Serralves à espera de respostas

É que se a arte, mesmo a arte dita escandalosa, é dispensável, Serralves também o será.

O que se passou em Serralves é bem mais do que um episódio de suposta censura ou a revelação de que a Fundação se corrói em insanáveis conflitos internos. O que se passou em Serralves é a demonstração crua de que o museu que alimenta a dimensão cosmopolita do Porto e coloca Portugal na rota da arte contemporânea perdeu parte da sua aura. Nesta história não há inocentes, por muito que seja fácil olhar para o papel de João Ribas e colocá-lo na pele de vítima de uma administração ignominiosa. Todos têm culpa. E se houver alguém que não a assuma, Serralves corre o risco de perder a simpatia dos investidores e de se tornar em mais um museu a gravitar na órbita do Estado.

Fosse qual fosse a decisão da administração sobre a exposição da face mais crua da arte de Robert Mapplethorpe, haveria sempre polémica. A obra do fotógrafo lá estaria para nos interpelar, para provocar, para escandalizar, fosse numa sala reservada ou no espaço amplo do museu. O que não podia acontecer é o director artístico dizer que tudo seria irrestritamente exposto e depois haver uma mudança de planos. A partir daí, a acusação de censura ou a denúncia de ingerência de administradores na liberdade artística tornou-se incontornável. E é precisamente essa acusação, essa suspeita, que mina a essência de Serralves e lhe abre uma ferida difícil de curar.

Se havia uma decisão prévia para instalar parte das fotografias numa sala reservada, João Ribas excedeu-se na entrevista que deu ao PÚBLICO e a administração tinha o dever de esclarecer o que estava em causa nesse momento sem esperar pelo dia da inauguração. Porque é essa mudança sem explicação prévia que alimenta a suspeita de que a administração de Serralves é incapaz de assumir os riscos que tornam a arte indispensável. É que se a arte, mesmo a arte dita escandalosa, é dispensável, Serralves também o será.

Com João Ribas fora de cena, a hora é da administração. Temos de ter a certeza de que o ambiente de vaidades fúteis e de caça às bruxas não passa de uma suspeição. É urgente a certeza de que a direcção artística pode ser de facto livre nas suas escolhas. Na equipa da administração há gente capaz para nos dar essa garantia. Que o façam, pois. Serralves não pode ser um museu de província onde a arte se limita a projectar essa escala.

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