Há cada vez mais gente a meditar em grupo. E a pagar para isso

Este domingo, em Lisboa, o festival Wanderlust recebe cerca de 3500 participantes para correr, fazer ioga e meditar. Outras 850 pessoas estão reunidas num retiro de silêncio no Alentejo. O que os atrai?

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Nuno Ferreira Santos

Chegam a ser centenas (e por vezes milhares) as pessoas que acorrem a eventos em que se prometem horas de meditação, relaxamento e paz interior. Podem durar um dia ou uma semana e, diz quem está envolvido na organização destas reuniões e retiros em Portugal, há cada vez mais gente interessada.

Logo na primeira edição, no ano passado, a organização do Wanderlust, um festival com um “triatlo” de corrida, ioga e meditação que acontece este domingo, em Lisboa, viu-se a braços com uma afluência superior à estimada. “Esperávamos 1500 pessoas e tivemos 2250”, recorda Nuno da Silva Carvalho, responsável pelo evento. Nesta edição contam com 3500 participantes. E é possível traçar-lhes o perfil: no ano passado, 89% eram mulheres, tinham em média 33 anos, curso superior e um “elevado nível de rendimento”, de acordo com a organização. Por exemplo, este ano, os primeiros bilhetes a esgotar foram os mais caros (82,50 euros). 

Também este domingo, cerca de 850 pessoas participam num retiro de silêncio no Zmar, um eco resort  em Odemira. Sri Mooji, um guru inspirado pela filosofia hindu, é o motivo da afluência de pessoas de mais de 50 nacionalidades. O jamaicano vive há oito anos em Portugal, organizando retiros e encontros uma ou duas vezes por ano. Num evento em Fevereiro, em Lisboa, atraiu 1500 pessoas. É também ao seu nome que está associado “um centro de retiros”, o chamado Monte Sahaja, em São Martinho da Amoreiras, Odemira, onde vivem regularmente 40 a 60 pessoas, diz Shree Montenegro, directora-geral da Fundação Mooji.

Um dos momentos altos destes encontros são os chamados satsang, em que os participantes se reúnem com o mestre e pedem-lhe conselhos. “Há pessoas que chegam a um ponto na vida em que procuram algum significado e as grandes respostas sobre a vida e a paz interior”, explica Shree Montenegro. Algumas pessoas colocam perguntas, as restantes ouvem. “É ‘comida’ que se pode engolir e digerir”, compara Montenegro, referindo-se à forma clara, simples e com humor com que Mooji fala. “Não é algo esotérico e que não se entenda."

Esta tendência é, “sem dúvida, uma resposta aos tempos acelerados e fragmentados em que vivemos”, diz a socióloga Maria Rosário Tomás Rosa. "Práticas, como a meditação e o ioga, que as pessoas podem fazer sozinhas, nos seus tempos livres, acabam por ser âncoras de equilíbrio." Mas não só. Há outras justificações para o sucesso destas práticas: viajar e conhecer mais, um maior questionamento da medicina ocidental, e podem ser também resultado de uma “quase pressão para sermos e parecermos saudáveis”, enumera a investigadora no Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa, cuja tese de doutoramento (de 2013) em Sociologia da Saúde investiga práticas de terapias alternativas.

Entre aqueles que praticam a meditação com mais frequência, a motivação associa-se também à identificação com uma filosofia de vida. Faz com que, muitas vezes, se construam estilos de vidas diferentes, resultado de “uma pluralidade de referências, de conhecimentos e experiências”, sustenta a socióloga. Os retiros, encontros e feiras alternativas demonstram isso mesmo.

Uma tendência que é um negócio

Nada disto é alheio às lógicas de consumo. E tem um preço. Segundo o site da Fundação Mooji, o retiro que dura sete dias custa entre 600 e mil euros. O satsang tem um preço fixo para os sete dias: 375 euros. O que varia é o alojamento. É mais barato para quem leva ou aluga tenda (238 e 280 euros, respectivamente). Mais caro para quem quer ficar num quarto privado com casa de banho (693 euros). Também é possível assistir a partir de casa, por 145 euros. “Há bolsas para quem não consegue pagar”, assegura Shree Montenegro.

“É uma trend [tendência] e tudo o que é bom torna-se negócio”, constata Nuno da Silva Carvalho. A experiência completa do Wanderlust custa 82,50 euros e o espaço acolhe diversas marcas – da alimentação à beleza passando pela roupa e os carros eléctricos, por exemplo –, que publicitam uma vida saudável. Ainda que o organizador não conheça concorrência em Portugal, esta “é inevitável”. Nos EUA, onde o festival surgiu em 2009, já há mais de 20 festivais de ioga, diz.

O factor “moda” pode, no entanto, trazer riscos e até desvirtuar a filosofia original daquilo que se está a praticar, alerta Beatriz Katchi, dirigente da Associação Yoga Integral de Portugal, que forma professores de ioga. Também ela mestre de ioga, praticante há mais de 40 anos, acredita que, cada vez mais, há o risco de as técnicas serem dadas por pessoas sem formação adequada. “Agora qualquer baiuca tem aulas de ioga”, critica.

A escola que dirige, em Lisboa, é procurada tanto por futuros professores, como por quem quer aprofundar conhecimentos para a prática individual. A formação completa demora dois anos – há a hipótese de fazer em apenas um – com aulas dois dias por mês. Há avaliação escrita e prática e as turmas são pequenas. “A equipa trabalha muito de perto com as pessoas para que se sintam seguras no que vão depois ensinar”, esclarece Beatriz Katchi. No seu ponto de vista, “as coisas em massa não funcionam tão bem”.

É diferente dar-se uma aula para dezenas, até centenas, de pessoas? “Absolutamente. A formação que se dá em cima de um palco pode ser entendida de várias formas pelas pessoas que lá estão, consoante os seus conhecimentos anteriores ou a falta deles. E não é possível corrigir os movimentos. Isso é um grande risco”, responde.

Vítor Bertocchini, psicólogo e presidente da Sociedade Portuguesa de Meditação e Bem-Estar (SPM) — que funciona como uma plataforma internacional de instrutores —, explica que há alguns elementos que quem quer fazer meditação ou mindfulness deve ter em conta. “Procurar professores com experiência” e que investem na formação profissional, aconselha.

No mindfulness, diz o responsável da SPM, há “guidelines internacionais” para o seu ensino. No caso da meditação é que “não existe nada que a regule”. Aí a confiança será baseada na experiência. "Ainda existem pessoas, a quem a vida não corre muito bem e que procuram os 'gurus'." A proposta da SPM é baseada em "conhecimento científico". "São formas diferentes de subir a montanha", conclui. 

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