A gestão da dívida pública

E essa estratégia do IGCP obriga o Estado a poupar durante os próximos anos, críticos, muito mais do que o necessário para atingir os objectivos para o défice “exigidos” pelo Tratado Orçamental.

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Ministério das Finanças Nuno Ferreira Santos

De acordo com as previsões do Governo e do IGCP a despesa com juros, em percentagem do PIB, nos próximos anos, terá uma redução significativa: de 3,9% em 2017 e 3,5% em 2018, para 3,1% do PIB em 2021 e 2022.

Esta redução deve-se: ao aumento mais lento (quase estabilização) do nível de dívida pública em termos nominais; à taxa de crescimento nominal esperada do PIB (4,4% em 2017, 3,7% no primeiro semestre de 2018 e de cerca de 3,7% para o período 2019-2022); e, sobretudo, à redução das taxas de juro da dívida pública nos mercados.

O terceiro destes factores é muito significativo. O IGCP previa refinanciar, no período 2016-2022, entre 10 e 18 mil milhões de dívida de médio e longo prazo. Como a taxa de juro da dívida que vence é muito superior à taxa de juro da nova dívida emitida, do processo de refinanciamento de dívida que chega à maturidade resultam significativas poupanças na despesa com juros. Em 2018, em resultado da amortização da dívida mais dispendiosa ao FMI, o Governo estima que a despesa com juros irá cair 500 milhões de euros, em contabilidade nacional.

Contudo, em 2016, 2017 e 2018 o nível absoluto de dívida aumentou cerca de 10 mil milhões de euros por ano devido ao défice público registado e à despesa com as recapitalizações de bancos (Banif, CGD e Novo Banco). Este aumento do nível absoluto da dívida pública contribuiu negativamente para a despesa com juros.

No entanto, como referido acima, apesar do aumento do nível da dívida, a queda das taxas de juro foi tal que a despesa com juros, em contabilidade nacional, tem estado a cair.

Contudo, nos próximos anos, o Governo estima um ligeiro crescimento dessa despesa de cerca de 7100 milhões em 2018 (3,5% do PIB) para cerca de 7300 milhões de euros em 2022 (3,1% do PIB).

Ora, entre 2019 e 2022, estima-se que as necessidades líquidas de financiamento - i.e., o aumento do nível absoluto de dívida pública em relação ao ano anterior -  diminuam significativamente, pelo que a despesa com juros tenderá a cair muito mais rapidamente do que o previsto pelo Governo. Com efeito, se as taxas de juro se mantivessem ao nível actual e o Governo emitisse dívida de médio e longo prazo com maturidade média de 7,8 anos (como em 2017), a despesa com juros cairia de 7100 milhões de euros em 2018 para menos de 6000 milhões de euros em 2022, isto é, para menos de 2,6% do PIB. Claro que é expectável uma subida das taxas de juro dos actuais níveis mas o diferencial entre as taxas de juro da dívida que chega à maturidade e as taxas de juro actuais é de tal ordem, que a despesa com juros continuará a cair nos próximos anos.

Mas a previsão do Governo em relação à evolução esperada da despesa com juros também se explica pelo seguinte: o IGCP tem aproveitado a queda das taxas de juro para emitir dívida com prazos mais longos. De facto, a maturidade residual média da dívida de médio e longo prazo aumentou de 7,8 anos em 2017 para 12 anos nos primeiros sete meses de 2018. Esta opção significa que a despesa pública com juros não cai tanto quanto poderia cair.

Num cenário de “políticas invariantes” na emissão de dívida pública, isto é, se o IGCP tivesse mantido a maturidade residual média de 2017 nas emissões de 2018, a despesa pública com juros seria cerca de 70 milhões de euros por ano mais baixa (em 2018 a poupança seria inferior porque essa dívida foi emitida ao longo do ano). São 70 milhões de euros que o país gasta a mais na despesa com juros nos próximos 7,8 anos, i.e., quase 550 milhões de euros nesse período, que não estão disponíveis para outra despesa, nomeadamente, investimento, despesa com serviços públicos, ou aumentos de salários e pensões. E se o IGCP mantiver em 2019 a maturidade das emissões em 12 anos (e não em 7,8 anos) tal custará, se as taxas de juro se mantiverem aos níveis actuais, outros 70 milhões adicionais por ano durante 7,8 anos. O IGCP, que depende da Secretaria de Estado do Tesouro, tem mais poder para realizar despesa pública adicional do que muitos ministros!

De forma simplificada, a “aposta” especulativa do IGCP é que, durante os próximos oito anos, as taxas de juro vão subir tanto, que as poupanças na despesa com juros entre 2026 e 2030 serão tais que irão compensar a despesa com juros adicional realizada entre 2018 e 2026. Mas tal operação financeira só resulta em ganhos para o erário público (valor actual líquido positivo, assumindo taxa de desconto de 10%), se a taxa de juro de dívida com maturidade de 4 anos aumentar mais de 8 vezes, nos próximos 8 anos, subindo dos actuais 0,45% para pelo menos 3,7% em 2026.

E essa estratégia do IGCP obriga o Estado a poupar durante os próximos anos, críticos, muito mais do que o necessário para atingir os objectivos para o défice “exigidos” pelo Tratado Orçamental.

Não faz sentido que a dívida do país tenha uma das mais longas maturidades residuais médias da zona euro, em particular porque Portugal não tem de refinanciar a maior parte da dívida ao sector oficial durante muitos anos, ou seja, é como se o país tivesse um nível de dívida muito inferior a 124,8% do PIB.

Acresce que o Banco de Portugal detém uma significativa percentagem da dívida pública e continuará a adquirir dívida pública portuguesa no âmbito do programa de expansão quantitativa do BCE (vide abaixo).

Por último, Portugal estará em vias de apresentar excedentes orçamentais recorrentes, o que significa que o volume de dívida pública detida por investidores do sector privado terá tendência a diminuir, criando pressão, anormal e prejudicial para o regular funcionamento do mercado de dívida pública portuguesa, para uma queda das taxas de juro (um efeito equivalente a um “short-squeeze”).

O país gastou 3,9% do PIB com juros da dívida pública, em 2017. Tal valor é demasiado elevado, sobretudo no contexto actual de taxas de juro baixas. Para tornar a dívida menos insustentável é fundamental baixar esse item da despesa pública para menos de 3% do PIB.

O mercado de dívida pública portuguesa beneficia, no presente, de condições únicas. O BCE e o Banco de Portugal adquiriram 35,5 mil milhões de euros de dívida pública portuguesa, no âmbito do programa de expansão quantitativa do BCE, entre Março de 2015 e Agosto de 2018. De acordo com a chave de capital ajustada, Portugal teria direito à aquisição de 48 mil milhões de euros e é um dos países em que o desvio em relação à chave de capital é maior. O programa de expansão quantitativa deverá ser concluído no final de 2018. Mas o Eurosistema manterá o actual nível de dívida pública no balanço pelo menos até ao final do mandato de Draghi. É ainda provável que o próximo presidente do BCE – se não for Jens Weidmann – mantenha o nível de dívida pública no balanço constante durante, pelo menos, dois ou três anos, para o reduzir muito gradualmente nos anos seguintes.

E, em Julho do ano corrente, Mario Draghi afirmou que quando a dívida pública detida no programa de expansão quantitativa chegar à maturidade, o BCE e os bancos centrais nacionais irão adquirir nova dívida pública de acordo com a chave de capital de cada país. No caso de Portugal, isso significa que o BCE e o Banco Portugal irão adquirir cerca de 3 a 4 mil milhões de euros por ano de dívida pública portuguesa, o que é muito significativo porque representa cerca de um quarto das emissões brutas de dívida de médio e longo prazo da República nesse período.

Por conseguinte, a missão do IGCP está muito facilitada nos próximos anos e a sua prioridade, neste contexto, deveria ser reduzir a taxa de juro implícita média da dívida pública contribuindo, assim, para o equilíbrio das contas públicas e das contas externas do país.

Artigo corrigido a 02.10.2018: corrige variação necessária da taxa de juro da dívida com maturidade de 4 anos em 2026 de 2,1% para 3,7%

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