ovos, massa e leite condensado. Depois de oito horas de viagem e 200 quilómetros desde Poso, um dos grandes portos da ilha, foram recebidos em Palu por famílias desesperadas por ajuda, que se empurravam umas às outras enquanto gritavam, o que levou a que a polícia tivesse de intervir, de acordo com o enviado do El País.

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“Estou tão feliz”, disse Heruwanto, de 63 anos, à Associated Press, enquanto se abraçava a uma embalagem de massa instantânea. “Não como há três dias”.

“Trouxemos o suficiente para satisfazer as necessidades de centenas de famílias durante um mês, mas vamos tentar racionar tudo”, disse Rahmil ao jornal espanhol.

Ainda assim, a ajuda continua a ser escassa. De acordo com a Associated Press, também os habitantes de povoações mais pequenas, como a aldeia de Wani, estão a sofrer com falta de alimentos, medicamentos, combustível e abrigo, afirmando não ter ajuda desde que o tsunami assolou a região, na sexta-feira.

“Esta banana é tudo o que temos para comer”, confessou Darjan, que segurava o resto de uma fruta meia-comida.

Os habitantes de Donggala, Sigi e Parigi Muntong estão também a apelar para que não se esqueçam deles: “Preste atenção a Donggala, Sr. Jokowi [Presidente Joko Widodo]. Preste atenção a Donggala”, gritava um residente na televisão local.

Para muitos, a solução é dirigirem-se a Palu, ainda que o cenário seja pouco favorável. De acordo com a BBC e a Associated Press, os sobreviventes vêem-se obrigados a procurar alimentos por entre o entulho e destroços de edifícios: “Fantástico, Indonésia”, gritava um homem de forma sarcástica, enquanto observava uma multidão a vasculhar por comida nas ruínas de um armazém.

“Viemos para Palu porque ouvimos dizer que havia comida”, disse Rehanna, uma estudante de 23 anos, mostrando ao jornalista da Associated Press um pacote de arroz que tinha escondido.

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Depois de dias sem ajuda, Wasliha e a sua família andaram mais de dez horas até ao aeroporto de Palu, onde jornalistas da BBC lhes deram água. “Apenas temos a roupa que temos no corpo”.

Alguns habitantes estão a recorrer ao roubo para sobreviver. De acordo com o The  Telegraph, um comerciante foi acordado na madrugada de 1 de Outubro pelo barulho de assaltantes no seu mini-mercado. “Não o justificando, percebo porque o fizeram. A minha mulher disse-me que só temos comida que chegue para dois dias”, admitiu.

Segundo a directora da organização humanitária Visão Mundial, Sabtarina Dwi Febriyanti, a segurança está a tornar-se uma preocupação, devido ao estado de desespero dos sobreviventes. “As pessoas continuam a roubar as carrinhas da ajuda humanitária. A situação continua a piorar”, disse ao The  Guardian.

Jornalistas da BBC afirmam ter presenciado um grupo de polícias armados a guardar uma loja, que se tornaram violentos perante as insistências da população para entrar. Disparam tiros para o ar, gritaram, lançaram gás lacrimogéneo. Alguns homens atiraram-lhes pedras. Passado uma hora, deixaram os sobreviventes entrar: “É nossa responsabilidade proteger a loja, mas o que podemos fazer quando as pessoas precisam de tanta coisa?”, perguntou o polícia.

Para as 70 mil pessoas sem casa, a sobrevivência junta-se às memórias da tragédia. Joshua Michael, de 24 anos, conta ao Guardian que viu os seus vizinhos “serem enterrados vivos”, devido à liquidificação do solo que se seguiu à catástrofe natural. “As casas foram engolidas pela terra e a lama selou-as no chão”, acrescentou. As que não tiveram o mesmo destino foram movidas metros de distância do seu local e altura original.

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Edi Setiawan contou à Associated Press que ajudou as equipas de resgate na recuperação de corpos e no salvamento de sobreviventes. Nada o tinha preparado para o que iria encontrar, perto da sua casa, em Palu: o pai e a irmã, abraçados, sem vida. “Só consegui chorar”, confessou. “Consegui ajudar outras pessoas, mas não a minha própria família”.

As operações de regaste continuam. Esta quarta-feira, Widodo presenciou a busca por vítimas num hotel, o que, de acordo com a Associated Press, tem frustrado os habitantes, que sentem que alguns bairros estão a ser negligenciados em detrimento dos hotéis.

O hotel Mercure teria 100 pessoas no seu interior no momento da tragédia. O primeiro andar do edifício foi engolido pela terra, e a sua fundação mostra ângulos antinaturais, o que leva os socorristas a acreditar que o imóvel pode desabar sobre eles a qualquer momento. A filha de Martinius Hamaele, que trabalhava no departamento de vendas do hotel, está provavelmente lá dentro: “Penso que hoje seja a última oportunidade de a encontrar”, disse, esta quarta-feira. “Caso contrário, será adicionada ao número de mortos”.

A Indonésia é frequentemente alvo de sismo e erupções vulcânicas devido à sua localização geográfica - fica situada no chamado “Círculo de fogo do Pacífico”, uma cintura de vulcões marcada pelo movimento repetido das placas tectónicas. Em Agosto, um sismo em Lombok matou 505 pessoas.

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