O que esperar do novo livro de Cavaco Silva

Nem só de "geringonça" vive o próximo livro do ex-Presidente, apesar de esse ser um dos capítulos que suscitam mais curiosidade.

De 2011 a 2016 vão cinco anos de distância, o que, em política, é coisa para ser uma eternidade. Em cavaquês equivale a um mandato presidencial (o segundo), pelo menos 11 roteiros (livros sobre iniciativas patrocinadas por Belém) e, agora, um livro de memórias assinado pelo próprio chefe de Estado. A obra vai ser lançada no dia 24 de Outubro, na Gulbenkian, com apresentação de Leonor Beleza, como informou Marques Mendes no último fim-de-semana.

Nesta fase, ainda não se conhece nenhuma revelação do também antigo professor, mas há pelo menos quatro momentos que terei interesse em saber como foram vistos a partir do palácio cor-de-rosa: a demissão de José Sócrates; a crise do irrevogável; a nomeação de Joana Marques Vidal; e a formação da "geringonça". São quatro histórias em 30 capítulos. Podem até não ser as melhores mas, sabendo como Cavaco Silva se documenta, será interessante ler sobre a forma como olhou para os mistérios da política que lhe passaram pela frente e também pelas costas.

Para trás ficaram episódios como o das supostas escutas em Belém, que entrou no primeiro volume das segundas memórias cavaquistas – as outras foram as autobiografias políticas dos seus anos de primeiro-ministro.

Desta vez, os relatos começam em Março de 2011, no meio do turbilhão que foi a demissão de José Sócrates e a chamada da troika. Cavaco Silva, que já foi acusado pelo antigo primeiro-ministro de ter provocado a crise ao incentivar o PSD a chumbar a quarta versão do Programa de Estabilidade e Crescimento (PEC IV), vai explicar agora a sua versão dos acontecimentos que já deram origem a vários livros. Será relevante ler que palavras escolhe o então Presidente para descrever a gestão deste dossier com a Comissão Europeia, o Fundo Monetário Internacional e o Banco Central Europeu. Em Presidente da República no livro de intervenções ‘Roteiros VI’, editado em 2012, o político já dá uma primeira achega. Aí, Sócrates é acusado de “uma falta de lealdade institucional que ficará registada na história da nossa democracia” por não ter dado conhecimento prévio a Belém do já referido PEC. É definitivamente um dos pontos de interesse deste livro.

Assim como a formação do Governo de coligação Passos-Portas, em 2011, ou, mantendo o protagonista, a crise do irrevogável, em 2013. Cavaco Silva foi passar uma noite nas Selvagens (Madeira), longe do epicentro da crise política, como se escreveu na altura, e deu tempo aos partidos para pensarem na hipótese de se comprometerem num governo de salvação nacional. O acordo era difícil e ele sabia-o. "Existem adversários do acordo do compromisso de salvação nacional, os senhores sabem muito bem isso, e que tudo farão para que ele não se concretize e que não irão olhar a meios para que ele não se concretize", disse o chefe de Estado aos jornalistas a partir das Ilhas Selvagens. Tinha razão. Nada de novo aconteceu. Terá dado um passo à frente, no novo livro, ao nomear estes "adversários do acordo"?

Também aguardo, curiosa, os detalhes da nomeação de Joana Marques Vidal, em 2012. Temos ainda muito frescos na memória os avanços e recuos da não recondução da actual procuradora-geral da República em funções. Cavaco Silva, sempre recatado, fez questão de comentar a decisão anunciada por Marcelo Rebelo de Sousa, considerando-a "estranhíssima" –? a mais estranha da "geringonça", aliás. Como foi há seis anos? Que tipo de intervenção terá o chefe de Estado tido (ou não) na escolha? Perguntas há muitas. Para as respostas faltam 20 dias.

Last but not least: que revelações guardou Cavaco Silva sobre a resposta às exigências que fez para dar posse à "geringonça", em 2015? Há três anos, António Costa teve de pôr por escrito três acordos bilaterais (com o BE, com o PCP e com o PEV) para que o Presidente da República empossasse o seu governo minoritário. Na realidade, houve meia dúzia de exigências feitas por Cavaco Silva que, supostamente, terão tido resposta positiva da parte do primeiro-ministro. Mas pouco se sabe sobre as trocas de informações entre os dois na altura. Ricardo Araújo Pereira, na revista Visão, ainda simulou uma carta com as respostas de Costa. Terminava assim: "Creio que estas garantias satisfarão V. Exa. Agora, e como dizia o outro, deixem-me trabalhar." 

Sugerir correcção
Ler 6 comentários