O manga não é só para os jovens — e por isso há cada vez mais livros para idosos

O aumento do número de japoneses com mais de 65 anos obrigou a indústria do manga a adaptar-se. Há cada vez mais histórias com personagens idosas e alguns títulos são um sucesso de vendas.

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PAULO PIMENTA/ Arquivo

A população cada vez mais idosa do Japão está a mudar o manga (a típica banda desenhada de estilo japonês — lê-se mangá), dando origem a um novo género onde as personagens mais velhas são protagonistas e não meros coadjuvantes: fazem descobertas, arranjam amigos e, por vezes têm sexo escaldante. E estes novos mangas já são líderes de vendas.

O crescimento da procura por histórias focadas em pessoas acompanhou o crescimento do seu público-alvo: 27,7% dos japoneses tem mais de 65 anos, quando há dez anos a percentagem era de apenas 21,5.

Encontram-se leitores em todos os espectros da sociedade, dizem as editoras, desde reformados que procuram enredos com os quais se identificam, a leitores mais novos que vêem a sua nação envelhecer e se preocupam com os seus anos de velhice.

“Os problemas sociais e as preocupações são diferentes de quando se tem uma sociedade centrada nos jovens, e o manga que mostra a realidade de uma sociedade envelhecida é muito procurado por leitores e escritores”, disse Kaoru Endo, um professor de sociologia na Universidade Gakushuin, em Tóquio.

O manga, tanto em formato impresso como em digital, arrecadou 3,81 mil milhões de dólares em 2017. Está presente no dia-a-dia, e podemos encontrá-lo em todo o lado, desde o metro a cafés e salas de espera.

O crescimento da popularidade destes títulos é recente. Oito dos onze trabalhos mais famosos dentro deste género começaram as suas publicações em 2014. Os outros três começaram a ser publicados em 2017 e 2018.

“A geração acima dos 60 anos – e foi na sua juventude que o manga ganhou fama – ama manga desde que eram miúdos”, disse Endo.

Yuki Ozawa, ilustradora do manga Sanju  Mariko, sobre uma viúva de 80 anos que foge da sua casa sobrelotada para viver sozinha e escrever, pensa que o apelo do escapismo também tem um papel importante no fenómeno.

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Yuki Ozawa, autora da manga Sanju Mariko REUTERS/Kim Kyung-Hoon

“Quando vemos notícias sobre o envelhecimento, são sempre sobre assuntos sérios e negativos. As pessoas ficam ansiosas”, disse à Reuters.

“Existem também muitas pessoas que estão solteiras, que provavelmente nunca irão casar e viverão sempre sozinhas, e quando se sentem em baixo lêem Mariko e sentem-se como se tivessem visto um raio de luz”, disse.

Desde que o manga nasceu, há cerca de 50 anos, que nasceram obras sobre quase todos os assuntos. Existem mangas sobre o terramoto e tsunami de 2011 e sobre o acidente nuclear de Fukushima, por exemplo.

As personagens mais velhas, porém, tinham papéis secundários: uma avó querida, alguém a precisar de cuidados, um sábio respeitável. E o manga que tinha como personagens principais pessoas de idade, como uma série dos anos 1990 sobre uma banda de heavy metal já de idade, nem sempre os tratou como pessoas normais.

“Os idosos estavam presentes, mas sempre como um elemento surpresa. Podia ser um velhote muito inteligente ou um super-herói estranho”, disse Natsuki Nagata, um professor assistente de sociologia na Hyogo University of Teacher Education, na cidade de Kobe. “Era como se fossem de outra espécie.”

Mas exemplos recentes, como o manga de Kaori Tsurutani Metamorphoze no Engawa, deram-lhes um ar mais humano.

Neste manga, um viúvo septuagenário e uma adolescente nerd criam laços de amizade através de mensagens de texto, idas ao café e eventos para fãs de manga. A Mariko de Ozawa pode ter 80 anos, mas a solidão que a obriga a sair de casa é universal.

As personagens estão “a ser ilustradas de uma forma mais próxima da realidade”, disse Tsurutani, de 36 anos, que usa memórias da sua falecida avó como inspiração para o seu trabalho.

Tema desafiante

Alguns mangas do género utilizam pura fantasia para atrair leitores ao mesmo tempo que abordam problemas da realidade dos idosos.

Uma série protagoniza um casal septuagenário que vai ser pai; outra tem uma mulher de idade que troca de corpo com uma adolescente.

“Certamente que existem muitos problemas sociais que envolvem os idosos e são muito sérios”, disse Ozawa, cuja Mariko não tem problemas de saúde e tem um rendimento estável – incomum mesmo numa sociedade com seniores activos. “Mas escrever apenas sobre esses temas significa que os leitores apenas iriam dar atenção a isso e tal seria deprimente.”

O ilustrador Kenshi Hirokane criou uma série, Kosaku Shima, com um protagonista idoso em 1983. Centra-se na história de um empresário e mostra a ascensão do herói desde chefe de secção a presidente da sua empresa de electrónica, e que envelhece realisticamente ao longo dos anos.

Hirokane publicou também, em 1995, um dos primeiros mangas centrados em idosos. Like Shooting Stars in the Twilight é um drama sobre a vida e paixões de pessoas mais velhas, que também inclui cenas de sexo escaldante.

“Eu queria escrever sobre homens e mulheres normais a ter paixões normais”, disse Hirokane, de 71 anos. “Os leitores querem ler sobre tópicos que lhes são familiares.”

“Existem muitas pessoas que, à medida que envelhecem, perdem os seus sonhos e esperanças, pensam que não há mais nada que possam fazer. Isso não é verdade – ainda podem apaixonar-se, fazer muitas outras coisas”, disse à Reuters, no seu estúdio em Tóquio.

A procura

Rikiya Kurimata, uma vendedora da Tsutaya, uma das maiores cadeias de livrarias do Japão, diz que o género atravessa gerações e géneros. Recentemente, têm pedido “manga para pessoas mais velhas” e títulos específicos.

“Acho que esta moda não vai só continuar como também vai crescer. A procura ainda é maior que a oferta”, disse Kurimata. “Ainda não temos uma secção dedicada ao género, mas se continuar assim, teremos de criar uma.”

Foram vendidas meio milhão de cópias da Sanju Mariko, em formato papel e digital, desde a sua publicação em 2016. O primeiro volume de Tsurutani já teve mais cinco edições desde Maio.

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REUTERS/Yuriko Nakao

Atsuko Ito, 66 anos e camponesa do norte do Japão, diz que gostou da série de Hirokane porque realçava os altos e baixos da vida.

“É como se a própria vida estivesse ali desenhada, com situações que todos experienciámos – e outras que não – que me fez identificar”, acrescentou. “Depois, por vezes, quando uma das personagens principais toma uma decisão, eu penso 'Eu também posso fazer isso', e dá-me coragem para enfrentar a vida.”

O segredo para o sucesso do género é o sentido de humanidade, disse Endo. “O que o manga diz é que no interior, somos todos iguais — e ensina aos jovens a não ter medo de envelhecer nem ter medo dos mais velhos”, disse. “Todos nós sentimos o mesmo, velhos ou novos.”

Tradução de Ana Silva