O nome Preto Zezé é uma forma de pôr o "preto" fora do estigma

Tácticas para desarmadilhar o racismo do candidato a deputado estadual do Ceará.

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Preto Zezé não é o seu nome verdadeiro, porque escolheu apresentar-se assim?

Porquê Preto Zezé? O racismo no Brasil constituiu-se de forma diferente do da América do Norte. Enquanto Lincoln assinou a abolição e garantiu terra para os negros nos EUA, aqui os negros foram despejados, soltos na rua. E entre as coisas que se fizeram para controlar a maioria negra foi criar a ideia de que o racismo só existia nos EUA. Aqui é preconceito. Mantêm-se as pessoas invisíveis. No Ceará, a estratégia de dominação racista foi negar, simplesmente dizer que não existem negros. Isso criou a ideia de que os negros não sofrem racismo, discriminação, não precisam de quotas, não há necessidade de política específica para negros - pois se não existem negros aqui. Se estamos a enfrentar dificuldades existindo, imagina a gente num lugar em que não existe. É muito doido.

Como é que se fura essa invisibilidade? Aí vem a história de como se enfrentam as questões raciais. Eu era muito dado a Malcom X, se batia eu dava porrada de volta. Depois eu fiquei um pouco Martin Luther King. E depois eu virei um pouco mistura dos dois, o que é uma forma de fazer as pessoas reflectirem que foi uma atitude racista mas sem as matar. Não quero punir todo o mundo, acho que isso não vai resolver. Mas é necessário mudar a mentalidade das pessoas. No Ceará temos sentido de humor. O que é que eu pensei: se eu for brigar todo o dia por causa do racismo, eu não tenho vida. No lance racista, a chave é identificar o que é racismo e não assustar a pessoa, trazê-la para a reflexão, não assustá-la ou reprimi-la. Vou dar um exemplo.

Morava com um amigo, que era um pretinho - isso só tem no Brasil, a pessoa discute se o preto é preto, se é moreno, se é marrom. Ninguém discute se é branco gelo, branco-neve, mas com preto discute. Ele era um tonzinho meia-noite e eu sou tipo 6h, né. A gente fazendo compras num supermercado, e era num bairro rico, Aldeota, a gente estava até com os carrinhos cheios, estava de bermudas e ténis, ele estava de camisa regata, e sandálias, e tal. De repente vem uma mulher, "Ó", nem pergunta nosso nome, "onde é que é a secção de limpeza?" O meu amigo parou nos anos 1990, quer sempre é dar porrada, quer brigar, eu sabendo disso, segurei ele, e disse: "Minha senhora, eu e o meu sócio, a gente acabou de comprar essa loja do Pão de Açúcar e a gente não sabe ainda, mas vou chamar o meu funcionário para atender". Ela ficou uma hora atrás de nós a desculpar-se.

O nome Preto Zezé é uma forma de colocar o "preto" fora do estigma, daquela coisa drástica. Mas é difícil: às vezes um jornalista liga, e diz 'queria falar com o senhor Pedro". Eu digo tá errado, e desligo. Daí volta passado um minuto, o mesmo número. Diga lá. É preto, preto. Mas a pessoa não queria dizer isso, porque na sua cabeça é uma coisa negativa. Você vai desconstruindo aos poucos, daqui a pouco Preto Zezé mais aquela coisa negativa, vira um nome próprio. Esse entendimento só virá se você entender a construção racista do nome. Essa é a estratégia que uso muito aqui em Fortaleza. Às vezes até me dizem "você não é preto não".

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