Senado chama Kavanaugh e acusadora para depor

O juiz nomeado por Trump continua a negar que tenha tentado violar uma jovem quando tinha 17 anos. Presidente admite a possibilidade de haver "um pequeno adiamento" da votação de Kavanaugh para a mais alta instância judicial dos EUA.

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Brett Kavanaugh assegura que todas as acusações são falsas Alex Wroblewski / Reuters

O juiz nomeado para o Supremo Tribunal, Brett Kavanaugh, vai voltar a ser ouvido pelo Senado na próxima semana por causa da acusação de tentativa de violação que terá ocorrido há mais de 30 anos. A queixosa, cuja identidade foi revelada no domingo, também vai testemunhar na câmara alta, antevendo-se um caminho muito mais complicado para que o nomeado por Donald Trump consiga garantir um lugar no Supremo Tribunal dos EUA.

A poucos dias de ver a sua nomeação confirmada como juiz do Supremo Tribunal, a subida de Kavanaugh ao topo da hierarquia judicial norte-americana está comprometida, depois de uma antiga conhecida do juiz ter vindo a público revelar uma tentativa de violação

Na segunda-feira, e depois de Kavanaugh ter ido à Casa Branca, o Presidente Donald Trump já admitia a possibilidade de haver "um pequeno adiamento" da votação. "Queremos um processo completo, ouvir toda a gente", disse, citado pelo Washington Post.

"Se isso implicar um pequeno adiamento, implicará um pequeno adiamento", afirmou, proclamando a inocência de Kavanaugh — "uma das pessoas mais impecáveis" — e acusando a oposição democrata de fazer uma gestão política do caso: "Eles tinham esta informação [a denúncia] há meses".

Perante a crescente pressão, o líder do Comité de Justiça do Senado, o republicano Chuck Grassley, anunciou na segunda-feira à noite que tanto Kavanaugh como Christine Blasey Ford vão ser ouvidos pelos senadores "para dar a estas alegações cobertura total".

Identidade revelada

Numa reviravolta dos acontecimentos, o futuro do Supremo Tribunal – cujas decisões têm um impacto duradouro no progresso de direitos e liberdades individuais dos cidadãos norte-americanos – passou a estar nas mãos de uma até agora anónima professora universitária da Califórnia de 51 anos. No domingo, Christine Blasey Ford apresentou-se como a autora de uma carta entregue à senadora democrata Dianne Feinstein em que acusava Kavanaugh de a ter tentado violar quando ambos eram adolescentes.

De início, Ford tinha pedido para que a sua identidade permanecesse anónima, receando represálias e ataques pessoais. Acabou, porém, por mudar de ideias quando viu o seu testemunho ser desacreditado e decidiu contar a sua história ao Washington Post. “Sinto que a minha responsabilidade cívica pesa mais do que a minha angústia e o terror em relação a uma retaliação”, justificou Ford.

A revelação da identidade de Ford desencadeou um terramoto político em Washington, que vem lançar uma sombra sobre a nomeação de Kavanaugh. O Comité de Justiça do Senado tinha marcada para quinta-feira uma sessão para votar a integração do juiz no painel do Supremo Tribunal, mas muitos senadores querem voltar a ouvir o nomeado à luz das acusações.

Entre os democratas há quase um consenso quanto à necessidade de se apurar a responsabilidade de Kavanaugh neste caso. E mesmo entre os republicanos alguns senadores já manifestaram a intenção de querer chamar Ford a testemunhar. Um deles é o senador Jeff Flake, que também é membro do comité, que disse ao Politico ser necessário ouvir a professora. “Se tentarem apressar [a nomeação] sem que haja qualquer tentativa para ouvir o que ela tem a dizer, não irei estar confortável a votar sim”, afirmou o senador.

A nomeação de Kavanaugh só precisa de receber a aprovação de uma maioria simples no Senado, mas com a actual configuração da câmara alta (51 republicanos e 49 democratas) é fundamental manter um consenso entre a bancada republicana. Também a conselheira presidencial Kellyane Conway disse que Ford devia ser chamada a testemunhar sob juramento e “não deve ser insultada ou ignorada”.

Esta segunda-feira, Kavanaugh voltou a negar as acusações, mas mostrou disponibilidade para voltar a ser ouvido pelo Senado. “Nunca fiz nada parecido com aquilo que a acusadora descreve, a ela ou qualquer outra pessoa”, declarou.

Ford, hoje professora de Psicologia na Universidade de Palo Alto, na Califórnia, contou que o episódio se passou em 1982, quando ela tinha 15 anos e Kavanaugh 17. Os dois estavam numa festa numa casa privada em Montgomery, no estado do Maryland, e, segundo Ford, eram “conhecidos”. A certa altura, Kavanaugh e outro amigo, Mark Judge, seguiram-na e empurraram-na para dentro de um dos quartos, onde a atiraram para cima da cama. Kavanaugh, contou Ford, pôs-se em cima dela, apalpando-a e esfregando-se contra o seu corpo, enquanto lhe tapava a boca. Ao Post, Ford diz ter sentido receio de que ele a pudesse matar “inadvertidamente”.

Kavanaugh foi nomeado em Julho pelo Presidente Donald Trump para substituir o juiz Anthony Kennedy, que anunciou a sua reforma. Depois de ter indicado Neil Gorsuch no ano passado, a entrada de Kavanaugh no Supremo irá conferir uma sólida maioria conservadora no painel de juízes. Apesar de ser considerado um conservador, Kennedy acabava frequentemente por funcionar como uma espécie de árbitro em algumas decisões, desempatando ora em favor do sentido de voto dos juízes progressistas, ora em favor dos conservadores. Com Kavanaugh, a expectativa é que as suas deliberações favoreçam a agenda conservadora, especialmente em temas como o aborto.

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