Só a partir dos 75 anos é que as pessoas deviam ser consideradas idosas

Os idosos do futuro vão ser diferentes, mais instruídos e saudáveis, antecipa a autora do ensaio Envelhecimento e políticas de saúde. Os portugueses têm que começar a preparar-se para a velhice aos 45, 50 anos, como acontece noutros países europeus.

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Nelson Garrido

Em Portugal, o sexto país mais envelhecido do mundo, que vive uma recessão populacional só comparável à observada nos anos 60 do século passado, é possível olhar para o fenómeno do envelhecimento demográfico com uma perspectiva não pessimista. “Será o envelhecimento da população um verdadeiro problema?”, começa por perguntar Teresa Rodrigues, docente no Departamento de Estudos Políticos da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, no ensaio Envelhecimento e Políticas de Saúde, que a Fundação Francisco Manuel dos Santos lançou esta semana.

A resposta é: não necessariamente. Porquê? Porque os idosos do futuro serão diferentes dos de hoje e terão melhores condições de saúde, antecipa a especialista, que é também coordenadora da linha de investigação “Prospectiva e Planeamento Estratégico”, do Instituto Português de Relações Internacionais. Teresa Rodrigues lembra que o acelerado declínio populacional em curso decorre também em parte de um fenómeno muito positivo — Portugal é hoje o “oitavo país do mundo com maior esperança de vida à nascença”.

Mas se as consequências do envelhecimento demográfico “não têm necessariamente de ser negativas” a nível económico e social, exigem “planeamento e uma mudança de paradigma”, avisa. No ensaio em que traça o diagnóstico da situação, enumerando uma série de dados que ajudam a perspectivar o futuro, a investigadora enfatiza que é preciso ler o presente “com os olhos no futuro”.

Os dados indicam que Portugal é um dos dez países do mundo que mais perderam população desde 2010 e que o número de pessoas em idade potencial de saída do mercado de trabalho não é compensado há mais de oito anos. Mais: cada mulher tem hoje, em média, metade dos filhos que tinha há três décadas e, se as projecções se confirmarem, em 2030 seremos tantos quantos éramos em 1960. 

Mas Teresa Rodrigues não embarca em discursos alarmistas. “Seremos menos, mais velhos, mais instruídos e mais saudáveis”, sintetiza a investigadora, que acredita que os idosos do futuro poderão necessitar de menos cuidados de saúde nos últimos anos de vida e que o aumento dos níveis de instrução poderá resolver em parte o tão temido aumento da pressão sobre os sistemas de protecção social.

Ninguém quer ir para um lar

Há também que mudar as percepções prevalecentes na nossa sociedade sobre o que é ser idoso e saber aproveitar esta janela de oportunidades, maximizando o que designa como o “soft power” dos idosos, uma população com um valor económico e social que deve ser explorado e que representa “um nicho de mercado em expansão”.

Tendo em conta o aumento da esperança de vida, sugere a distinção entre “idosos juniores” (dos 65 aos 74 anos) e “idosos seniores” (a partir dos 75 anos) e sugere até que apenas estes últimos sejam considerados idosos — “talvez seja mais realista considerar idosos os indivíduos com mais de 75 anos e já não os de 65 anos!” —, ao mesmo tempo que insiste nas vantagens de uma atitude preventiva e proactiva num país onde o tema da saúde tem sido olhado de forma essencialmente profiláctica e de resposta “a pressões e urgências”.

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Aumentar

Minimizar o impacto do envelhecimento demográfico exige, porém, um planeamento atempado. Portugal vai ter de se adaptar a uma população mais escassa e mais dependente, uma tarefa que não pode ser delegada apenas nos responsáveis políticos, mas que é de todos os cidadãos, sustenta a especialista.

Num contexto em que as famílias são cada vez menores e a solidariedade entre gerações “mais frágil”, estarão os portugueses a preparar-se atempadamente para esta fase da sua vida? Teresa Rodrigues evoca a perplexidade que a quase unânime rejeição da ida para lares de idosos, nos países do Sul da Europa, suscitou a um especialista belga de um projecto internacional em que participou. “Ele achava que era completamente mórbida esta coisa de os idosos italianos, espanhóis e portugueses adorarem viver com a família, quererem ir para casa dos filhos e não serem institucionalizados”, conta. Em vários países europeus, as pessoas começam a inscrever-se nestas instituições aos 45, 50 anos e depois ficam em lista de espera, lembrou então o especialista belga.

“O problema em Portugal é que ninguém quer ir para um lar”, diz a investigadora, que admite, porém, que uma das explicações para este fenómeno reside no facto de os lares de idosos estarem “muito mal conotados” entre nós. “Existem algumas instituições muito boas, mas apenas uma minoria muito minoritária consegue aceder” a estas estruturas, devido aos elevados valores cobrados, lamenta.

Mas os lares e as residências para idosos não são a única alternativa, nota. “Há outro fenómeno muito interessante”, sobretudo nos Estados Unidos e em alguns países europeus, que é o de “vários amigos se juntarem, venderem as suas casas e comprarem outras numa espécie de condomínios onde passam a viver juntos, partilhando espaços comuns, como jardins e piscinas”, exemplifica. 

Mais cuidados domiciliários

Quanto ao sistema de saúde que temos e o que gostaríamos e precisamos de ter nas próximas décadas, insiste que é preciso pensar “numa óptica integrada”. Os serviços e os profissionais devem ter em conta as características do idoso do futuro e ser suficientemente flexíveis para garantir cuidados de acordo com diferentes perfis, até porque o processo de envelhecimento não está a acontecer de forma uniforme no país.

O que é preciso mudar, então? A prioridade não passa tanto pela edificação de novas unidades de reabilitação, mas sim pelo desenvolvimento das estruturas já existentes (nomeadamente nos centros de saúde, através das suas equipas domiciliárias), advoga.

O que é necessário também é passar de uma lógica de quantidade de vida para uma lógica de qualidade de vida: “Estamos a viver mais anos, o que é bom, mas não é igual a viver melhor.” O grande objectivo é, pois, o de se conseguir “alinhar o aumento da esperança de vida com o aumento do período de vida saudável”.

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