“Espanha precisa de eleições para ter um Governo legítimo”

Luis Garicano: o homem que concebeu o programa económico do partido espanhol Cidadãos receia que Pedro Sánchez “venda partes do país” para conseguir apoio no Parlamento e não tem dúvidas de que o seu partido é alternativa ao Governo. Sobre a Catalunha, defende que o “diálogo essencial é entre os catalães” e não entre os independentistas e Madrid.

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Luis Garicano Miguel Manso

É professor de Economia e Estratégia na London School of Economics and Political Science e dedica-se ao estudo do impacto da tecnologia na organização laboral e no modelo ocidental de protecção social. Foi na pele de especialista nestas matérias que o espanhol Luis Garicano participou no painel “O Estado Social nos tempos da Uber”, uma das várias iniciativas da Fundação Francisco Manuel dos Santos dedicadas ao tema “O Trabalho dá que pensar”. Em 2015 estreou-se na arena política, aceitando o desafio do Cidadãos (direita) para conceber o seu programa económico. Entusiasmado com as novas tarefas rejeita, porém, dar para já o salto para a linha da frente. Prefere estar na “casa das máquinas” a contribuir para “uma oferta política absolutamente única em Espanha”.

O Cidadãos cresceu muito durante a governação de Mariano Rajoy (Partido Popular, direita). A queda deste e a formação do Governo socialista de Pedro Sánchez trocaram as voltas ao partido?

Não, porque a situação estrutural não se alterou. O Cidadãos oferece três principais propostas aos espanhóis: combate à corrupção, um plano de modernização sectorial e uma posição firme contra o secessionismo catalão. A corrupção e o bloqueio da regeneração do sistema político foi um problema muitíssimo grave durante a era Rajoy, mas ainda o é com o PSOE. Quando Sánchez subiu ao poder teve a oportunidade de fazer mudanças. Teria sido bom para Espanha e ter-lhe-ia dado uma base social maior. Mas não o fez. Para os diversos organismos e indústrias do Estado nomeou apenas militantes do PSOE, pessoas sem qualquer experiência prática. Isso demonstra que o PSOE também não tem interesse nem vontade de mudança e que a falta de transparência ainda é um problema real.
Em relação à modernização e à luta contra a precariedade somos o único partido que tem uma resposta para as transformações tecnológicas e para o seu impacto no mundo do trabalho. O PSOE e o PP ignoram estes temas. E o Podemos, como partido populista que é, tem uma posição muito anti, muito do contra. Mas nós sabemos que estamos perante uma mudança que precisa de resposta, em termos de formação, educação, políticas activas, etc.... Temos uma oferta absolutamente única em Espanha.
E para a Catalunha, a oferta do Cidadãos é a que mais interessa aos espanhóis, porque é contra a vitimização baseada nos argumentos de que “eles oprimem-nos, eles roubam-nos” que se ouvem junto dos independentistas. Em Espanha somos todos iguais, mas perdemos imensa energia a debater o tema dos separatismos. O separatismo basco acalmou, mas agora algumas pessoas na Catalunha – e não todos os catalães – empreenderam por um caminho maximalista, cheio de sentimentalismo e emoção à mistura. Que é bastante difícil de acalmar. Ao elevarem em demasia os níveis de emoção, os independentistas já não conseguem fazer marcha atrás. 

A oferta de diálogo, de Sánchez, não deixa o Cidadãos isolado na sua posição na Catalunha?

A questão é que eles [independentistas] não aceitam dialogar. Recentemente, o PDeCAT alcançou um acordo com o Governo para fazerem uma declaração conjunta e demonstrarem abertura para o diálogo, mas Carles Puigdemont não permitiu que isso acontecesse. Na verdade, o diálogo essencial é entre catalães e não entre a Catalunha e Madrid. Há anos que a sociedade catalã está dividida entre independentistas e espanholistas. E enquanto a minoria maioritária independentista insistir na via maximalista, a posição constitucionalista do Cidadãos terá sempre todo o sentido do mundo. E a grande maioria dos espanhóis vêem-na como absolutamente necessária.

O novo líder do PP, Pablo Casado, representa uma geração diferente da de Rajoy. Mais um desafio para o Cidadãos...

Quando começámos a trabalhar com Rajoy – nunca fizemos um pacto de Governo, acordámos pontualmente o apoio a orçamentos ou investiduras –, a percepção de praticamente toda a comunicação social era a de que seria devastador para o Cidadãos. Porque Rajoy estava muito ligado a questões de corrupção, que nós próprios denunciámos. As pessoas disseram-nos: “Vão juntar-se ao PP e vão sujar-se!”. E depois aconteceu o contrário. Casado sofre dos mesmos males que sofria Rajoy, que o impedem de dar as mesma respostas que nós no combate à corrupção, na questão catalã e na modernização. Com ou sem Casado, o PP continua a ser, em aliança com o PSOE, o principal bloqueio à regeneração política e democrática que entendemos ser necessária. 

Espanha tem sido assolada por repetidos casos de graus académicos obtidos de forma irregular. O currículo é assim tão decisivo na ascensão de uma carreira política?

Sim e é um problema gravíssimo. Pessoas como [Cristina] Cifuentes [ex-presidente do governo de Madrid] ou Casado fizeram toda a sua carreira dentro das estruturas partidárias. Nunca fizeram nada durante a sua vida, não têm nada nos seus currículos para além das secretarias de juventudes e cargos do género. E têm essa angústia de não ter feito nada. Ao mesmo tempo também não têm tempo, por isso optam pela via mais fácil, das equivalências, que não implica a obrigatoriedade de estudar. Polémicas como a da tese de Sánchez começam a partir do momento em que o próprio vetou, ao lado do PP, uma proposta de lei do Cidadãos para regenerar as universidades, para haver mais transparência, para se publicarem as teses.

O Governo do PSOE vai sobreviver ao desafio da aprovação do Orçamento de Estado?
Vejo a aprovação complicada, porque Sánchez tem uma maioria muito frágil – a coligação que fez vai desde a direita independentista até à extrema-esquerda. A esquerda exige, por exemplo, impostos altíssimos. Mas os partidos à direita não vão aceitar isso. Penso que o PSOE tentará fazer cedências em matéria de competências regionais. É o que se costuma acordar quando se fazem coligações entre partidos nacionais e partidos regionalistas. Por exemplo: “Vamos subir este imposto em todo o lado, menos na vossa região”. Ou: “Vamos cortar um investimento aqui, mas no vosso caso subimos”. Isto é perigoso. No caso da Catalunha, há independentistas a exigir um poder judicial próprio, separado do resto de Espanha. Isto seria inaceitável. O principal risco do Orçamento é que o PSOE venda partes do país para conseguir apoio.

Seria bom para o Cidadãos haver eleições antecipadas?
Deste o princípio que defendemos que a moção de censura [contra Rajoy] foi instrumental e teve como objectivo derrubar um Governo acusado de corrupção – como afirmou o próprio Sánchez. Mas também defendemos que essa moção deveria ter sido acompanhada de eleições, para termos um Governo legítimo. É bastante invulgar termos um executivo formado a meio de uma legislatura e em circunstâncias tão específicas que se comporta como se tivesse saído de uma decisão nas urnas. Por isso defendemos que deve haver eleições para que Espanha possa ter um Governo legítimo, forte e capaz de tomar decisões.

O Cidadãos quer ser uma alternativa de Governo?
Sim, sem qualquer tipo de dúvida. Não temos vocação para ser aquele partido pequeno que se limita a colar-se aos partidos tradicionais para integrar um Governo, não é a nossa postura.

Mas de um primeiro lugar nas sondagens durante o período de Rajoy, o Cidadãos passou para terceiro...
Não estamos bem em terceiro, estamos algures entre o segundo e o terceiro. Estamos claramente acima dos 20% e na última sondagem estávamos em segundo.

Uma das críticas que se ouve em Espanha é que o Cidadãos não tem ainda uma identidade consolidada.
O Cidadãos é um partido liberal do ponto de vista económico, próximo do centro-direita. Mas em matéria social é mais próximo da esquerda. Temos uma visão clara pró-mercado que percebe que é necessário regular esse mercado para ser favorável aos cidadãos.

Movimentos como o Cidadãos são vítimas da fraca tradição de partidos liberais no Sul da Europa?
É verdade que na Europa do Norte essa tradição existe e aqui não. Tem muito que ver com as duas principais abordagens da política económica do Estado: pro-markets ou pro-businesses. A primeira privilegia a competição e limita-se a estabelecer as regras para essa competição. A segunda opta pela identificação dos “amigos do Estado” e subsequente distribuição do dinheiro por eles. Na nossa organização política a direita foi sempre pro-business e grande parte da esquerda também. Olham para o Estado como “Estado-papá”, protector e pouco interessado no risco – temos os exemplos do Brasil, da Argentina, de Espanha ou de Itália. O Cidadãos é parecido com D66 da Holanda: liberal em todos os sentidos.

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