Estes conservadores também odeiam o “Brexit” de Theresa May

Um pouco por todo o país, militantes de base do Partido Conservador britânico unem esforços contra os planos da primeira-ministra. Dizem-se enganados por Theresa May e temem que o seu pior pesadelo esteja a ganhar forma: a permanência na UE.

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As divisões entre os militantes de base e a liderança vão muito além do "Brexit". Peter Nicholls/Reuters

Um encontro num jardim entre membros do Partido Conservador, com salsichas grelhadas e vinho tinto num chuvoso fim-de-semana britânico, é um cenário improvável para uma revolta. Mas é isso que está a acontecer aqui, em Beaconsfield, e em outras dezenas de espaços espalhados pelo país, num fenómeno que poderá influenciar o voto no Parlamento sobre como irá o Reino Unido sair da União Europeia (UE).

Nesta cozinha cheia de gente em Beaconsfield — uma próspera cidade-dormitório junto a Londres e um bastião conservador — houve discursos de descontentamento sobre como a primeira-ministra, Theresa May, menosprezou os sonhos de uma ruptura total com a UE.

“Ela tem enganado o país ao dar a impressão de que vamos sair, quando na verdade não vamos”, disse Roger Kendrick, um investidor de pequenas empresas filiado no Partido Conservador. “Estamos a ser enganados. Ela está a mentir ao país e pensa que pode ficar impune.”

A opinião de Roger Kendrick conta muito. Os 124 mil militantes de base do partido — a maior parte voluntários, mas também responsáveis locais remunerados — têm um papel fundamental no sistema político do Reino Unido, porque angariam fundos e mobilizam o voto em dia de eleições.

E se a pressão destes militantes de base consegue persuadir meia dúzia de deputados do Partido Conservador a votarem contra a sua primeira-ministra, também é capaz de estragar os planos que Theresa May está a negociar com Bruxelas.

A pouco mais de seis meses do “dia de saída”, marcado para 29 de Março, a futura relação entre a poderosa economia britânica e o maior bloco comercial do mundo está em risco. O país continua dividido — o resultado do referendo de Junho de 2016 foi de 52% contra 48% — e o Partido Conservador também.

Crise para além do “Brexit”

Entrevistas com membros do partido espalhados por todo o país mostram que as divisões entre os militantes de base e a liderança vão muito além do “Brexit”.

“Há 20 anos que caminhamos nesta direcção. O ‘Brexit’ foi a gota de água”, disse John Strafford, o anfitrião do churrasco em Beaconsfield. “Se o partido no Parlamento votar 60% a 70% a favor de ficar na UE, e se as bases votarem 60% a 70% para sair, essa discórdia será o fim do partido.”

O plano “amigo dos negócios” de May — conhecido como “Chequers” por ser o nome da casa de campo onde o acordo foi alcançado, em Julho — dá prioridade ao fluxo de bens e serviços com a UE e não rompe com as regras e os regulamentos de Bruxelas. Ainda assim, a UE exige mais concessões, e a esperança num acordo tem sido adiada.

Por seu lado, May prometeu que levará ao Parlamento britânico o resultado das negociações com a UE, provavelmente ainda antes do Natal, seja qual for esse resultado. Se perder a votação, a primeira-ministra corre o risco de o Reino Unido sair da UE sem acordo, um cenário que iria originar uma crise de confiança e possivelmente forçar eleições antecipadas.

Os militantes de base têm um papel essencial para manterem os legisladores no seu lugar, disse Tim Bale, professor de Política na Universidade Queen Mary, em Londres. “Por isso, se se comprometeram com um “hard Brexit”, essa pressão das bases torna mais difícil que mudem de posição.”

Um exemplo dessa pressão das bases é o trajecto do deputado conservador Chris Green, de Bolton West. Green demitiu-se de um cargo no Departamento de Transportes em Julho, devido à sua oposição ao acordo de Chequers, e planeia votar contra a proposta de saída, se esta chegar ao Parlamento.

A poucos quilómetros a norte de Manchester, o seu círculo eleitoral tem sido visto como um guia para as tendências políticas nacionais: 56% do eleitorado votou a favor do “Brexit”. Green, que ganhou o seu lugar com apenas 936 votos de diferença na última eleição, em 2017, tem receio de que os seus apoiantes o abandondem para se juntarem ao radical UKIP (Partido para a Independência do Reino Unido).

“As opiniões sobre o acordo proposto têm sido maioritariamente negativas e existe um certo desespero no ar”, disse o deputado. “Temos instruções claras por parte do povo britânico e qualquer desvio provocará problemas e divisões.”

Divisões profundas

Em Agosto, um encontro do Partido Conservador para discutir políticas de saúde, perto da cidade costeira de Southampton, foi invadido por apoiantes que queriam falar sobre o acordo de Chequers e o “Brexit”. Segundo a acta da reunião, apenas duas pessoas entre as 50 presentes manifestaram apoio ao plano Chequers, em vez de uma saída da UE sem qualquer acordo.

No relatório com as conclusões desse encontro que foi enviado para a sede do Partido Conservador, o dirigente Allan Glass escreveu: “Ficou implícito nas nossas observações que as propostas de Chequers estão mal concebidas e são indesejáveis, e que o Governo devia desistir delas.”

Bob Perry, líder da associação de conservadores em Hornchurch e Upminster, a este de Londres, disse que dez pessoas do seu grupo de 170 renunciaram ou declinaram renovar os seus lugares de sócio desde que o acordo de Chequers foi revelado.

“Ela [Theresa May] tem de ouvir os militantes de base, porque no fim de contas nós somos os soldados rasos, as pessoas que andam nas ruas, que batem às portas, que distribuem os panfletos. E se não os consegues pôr do teu lado, então vais ter um problema”, disse Perry.

John Strafford, o anfitrião do churrasco em Beaconsfield, lançou uma petição para impedir que o deputado Dominic Greeve seja o candidato do Partido Conservador às eleições de 2022, porque Greeve liderou várias revoltas pró-UE no Parlamento britânico.

E Roger Kendrick, também presente em Beaconsfield, diz que não é capaz de se lembrar de uma época nos seus 30 anos como membro do Partido Conservador com divisões tão profundas e com tanto afastamento entre a liderança em Londres e os militantes de base.

As sondagens mostram que os conservadores e os trabalhistas estão muito próximos na corrida à liderança do próximo governo, mas uma sondagem da Sky Data, realizada em Agosto, mostra que entre os eleitores do Partido Conservador há uma profunda divisão: 59% estão descontentes com o desempenho de Theresa May nas negociações do “Brexit”.

Potenciais sucessores de May espreitam a oportunidade, incluindo o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros Boris Johnson, que se demitiu depois do acordo de Chequers.

Para muitos dos militantes presentes em Beaconsfield, o papel fundamental de Boris Johnson na campanha do “Brexit” em 2016, e o seu misto de humor e ar de homem comum, fazem dele o substituto ideal.

John Thorne, um conselheiro local no condado de Somerset, quer o afastamento de Theresa May e apoia Johnson. “As pessoas adoram o Boris. É o tipo de homem com que nos imaginamos sentados num bar a beber uma cerveja”, disse.

A esmagadora maioria dos membros do Partido Conservador que foram entrevistados não vêem um futuro para Theresa May, mesmo que a primeira-ministra consiga sobreviver como líder para além de Março do próximo ano.

O papel do Reino Unido na Europa ajudou a afundar David Cameron, John Major e Margaret Thatcher. Mas agora muitos sentem saudades de Thatcher, incluindo Glass, que esteve no encontro em Beaconsfield. “Apenas queria que May fosse um pouco como a Maggie, e que chegasse lá e os destruísse”, disse Glass.

Tradução de Ana Silva

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