Vila Nova de Gaia tem dois novos murais — e a água liga-os

O centro histórico de Vila Nova de Gaia ganhou por estes dias dois novos murais em homenagem à água da autoria de Von Calhau! e Rigo 23. Uma iniciativa da exposição Não é ainda o mar que se realiza no âmbito do festival Gaia Todo um Mundo.

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Rigo23 Nelson Garrido
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Von Calhau! Nelson Garrido
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Von Calhau! Nelson Garrido
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Von Calhau! Nelson Garrido
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Von Calhau! Nelson Garrido
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Von Calhau! Nelson Garrido
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Von Calhau! Nelson Garrido

É preciso desbravar as ruelas do centro histórico de Vila Nova de Gaia para chegar à Rua das Azenhas. Aí, numa zona alta e isolada, encontra-se um edifício abandonado que em tempos foi uma creche. Praticamente em ruínas, serve agora de tela a um mural dos Von Calhau!, que assim responderam a um convite do fórum Gaia Todo um Mundo. “Já está acabado?”, pergunta um grupo de pessoas que anda de mapa na mão a percorrer o roteiro do festival. “Está sim”, responde, divertido, um dos autores, perante o olhar confuso de quem o interpela. É que, à primeira vista, não existem desenhos, não existe mural. 

Expliquemos. Quando Marta Ângela e João Alves, a dupla de artistas que forma os Von Calhau!, chegaram ao local, repararam que parte das paredes tinha uma cor diferente —  uma tinta cinzenta escondia os grafitos que outrora ali estavam. Assim, à volta da correcção, decidiram desenhar uma moldura. “Quisemos destacar a pintura que apagou o graffiti para demonstrar a intermitência do lugar: por um lado foram apagados, por outro ainda existem vestígios da sua existência”, diz João, explicando que este é um dos dois momentos do mural.

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Mural dos Von Calhau!. Nelson Garrido

O outro é indicado por uma seta com a inscrição Vi eurs, que, percebemos depois, é uma referência a um outro sinal que já ficou para trás (aquele que em tempos encaminhava, em francês, visitantes — visiteurs — para as caves de Vinho do Porto). "A seta simboliza a passagem do exterior para o interior", explicam os artistas, convidando-nos a olhar pelo buraco indicado pela sinalização. Obedecemos e vemos a mesma imagem a repetir-se numa série de ruínas. Uma cara vermelha que nos entreolha. “São os únicos habitantes do local”, revelam os criadores. O que podem parecer máscaras tribais são, afinal, representações dos pequenos insectos vermelhos e pretos que ali existem em abundância (conhecidos, em inglês, como firebugs). “Não quisemos ser evasivos, tentamos escutar o espaço e dialogar com ele.”

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Adaptação da seta ao mural de Von Calhau!. Nelson Garrido
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A seta original, na Rua Serpa Pinto, que dá acesso à Rua das Azenhas onde está o mural Nelson Garrido

Um tema, duas perspectivas

A obra dos Von Calhau! é um dos três murais que, à semelhança do ano passado, vão nascer à boleia do festival internacional Gaia todo um Mundo, que decorre de 27 a 30 de Setembro, no centro histórico da cidade, dividindo-se em várias actividades artísticas, como o cinema, a música, a gastronomia e as artes performativas e visuais. Nestas últimas, o tema central é a água. Um verso de Eugénio de Andrade dá o nome à mostra que leva várias intervenções a diversos pontos da cidade: Não é ainda o mar. “A exposição está dividida em vários núcleos, como pequenas ilhas de cada arquipélago, que são cosidas através de uma ideia comum”, explica o curador Óscar Faria. 

A água não está directamente representada na obra dos Von Calhau!, mas no local escuta-se um ribeiro que passa ali perto junto a uns lavadouros. “Para quê falar de uma coisa que já está evidente?”, perguntam, retóricos, os artistas, defendendo que a melhor maneira de abordar o tema seria “valorizar o espaço que em si já tem água”. 

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A vista do buraco do mural dos Von Calhau! Nelson Garrido

Perspectiva diferente tem Rigo 23, o autor do outro mural, onde a palavra “água” está bem visível, lendo-se do outro lado do rio. “Do Porto vêem-se os arcos do aqueduto e a palavra água por baixo”, começa por dizer o conceituado artista português radicado nos EUA. Numa cidade à beira-rio, com ruas preenchidas por riachos e fontes, a “homenagem que faltava" era nomeá-la. “Não é só o rio e a chuva frequente, é uma alegria enorme ver a água a correr dentro da cidade”, diz o artista, comparando Portugal com os Estados Unidos, “onde a água está toda escondida em tubos e canos”. Mas, se uma parte do mural é visível ao longe, para ver a outra é preciso passar pela Rua da Barroca. Aí, três símbolos evidenciam a importância do elemento: um cérebro, um coração e o planeta Terra acompanhados pelas respectivas percentagens de água que contêm: 80, 75 e 81%.

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O mural de Rigo 23 na exposição "Não é ainda o mar". Nelson Garrido

Por ali, são poucos os que passam: alguns turistas de mapa na mão que procuram situar-se e muitos jovens que saem da escola básica. São estes últimos que prestam mais atenção ao mural, para regozijo do artista. “Vivemos uma fase complicada em termos civilizacionais, com aumento de nacionalismos e extremismos, e é importante que, sobretudo os jovens, pensem no planeta como a casa de todos nós e que percebam que a água é uma coisa tão fixe." O artista de 52 anos defende que a arte pública deve procurar a integração na comunidade, principalmente interagindo com a população. “Quando alguém da terra nos oferece qualquer coisa é como receber uma medalha.” E Gaia já atribuiu uma medalha a Rigo 23, sob a forma de um copo de uísque oferecido por uma funcionária de uma pizzaria das redondezas. “Foi o derradeiro reconhecimento”, diz, entre risos.

Um tema em comum mas com perspectivas díspares. “As abordagens são bem diferentes e demonstram como a arte pode ser flexível”, diz Óscar Faria. Fica a faltar um mural, da autoria de Fernando Brito, que irá transpor barcos de papel para a parede do Sport Club do Porto. Mais detalhes só a partir da próxima segunda-feira, 1 de Outubro, altura em que irá começar a ser pintado.

Quando o festival acabar, os murais vão permanecer Rigo 23 assume que “é uma responsabilidade”, enquanto os Von Calhau! afirmam que pode ser "uma oportunidade". "Esperemos que fiquem por muito tempo", diz Óscar Faria, frisando a importância de existir uma reflexão sobre o tipo de arte que se produz no espaço público. “Só faz sentido se estiver em sintonia com a população local.”

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