Têxteis portugueses foram a Paris para dar força à onda de recordes

O ano deverá ser de estabilização, perante as nuvens da guerra comercial norte-americana e da quebra espanhola.

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Pedro Granadeiro/NFactos

Acabada de sair do melhor ano de sempre em termos de exportações, a indústria portuguesa do têxtil e vestuário procura assegurar que a onda não esmorece. Portugal foi à Première Vision, uma importante feira do sector que decorre entre 19 e 21 de Setembro em Paris, com o estatuto de “País em foco” na área de confecção, tendo por isso 100 metros quadrados para apresentar o que se faz por nas fábricas portuguesas, num espaço organizado pela Associação Selectiva Moda e pelo CENIT – Centro de Inteligência Têxtil com o apoio técnico do Centro Tecnológico Industrias Têxtil Vestuário Portugal (CITEVE).

“O ano ainda não acabou, mas é um ano de estabilização”, calcula o presidente da ATP, Paulo Melo. O horizonte não é completamente límpido. A contribuir para isso estão circunstâncias tão díspares como os preços das matérias-primas, o braço de ferro entre Estados Unidos e Turquia, mas também um clima imprevisível. Todavia, o responsável faz questão de sublinhar a boa saúde da indústria, depois de oito anos em que as exportações cresceram consecutivamente.

“Toda a instabilidade cria incerteza”, o que leva ao “adiamento de decisões” e ao “adiamento do investimento”, comentou aos jornalistas o secretário de Estado da Internacionalização, Eurico Brilhante Dias, que visitou o evento na quinta-feira, juntamente com o secretário de Estado do Desenvolvimento e Coesão, Nelson de Souza. A questão tinha sido sobre o clima de guerra comercial. No entanto, o responsável nota que o sector da moda em Portugal – no qual inclui têxtil, vestuário, calçado e joalharia – “é muito resiliente” e tem “demonstrado enorme capacidade de ajustamento”.

Um ajustamento que permite a Manuel Dias olhar para o que aí vem com optimismo. A meio da tarde do segundo dia da Première Vision, sócio gerente da Dias Ruivo, uma empresa de peles de Avintes, diz que o objectivo está cumprido: “vender cada vez mais para fora”. O empresário que exporta 70% da facturação (que se fixou em 5 milhões em 2017) responde com um pronto “claro que sim” quando a questão é se o ambiente promovido pela administração norte-americana o preocupa. “A China é o número um do couro americano. Agora ninguém compra com medo que venha aí uma taxa. Se o couro sobra nos EUA, desce o preço”, sintetiza.

De acordo com Brilhante Dias, se o sector de têxtil e vestuário representava em 1986 cerca de 40% das exportações nacionais, actualmente o número ronda os 10%, estima. Mas há que ter em atenção que o paradigma mudou. Portugal passou a exportar muito mais no geral e o sector foi obrigado a reformular-se com choques como a adesão à Comunidade Económica Europeia, a entrada da China na Organização Mundial do Comércio, em 2001, e as crises económicas. O mesmo é dizer que, se a percentagem se reduziu, o valor aumentou e representou 7 mil milhões em 2017.

Nesse trabalho de diversificação, a indústria evoluiu para séries curtas, de rápida resposta à procura. O secretário de Estado lembra que o sector exporta para 194 mercados diferentes e tem registado “crescimentos interessantes” em alguns mercados.

No entanto Espanha continua a ser o maior parceiro comercial e teve uma quebra de 5% entre Janeiro e Julho deste ano. Paulo Melo não se mostra muito preocupado com a quebra do mercado espanhol. “Que seja à custa do aumento nos outros”, comenta. Itália (33%) e Holanda (15%) são os que mais sobem quando a comparação é o mesmo período de 2017.

Isto apesar de ter registado uma quebra também para o Reino Unido (-5%), que é o quarto maior comprador em Portugal.

A Adalberto Estampados exporta 70% da produção, refere o seu director comercial Paulo Renato ao PÚBLICO. Apesar de vender à Inditex (que detém marcas como a Zara ou a Massimo Dutti), o responsável entende que uma dependência do grande grupo pode ser “problemática”. Mas refere também que este é um “modelo importante para a indústria portuguesa”, uma vez que o país é visto como “parceiro estratégico”. Sobre os riscos no comércio mundial, vê riscos, mas também oportunidades.

O foco em Portugal na feira de Paris passa pelo private label, ou seja, a produção de peças para outras marcas. 90% das exportações portugueses de vestuário são para este segmento.

Noutras contas, o director-geral do CITEVE (um centro tecnológico têxtil participado por 630 empresas do sector), Braz Costa, refere que, entre 2009 e 2017, a facturação por trabalhador aumentou 50%. O que significa maior produtividade num sector com menos trabalhadores e mais automatizado, sendo que os produtos têm também mais valor. O crescimento nessa relação não levou a aumentos salariais dessa grandeza. “Enquanto houver um trabalhador no meu sector a ganhar o salário mínimo, eu não fico descansado”, garante Braz Costa, mas lembra que, por cada trabalhador a receber o rendimento mínimo os patrões gastam cerca de 1000 euros.

Paulo Melo defende que é preciso indexar os salários à produtividade. Mas aponta também para a necessidade de outras alterações, sendo a factura da energia uma delas. Numa factura de electricidade, “40% são taxas fixas”, lamenta. Para além da conta energética, a redução da factura fiscal também seria vista com bons olhos, assim como a alteração do estatuto de Pequena e Média Empresa, que terá que ser revisto a nível europeu e que poderia trazer vantagens na atribuição de fundos comunitários.

Os apoios da Europa para o sector do vestuário e do têxtil disparam em relação ao quadro comunitário anterior. De acordo com números adiantados por Nelson de Souza, o investimento elegível (total) passou de 396 milhões de euros entre 2007 e 2013 para 637 milhões entre 2014 e Julho de 2018, o representa uma subida de 61%.

*O jornalista viajou a convite da CENIT

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