José Penedos: Extensão das barragens da EDP foi “feita contra o interesse nacional”

O antigo secretário de Estado da Energia e ex-presidente da REN diz que não teve responsabilidades nos contratos de rendas de energia.

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José Penedos foi presidente da REN entre 2001 e 2009 LUSA/RODRIGO ANTUNES

José Penedos, antigo secretário de Estado da Energia de António Guterres e ex-presidente do conselho de administração da REN, afirmou esta terça-feira no Parlamento que ficou “surpreendido” com a decisão do então ministro da Economia, Manuel Pinho, de prolongar o prazo de concessão das barragens sem concurso público por cerca de 700 milhões de euros.

“Fiquei convencido que a extensão do domínio público hídrico que foi feita era contra o interesse nacional. Mas isso é tudo o que lhe posso dizer”, afirmou José Penedos, quando questionado pelo deputado do CDS Hélder Amaral sobre o motivo que levou Manuel Pinho a optar prolongar as concessões das barragens por metade do valor que constava numa avaliação feita pela REN, que apontava para 1600 milhões.

“Eu vi na altura o despacho do ministro da Economia e fiquei surpreendido, mas a minha surpresa não me deu para protestar, porque eu tenho um critério de comportamento que não dá para fazer sapateado”, afirmou José Penedos, que à data era presidente da empresa que gere o sistema eléctrico nacional e as redes de transporte energético.

Ao deputado do PCP Bruno Dias, José Penedos admitiu que a sua “surpresa foi pelo tamanho da diferença”, entre a avaliação proposta pela REN e aquela que foi adoptada pelo Governo.

O “tamanho da diferença era absolutamente espantoso”, afirmou Penedos: “Não tinha ideia que pudéssemos fazer uma coisa a nível de Estado que desvalorizasse daquela maneira o activo”, acrescentou.

Dizendo que “houve várias taxas [de aferição do valor das centrais] que foram sondadas como hipóteses de fazer sair o produto final”, o ex-gestor diz que esse tema foi “discutido entre a REN e a EDP, mas também entre a EDP e o Ministério da Economia”.

“Eu era um espectador interessado, que não podia deixar de estar atento ao que se passava envolvendo um activo da REN”, disse Penedos, notando que em causa estava “um domínio partilhado entre a REN e a EDP” e que “tinha de ter intervenção”.

Contudo, sublinhou também que não participou em “nenhuma reunião” sobre o tema e explicou que o fez por “protecção pessoal”, porque "não tinha de estar vinculado" à decisão que tinha sido tomada quando esta chegasse ao conselho de administração a que presidia. Questionado directamente, e repetidamente, por Bruno Dias sobre "de quem e de quê" é que procurava defender-se nesta situação, José Penedos não respondeu. Tal como não respondeu à questão sobre que outras entidades participaram, além do Governo, da EDP e da REN em todo o processo.

Antes, em resposta a Jorge Costa, do Bloco de Esquerda, José Penedos recusou qualquer “participação directa e individual para fazer os CAE (os antigos contratos de aquisição de energia que deram origem aos contratos CMEC da EDP)”, que qualificou como uma “opção do Estado”.

Também rejeitou que tivesse participado, enquanto presidente da REN, em reuniões com o Governo de José Sócrates sobre os CMEC. E sobre o facto de ter assinado documentos relativos ao processo de transição para estes novos contratos, José Penedos disse não se recordar do facto, mas afirmou que se deu “luz verde era porque tinha de dar luz verde”, e que a situação pode verificar-se “com qualquer membro de um conselho de administração”.

A audição ficou mesmo marcada por, em variadas situações, o antigo governante e gestor ter afirmado não se recordar, ou não ter memória das circunstâncias associadas ao CAE, aos acordos de cessação dos CAE e, mais tarde, ao processo de entrada em vigor dos CMEC, o que motivou críticas de todos os partidos e alusão às consequências penais para quem recusa responder às questões de uma comissão parlamentar de inquérito.

Dizendo-se “disponível para voltar” à comissão, Penedos frisou, no entanto, que “há uma coisa que se chama direito à memória “ e que os deputados “não podem obrigar a um depoente a dizer o que não sabe ou o que não pode”.

Questionado pela deputada do PSD, Fátima Ramos, sobre se os CMEC se limitaram a garantir as mesmas condições dos CAE que visavam substituir, José Penedos afirmou: “Não tenho nada a certeza que tenha sido assim”.

Instado pelo deputado socialista Fernando Anastácio a revelar a sua opinião quanto aos CMEC, José Penedos notou que estes instrumentos podem ser olhados enquanto "fonte de enriquecimento" para quem quiser olhar para eles dessa forma, ou como "manutenção do equilíbrio contratual" que está consagrada num contrato que alguém aceitou. "E quem aceitou foi o Estado", disse.

Mas recusou fazer a sua própria apreciação sobre estes instrumentos: "A minha [apreciação] não vai saber". “Não pode tirar a conclusão que eu concordei com os contratos. O que pode concluir é que enquanto presidente da REN não participei em nenhuma reunião para discutir CMEC”, afirmou. Quem participava do lado da REN nestas reuniões era Vítor Baptista, ex-administrador da empresa, que entregou ao Governo uma avaliação da REN sobre as barragens que rondava os 1600 milhões de euros.

Penedos garantiu que este responsável da REN tinha "acesso directo ao gabinete do secretário e Estado da Energia" Castro Guerra.

Quanto à influência de Rui Cartaxo, o seu sucessor na REN (depois de Penedos ter sido implicado no processo Face Oculta) e antigo assessor de Pinho  na decisão final que veio a ser tomada sobre a extensão das barragens, Penedos alegou desconhecimento, mas recordou que "depois de membro do gabinete de Manuel Pinho, foi promovido ao conselho de administração da REN”. Rui Cartaxo é um dos arguidos na investigação judicial aos CMEC.

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