“O ‘antipetismo’ está mais forte do que nunca” na campanha eleitoral brasileira

Mesmo nas eleições mais imprevisíveis da história recente, o “petismo” e o “antipetismo” continuam a ser os eixos que definem a política brasileira. Bolsonaro e Haddad lideram as sondagens, mas é muito cedo para antecipar cenários.

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Jair Bolsonaro continua a liderar as sondagens de forma confortável Bruno Kelly / Reuters

A primeira frase do analista Oswaldo do Amaral demonstra a dificuldade sentida por quem tenta explicar o que tem acontecido na campanha eleitoral brasileira. “Estas eleições têm um grau de imprevisibilidade muito maior do que as outras”, declara o director do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em conversa telefónica com o PÚBLICO.

A duas semanas da primeira volta das eleições presidenciais, a 7 de Outubro, o cenário está longe de estar definido. A primeira fase da campanha foi um reflexo do que foram os últimos anos do Brasil – emotivos e confusos.

As sondagens mais recentes mantêm o candidato de extrema-direita Jair Bolsonaro a liderar as intenções de voto, entre os 26% e 28%, seguido do candidato do Partido dos Trabalhadores, Fernando Haddad, que parece estar a começar a beneficiar dos efeitos da transferência do apoio ao ex-presidente Lula da Silva. Mas tudo pode ainda mudar, à medida que cada vez mais eleitores se vão decidindo quanto ao rumo que querem ver seguir o Brasil nos próximos anos. Ou simplesmente vão mudando de ideias.

A luta por uma vaga na segunda volta, marcada para 28 de Outubro, está ao rubro. Taco a taco com Haddad está o candidato do Partido Democrático Trabalhista (PDT), Ciro Gomes, com ambos a disputar o eleitorado de esquerda, especialmente no Nordeste – Ciro foi governador do Ceará, enquanto Haddad ainda luta para ser reconhecido. Seguem-se a ecologista Marina Silva, que está em queda livre nos inquéritos de opinião, e o centrista Geraldo Alckmin, do Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), cuja ultra-exposição mediática à boleia do imenso tempo de antena de que goza parece não estar a surtir efeito.

Como acontece desde os governos de Lula, as duas forças dominantes da política brasileira continuam a ser o “petismo” e o “antipetismo”, observa Amaral. Mas há duas diferenças determinantes que as primeiras semanas de campanha estão a comprovar. “Até agora, o PSDB aparecia como a única opção para este grupo, mas entretanto o Bolsonaro conseguiu colocar-se como opção”, explica o sociólogo, lembrando que mais de 40% dos eleitores que se definem como “antipetistas” apoiam o capitão na reserva.

“A segunda novidade”, diz Amaral, “é que o ‘antipetismo’ está mais forte do que nunca”. Se antes a motivação para recusar o PT tinha sobretudo um pendor ideológico, no Brasil de 2018 as feridas emocionais dos últimos anos alimentam a rejeição – o impeachment de Dilma Rousseff e a prisão de Lula contribuíram para que o abismo se abrisse ainda mais.

A motivação do voto dos brasileiros é assim resumida por Oswaldo Amaral: “Temos agora metade do eleitorado dividido entre ‘petistas’ e ‘antipetistas’ e outra metade que está mais ou menos no meio, que são os eleitores que é necessário conquistar para ganhar.”

O efeito facada

Há meses que Bolsonaro estava no topo das sondagens – apenas batido por Lula –, mas a convicção generalizada era de que Alckmin iria conseguir recuperar terreno durante a campanha. O “tucano” (o símbolo do seu partido) conseguiu o apoio de uma coligação de partidos muito representados na Câmara dos Deputados e no Senado, o chamado “centrão”, garantindo dessa forma uma fatia enorme do tempo de antena televisivo – a distribuição do tempo de antena durante a campanha é proporcional ao número de eleitos que cada partido que apoia uma candidatura tem nas duas câmaras, a coligação de Alckmin tem direito a 40% do tempo total disponível.

Tudo mudou quando Bolsonaro foi esfaqueado quando estava em campanha na cidade de Juiz de Fora, em Minas Gerais. “O momento do ataque coincidiu com o começo da campanha eleitoral na televisão e era o momento em que o Alckmin iria começar a atacá-lo”, lembra Amaral. Para além de ter atrasado os ataques dos “tucanos”, o ex-capitão do Exército ganhou exposição televisiva sempre que os progressos da sua recuperação eram noticiados. De outra forma, Bolsonaro iria passar a campanha praticamente ausente dos veículos mediáticos tradicionais, uma vez que o seu tempo de antena é quase nulo.

Para Alckmin, a próxima semana será fundamental, diz o professor da Unicamp. “Se ele conseguir dois ou três pontos, volta a ser um candidato competitivo”, prevê. A imprensa brasileira já faz referências a brechas na ampla coligação que sustenta o ex-governador de São Paulo. A nível local, já há candidatos do “centrão” a fazer campanha por outros partidos, com receio de Alckmin já não ter tempo para descolar.

“É a última hipótese que Alckmin tem”, defende o analista. “Ele tem que ir para cima tanto de Bolsonaro como de Haddad e apresentar-se como o ‘antipetismo’ contra o ‘petismo’ para ganhar as eleições”, acrescenta.

A batalha para qualquer um dos perseguidores é difícil. Bolsonaro e Haddad são os candidatos que têm apoiantes mais convictos, ou seja, que se mostram mais reticentes em alterar o sentido de voto até ao dia das eleições. Para o ex-capitão, mais de metade dos seus apoiantes (53%) dizem estar já decididos, enquanto no caso de Haddad são 45%.

Voto útil

Na recta final da campanha, os eleitores também irão começar a avaliar de forma mais estratégica o voto. A grande dúvida é saber o que irá pesar mais nesse cálculo – o desejo de ver o candidato preferido na segunda volta ou o receio de ver lá o odiado. Os dois líderes das sondagens são também aqueles que apresentam índices de rejeição mais elevados. Algo normal, diz o director do CESOP. “Geralmente os dois que estão na frente são também os dois que mais polarizam, portanto os seus apoiantes acabam por dizer que rejeitam o outro”, explica Amaral.

A grande diferença é o elevado nível de rejeição atribuído a Bolsonaro, que está acima dos 40%. O especialista dá como termo de comparação a taxa de rejeição de Dilma Rousseff há quatro anos, que era elevada – andou sempre perto dos 30%. A rejeição de Haddad está já nos 29%, subindo quase ao mesmo ritmo que as intenções de voto na sua candidatura.

E é aqui que entram os cálculos que podem baralhar todos os cenários. Um exemplo: se a rejeição de Bolsonaro por parte de um eleitor for superior ao seu apoio ao PT, então é possível que, se no momento de votar lhe parecer que Ciro Gomes terá maior capacidade para derrotar o candidato da extrema-direita do que Haddad, o seu voto migre do PT para o PDT. Oswaldo Amaral não consegue dar certezas: “É pouco provável, mas é possível.”

O mesmo se pode dizer do outro lado do espectro – e é nisso que aposta Alckmin. “A maior fidelização entre os candidatos é a do Bolsonaro, mas há uma parte muito flutuante ali ainda, que está lá pelo ódio. Se o eleitor perceber que pode ganhar ao PT sem o ódio, ele pode mudar”, disse ao El País o analista Paulo Guimarães, um dos gurus da estatística eleitoral que tem feito consultoria para a campanha do “tucano”.

Os ataques entre as campanhas devem subir de tom nas próximas duas semanas, como já ficou patente no debate de quinta-feira. Porém, lembra Amaral, há certas precauções que impõem limites. É o caso de Ciro Gomes e Haddad, “que não podem entrar muito em confronto, porque provavelmente estarão juntos na segunda volta”. Uma estratégia que deverá ser generalizada é a de tentar assegurar que cada candidatura terá mais facilidade em vencer na segunda volta – a não ser que tudo mude outra vez.

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