Desmotivação dos profissionais de saúde reflecte-se nos níveis de absentismo

Em entrevista à Lusa, o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares, Alexandre Lourenço, diz que há uma "grande conflitualidade profissional" nos hospitais. Também defende que os utentes e profissionais de saúde devem ser ouvidos sobre a gestão hospitalar.

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Rui Gaudencio

O absentismo na saúde tem registado valores "muito anómalos" para o próprio sector, afirma o presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares (APAH), Alexandre Lourenço, considerando que este número não seria tão elevado se os profissionais estivessem motivados.

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Alexandre Lourenço, presidente da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares

Outro problema que está a afectar o sector é a "grande conflitualidade profissional" que se está a viver nos hospitais, suscitada pelas greves, por "algum mal-estar" e por "alguma animosidade perante a acção governativa", disse o presidente da APAH, em entrevista à agência Lusa, a propósito do 27.º congresso da Associação Europeia dos Administradores Hospitalares, no Centro de Congresso do Estoril, em Cascais, que decorre entre quarta e sexta-feira.

Para o responsável, a desmotivação dos profissionais reflecte-se no nível de absentismo que "está praticamente em 12%, o que é muito anómalo para o próprio sector".

"Se tivéssemos trabalhadores motivados não teríamos um absentismo tão elevado", defendeu.

Dados do Relatório Social do Ministério da Saúde indicam que as faltas ao trabalho dadas pelos profissionais de saúde totalizaram quase 3,8 milhões de dias em 2017, mais 2,4% do que no ano anterior, a maioria devido a doença (46,3%), mas também às greves no sector.

As ausências ao trabalho por motivos de greve totalizaram 120.886 dias, representando o maior aumento face ao ano anterior (76,6%), destaca o documento, que observa ainda um acréscimo de 26,3% das faltas injustificadas, que somaram 21.048 dias, mais 4.379 dias face a 2016.

O presidente da associação sublinhou que a "grande conflitualidade profissional" que se está a viver nos hospitais é "mais grave" do que as questões de actividade e do acesso aos serviços de saúde.

"É muito atípico observar esta animosidade dentro das organizações, uma vez que os salários foram repostos, houve aumentos líquidos de salários, houve uma redução dos horários de trabalho", mas quem está nos hospitais percebe o que se está a passar e quais os motivos.

"Não é estranho para quem está dentro das organizações, porque as condições de trabalho deterioram-se a partir do momento em que temos menos profissionais e que existe uma procura muito maior de cuidados de saúde e a expectativa dos doentes e das famílias são cada vez maiores", sustentou o presidente da APAH.

Na sua opinião, estes problemas deviam ser resolvidos localmente pelos hospitais, mas a falta de autonomia dificulta-lhes essa intervenção.

"Os hospitais hoje, pela falta de autonomia, têm alguma dificuldade em resolver estes problemas e dar respostas concretas aos seus profissionais", sendo que estas "questões de recursos humanos se gerem, essencialmente, a nível local", sublinhou Alexandre Lourenço.

Para o presidente da associação, é necessária "uma estratégia de gestão de recursos humanos mais efectiva, mais ponderada, em que os profissionais também são responsabilizados pela gestão das organizações e pelos resultados alcançados".

"Não podemos ter as organizações representativas dos profissionais de uma forma quase de treinadores de bancadas sem ser responsabilizados pelo que se passa nas organizações", vincou.

"Ouvir os doentes" sobre o funcionamento dos hospitais

Durante a entrevista à Lusa, Alexandre Lourenço defendeu que os doentes e os profissionais de saúde participem na gestão dos hospitais e que a avaliação dos conselhos de administração passe a depender também da satisfação dos utentes. É necessário "criar mecanismos de melhoria da experiência dos doentes nos hospitais", levando-os para a gestão hospitalar, primeiro de modo consultivo, ouvindo as suas opiniões e a sua avaliação.

"Os serviços de saúde estão organizados de forma diferente dos restantes serviços que a população usa. Os hospitais e os centros de saúde mantêm uma organização que é, muitas vezes, avessa à experiência do doente. Temos de perceber com os doentes que mudanças estruturais têm de existir no sistema", argumenta Alexandre Lourenço.

O responsável indica, a título de exemplo, que não se devem "chamar os doentes para irem todos os dias, em dias diferentes, fazer procedimentos aos hospitais".

Para isso, defende que é necessário ouvir os doentes, com consultas que podem ser feitas através de inquérito, fazendo até depender a avaliação dos conselhos de administração e dos administradores da opinião dos utentes.

"Hoje em dia, de uma forma genérica, nos vários serviços públicos e privados que usamos somos inquiridos sobre a nossa satisfação. O Serviço Nacional de Saúde (SNS) serve os cidadãos, não é um serviço passivo em que as pessoas têm caridosamente acesso a cuidados de saúde", indica Alexandre Lourenço em entrevista à Lusa.

O presidente da APAH considera que os hospitais estão actualmente "muito focados nos processos internos de prestação de cuidados", mas "desfocados da experiência e do interesse do doente": "Esta é uma grande mudança cultural que tem de existir no sistema".

Os administradores pretendem ainda que os profissionais de saúde participem também na gestão dos hospitais, devendo igualmente contribuir para avaliar o desempenho das administrações. Uma "avaliação permanente de todos os actores interessados no sistema de saúde" contribuirá para que haja gestores "preparados e qualificados".

"A gestão [dos hospitais] é altamente complexa. São organizações com profissionais elevadamente diferenciados e estas pessoas também têm de estar envolvidas na gestão e na decisão da sua organização, principalmente na decisão estratégica do caminho a percorrer. [Os profissionais] têm de ser trazidos para a gestão de topo, não necessariamente na gestão operacional diária, mas na gestão estratégica", argumenta Alexandre Lourenço.

A Associação dos Administradores Hospitalares tem defendido que os gestores dos hospitais sejam avaliados e responsabilizados pela sua gestão, promovendo os melhores e afastando os que tenham pior desempenho. O presidente da associação insiste na necessidade de ser dada autonomia aos hospitais, mas com "orçamentos próximos dos custos reais", responsabilizando depois a gestão.

Na semana passada, o ministro da Saúde anunciou a intenção de dar autonomia a um quarto dos hospitais portugueses, um processo que deve arrancar no próximo ano. "Não sei se o número definido de um quarto dos hospitais será possível ou não. Mas penso que o importante é ter critérios muito transparentes para dizer que instituições estão preparadas para isso", alerta Alexandre Loureço.

O responsável lembra que há muitos hospitais com custos de operação "muito superiores ao próprio financiamento", o que tem de ser tido em conta na avaliação e na forma de dar autonomia às organizações.

Mesmo assim, os hospitais portugueses podem ser um exemplo. Alexandre Lourenço anunciou que vão receber gestores dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa (PALOP) para estágios, troca de experiências e aprendizagem mútua. 

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