Dez mil passageiros depois, ferry Funchal-Portimão está nas mãos de Lisboa

O primeiro ano da operação de transporte marítimo de mercadorias e passageiros entre o arquipélago e o continente terminou esta semana. Governo madeirense faz um balanço positivo, mas quer apoio de Lisboa para alargar viagens. Empresa admite alguma desilusão

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Quando o ferry Volcán de Tijarafe zarpou na última quarta-feira do porto do Funchal rumo a Canárias, deixou para trás duas centenas de manifestantes, mais ou menos ruidosos. Entre cartazes contra o partido que governa o arquipélago, o PSD, exigências a Lisboa para que assegure a continuidade territorial, e vaias ao vice-presidente do executivo madeirense, que visitou o navio para assinalar o fim do primeiro ano da operação ferry, em terra desenhava-se um balanço positivo dos três meses em que a Madeira e o continente voltaram a ter uma ligação marítima regular de passageiros.

Foram vinte e quatro viagens entre o Funchal e Portimão (12 por trajecto). Dez mil quatrocentos e vinte e quatro passageiros transportados. Dois mil e trezentos automóveis carregados. Três milhões de euros a título de indemnizações compensatórias. O regresso do ferry à região autónoma, depois do fim abrupto da ligação em 2012, apresentou números animadores para o governo madeirense, que definiu como “muito positiva” a operação.

A população, disse aos jornalistas o número dois do executivo madeirense, Pedro Calado, aderiu ao projecto, daí que o objectivo do governo regional seja manter o ferry, retomando as ligações em Julho do próximo ano, conforme está estabelecido com o armador.

Nas contas do Funchal, as quatro viagens realizadas em Agosto e as três de Setembro registaram um crescimento de 29% e 51% de passageiros, respectivamente, em relação aos mesmos meses de 2011. “Queremos que a operação, além do Verão, como está contratualizada para os próximos dois anos, seja alargada a todo o ano”, sublinhou Pedro Calado, ressalvando que o executivo regional não tem capacidade financeira para suportar sozinho os custos associados ao alargamento da operação. Por isso, insistiu Calado, é preciso a colaboração de Lisboa.

O que estas pessoas querem, disse o vice-presidente, referindo-se aos manifestantes que aguardavam a partida do navio, é o mesmo que o governo regional quer. “Estas pessoas partilham exactamente os mesmos objectivos que nós, que é ter a operação o ano inteiro, mas apoiada pelo Governo da República e pelo Orçamento de Estado.”

A manifestação foi convocada pelo movimento ‘Cruise ferry-Madeira’, que com casa no Facebook, tem funcionado como um grupo de pressão para o regresso das ligações marítimas de carga e passageiros entre o arquipélago e o continente. Os protestos, partilhados pelos partidos mais à esquerda, como Bloco e PCP, que estiveram entre os manifestantes, são motivados pelo facto de as ligações semanais serem apenas por três meses, e não durante todo o ano como aconteceu entre 2008 e início de 2012.

A questão da ligação de ferry é transversal aos partidos políticos na Madeira, tanto à direita como à esquerda. Nas regionais de 2015, que elegeram o social-democrata Miguel Albuquerque para a presidência da região autónoma, a proposta de retomar as ligações marítimas constou em quase todos os programas eleitorais. Assim, logo em Janeiro de 2016 o Funchal abriu um primeiro concurso para reactivar a linha, que terminou com estrondo em 2012, com o armador espanhol Naviera Armas a acusar as autoridades regionais da altura de colocarem entraves à operação, através de limitações à carga rodada e aumentos das taxas portuárias.

O concurso acabou por ficar deserto, mas com base no feed-back mantido com os armadores, o governo madeirense avançou para um segundo procedimento internacional, depois de tentar, sem sucesso, que o Estado assumisse os custos da operação, com base na continuidade territorial. A ministra do Mar, Ana Paula Vitorino, respondeu na altura que os subsídios estatais à mobilidade aérea garantiam já essa continuidade territorial.

Depois da luz verde de Bruxelas para a subsidiação da linha, a Madeira acenou com três milhões de euros de indemnizações compensatórias por cada um dos três anos de concessão, mais a redução das taxas portuárias no Funchal para os mínimos, mas, mesmo assim, não foi suficiente. O concurso voltou a ficar vazio, e só depois do caderno de encargos reduzir o número de viagens para 12 partidas do Funchal - inicialmente o concurso previa viagens semanais ao longo de todo o ano -, é que houve um armador a formalizar o interesse.

Empresa admite desilusão

A Empresa de Navegação Madeirense (ENM), do universo do Grupo Sousa que tem interesses nos portos regionais e é dono do ferry Lobo Marinho (assegura as ligações diárias entre Funchal e Porto Santo), foi a única concorrente. Alugou ao Naviera Armas o navio Volcán de Tijarafe, precisamente o mesmo que estava na linha em 2012, e montou a operação praticamente nos mesmos moldes da anterior: uma triangulação entre Canárias, Funchal e Portimão.

O balanço deste primeiro ano ainda não está fechado, mas fonte da ENM admite ao PÚBLICO alguma desilusão com os resultados. “Sabíamos que o primeiro ano seria difícil, mas ficou abaixo das nossas expectativas. A ideia foi lançar raízes para a operação crescer nos próximos anos”, conta a mesma fonte, indicando que 65% dos 10.424 passageiros são residentes na Madeira, e como tal pagaram os bilhetes mais baratos: a partir de 29 euros por trajecto. É preciso não esquecer, continua, que estes 10.424 passageiros, significam que foram apenas 5212 pessoas a fazer a viagem ida e volta. “Para um navio que tem capacidade para transportar mil passageiros e 300 automóveis, é pouco. Menos de metade da lotação.”

Mas governo regional e restantes partidos, olham muito para a componente de carga do ferry, como forma de potenciar a operação e viabilizá-la. O valor do transporte de mercadorias é inferior ao da carga contentorizada, e dada a velocidade (Funchal-Portimão em 24 horas) face aos transitários tradicionais (quatro dias Funchal-Lisboa), a operação pode trazer uma nova dinâmica nas importações e exportações do arquipélago. É, dizem os defensores da operação, uma questão de dar tempo para as linhas de distribuição serem montadas.

Para já, o ferry só regressa em Julho do próximo ano. Mas o governo madeirense quer aproveitar o momento para colocar pressão em Lisboa, para que as viagens sejam semanais, durante todo o ano, como foi inicialmente projectado. A ideia, é conseguir consenso no parlamento madeirense, aprovando um projecto de resolução para que o Estado seja chamado a contribuir para assegurar os custos da linha de transporte marítimo e de passageiros.

Em Julho, no porto de Portimão, durante uma cerimónia de recepção ao Volcán de Tijarafe, Ana Paula Vitorino mostrou-se optimista em relação à possibilidade de a linha poder estender-se para lá dos meses de verão. Agora, e instado pelo PÚBLICO a fazer um balanço sobre a operação e projectar o futuro da linha, o Ministério do Mar promete para esta semana uma posição sobre o assunto.

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