Diabetes: o respeitinho é muito bonito

Tinha 14 anos quando fui diagnosticada com diabetes tipo 1. É uma doença que não se cura, mas vive-se, convive-se e, acima de tudo, aprende-se a respeitá-la.

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Manuel Roberto

Num destes dias folheava uma revista cor-de-rosa e chamou-me à atenção o seguinte título: “Isaac Alfaiate escolheu o nome do cão com base na doença da namorada”. Isto despertou em mim uma curiosidade, pois de todos os nomes de doenças que me passavam pela cabeça nenhuma encaixava num nome de cão. Então decidi ler, e qual não é o meu espanto quando vejo que o nome escolhido é Hypo. E a seguir veio a explicação. A namorada sofre de diabetes tipo 1. Como é confrontada com hipoglicecimas, decidiram que o nome mais adequado para o cão seria simplesmente esse: Hipo, com "y".

A diabetes tipo 1 acontece quando a produção de insulina do pâncreas é insuficiente, necessitando de injecções diárias de insulina para manter a glicose no sangue em valores normais. Há risco de vida se as doses de insulina não forem dadas diariamente. O tipo 1 é mais comum ser diagnosticado em crianças e adolescentes. Eu era uma adolescente. Tinha 14 anos e isto apareceu tipo bomba. Foi a parte negativa da minha história, foi a doença que não se cura, mas vive-se, convive-se e, acima de tudo, aprende-se a respeitá-la.

As "hipos", nome com que se abrevia as hipoglicemias, acontecem quando a taxa de glicose no sangue diminui para valores inferiores aos normais, normalmente causados pelos doentes comerem menos que o habitual ou colocarem doses mais altas de insulina do que realmente o corpo precisa. Esta é também a parte negativa da doença, a parte mais perigosa, apesar de um conjunto de manifestações que acontece previamente: ansiedade, alteração no humor, choro, agressividade, cansaço, sono, confusão, olhar fixo, tremores, dificuldade na fala, dor de cabeça, entre outras. Eu já tive cada um destes sintomas, por duas vezes inclusive já estive quase no fora de jogo da vida. A primeira foi a mais complicada e daí querer explicar-vos como uma "hipo" pode ser tão maldosa, impiedosa e dura.

No último dia das minhas férias, decidi dormir mais que o normal, estava cansada — o dia anterior tinha sido desgastante, não fazia mal nenhum dormir mais cinco minutos. O problema foi que os cinco minutos passaram para mais de uma hora e, quando acordei, lembro-me que a primeira coisa que vi foi a mala do INEM. Não é que eu já as tenha visto muitas vezes, mas tinha noção que era uma mala grande e azul. A seguir vi o médico e depois surgiu a tal pergunta: “Sabes dizer-me o teu nome?”.

Era tudo aquilo que não queria ouvir. De imediato o meu cérebro começou a fazer pequenas colagens do que se tinha passado. Eu estava mal, eu sabia, mas ainda não sabia o quão mal tinha ficado. Tinha todos os dedos picados. Pensei: “Coitados, as tiras que eles não gastaram para verem quanto eu tinha.” Mas é impossível: quando uma "hipo" desce drasticamente, por vezes o medidor da diabetes nem consegue fazer o cálculo. É tudo muito estranho, parece que acordamos num lugar estranho. Parece que o nosso corpo nem é aquele… O querer falar e não conseguir, o querer pedir desculpa pelo que aconteceu e a culpa que nos domina por não ter prevenido isto.

No fim o médico disse que foi um milagre. Talvez vá ser dos poucos que vou ter na vida. Eu ganhei ali a vida, disse-me aquele médico, naquele dia de sol, pois o prognóstico era tão sério e grave que ele próprio pensou que só me tiraria dali em coma. Neste vai-e-vem da consciência/inconsciência, quem partilha connosco a vida aprende também, e muito, a ser o melhor amigo da nossa diabetes. Por isso, Isaac, considero que chamar Hypo a um cão é uma desconsideração tremenda por causa daquilo que a palavra "hipo" significa para mim e para outras tantas pessoas com diabetes tipo 1. 

A minha diabetes não vai desaparecer, tal como a da namorada do Isaac, por mais que surjam comentários insultuosos em pleno século XXI a referir que temos de deixar de comer doces e começar a fazer exercício físico para deixarmos de a ter. É o lado negativo, mas também o positivo, pois aprendi e continuo a aprender muito com ela. Só não lhe conseguia dar o nome a ninguém, porque ela é minha: é a minha "hipo" e a minha "hiper". É o meu dentro e fora de jogo, é a minha carta no baralho certo, é a minha história e muitas das vossas também.

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