Em Portugal, a confiança no jornalismo tem contradições

Estudo coloca o país no topo da tabela onde mais se confia nas notícias. Mas muitas pessoas dizem encontrar erros e cobertura tendenciosa.

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A redacção do PÚBLICO no Porto Joana Goncalves

Numa era de fake news, Portugal parece ser um país de contradições no que toca à confiança no jornalismo.

Os consumidores de notícias em Portugal são dos que mais confiam no que é publicado. Mas também dizem encontrar jornalismo de má qualidade, com erros, tendencioso e mesmo notícias falsas. Além disso, as marcas de informação que oferecem menos confiança estão entre as que são mais consumidas. E as notícias que aparecem nas redes sociais suscitam dúvidas a muitas pessoas.

O retrato é traçado no Digital News Report, um relatório anual sobre o sector, feito pelo Instituto Reuters para o Estudo do Jornalismo, que funciona na Universidade de Oxford. O estudo abarca 37 países (na Europa, Américas e Ásia) e foi publicado há alguns meses. Esta quinta-feira, em Lisboa, foram apresentadas conclusões detalhadas sobre Portugal, obtidas a partir de um inquérito online feito a 2008 pessoas.

“A confiança face às notícias é estruturalmente alta em Portugal e estará, em grande medida, relacionada com a baixa polarização política dos portugueses”, consideram os investigadores responsáveis pelo capítulo português, Gustavo Cardoso, Miguel Paisana e Ana Pinto-Martinho. “A desconfiança está associada genericamente à percepção do público quanto à existência de outras agendas editoriais que não as associadas ao trabalho jornalístico.”

Em Portugal, 62% dos inquiridos disseram confiar nas notícias “a maior parte das vezes”, colocando o país no topo da tabela, a par da Finlândia (no ano passado, eram 58%). Porém, foram menos de metade (48%) os que assumiram confiar em notícias nos motores de busca e apenas 29% os que afirmaram confiar nas notícias das redes sociais (onde muitos dos conteúdos de jornalismo são de marcas estabelecidas).

Um número significativo de utilizadores disse também ter encontrado jornalismo de má qualidade na semana anterior à do inquérito. Perto de 49% afirmaram terem encontrado casos de erros factuais, cobertura simplista e títulos enganadores, incluindo títulos criados para atrair cliques. Já 42% queixaram-se de terem sido enganados por anúncios disfarçados de notícias e 38% consideraram que os factos tinham sido “manipulados para servir uma agenda específica.” Por fim, 19% acreditam ter visto notícias “completamente falsificadas” para fins políticos ou comerciais.

A RTP lidera a tabela das marcas de informação em que os consumidores mais confiam, seguida do Expresso e do PÚBLICO. No final da lista estão o portal Sapo, a TVI e o Correio da Manhã, uma marca que, como nota o relatório, é das mais consumidas em Portugal (é o jornal mais vendido do país e um dos sites informativos mais visitados). “O título de imprensa escrita mais consumido é, simultaneamente, aquele em que os inquiridos menos confiam. Há, assim, um panorama geral revelador de tendências contraditórias entre as percepções e práticas relativamente a algumas marcas de notícias”, escreve o trio de investigadores. “Os portugueses podem consumir notícias, ter confiança genérica nelas e, simultaneamente, ter opinião negativa face às marcas que as divulgam.”

Quase na cauda dos pagamentos

Como é tradição nestes estudos do Instituto Reuters, Portugal surge no grupo de países onde menos se paga por jornalismo online. Apenas 9% dos inquiridos tinham feito algum tipo de compra ou assinatura de notícias digitais, colocando o país em 24.º lugar desta tabela.

O negócio dos media assenta tradicionalmente na publicidade. No entanto, o preço reduzido dos anúncios online levou a que muitos meios de comunicação tenham criado modelos de assinatura (ou, em alguns casos, de donativos) para rentabilizarem as suas plataformas digitais, num modelo cujo sucesso não é generalizado.

Os nórdicos lideram a lista dos países com mais utilizadores pagantes: a Noruega e a Suécia não apenas ocupam as duas posições cimeiras, mas também registaram os maiores aumentos em relação a 2017.

“É muito claro que o modelo de assinatura não vai funcionar em cada um dos países”, observou o investigador Richard Fletcher, do Instituto Reuters, durante a apresentação em Lisboa. Mesmo nos países onde as assinaturas podem ter sucesso, “não vai funcionar para toda a gente”, acrescentou.

Portugal é cronicamente um país com hábitos de compras online abaixo da média europeia, o que se pode estender à compra de informação. Uma outra razão para que os consumidores tenham reticências em pagar é o desconhecimento face ao estado económico do sector.

Gustavo Cardoso notou que muitos consumidores não estão a par das dificuldades de negócio por que passam as empresas de media desde que os hábitos de consumo se tornaram mais digitais. “Quando perguntamos sobre a saúde do sector, as pessoas acham que está tudo às mil maravilhas. Conhecem as marcas, mas não percebem nada do que está a acontecer no sector. É como se fosse um universo paralelo.”

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