Um cognac muito novo para um Sidecar muito herético

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Tammy Fullum/Getty Images

Durante a Segunda Guerra Mundial o meu pai estudou arquitectura naval em Greenwich. Ele contava que uma das coisas engraçadas que aconteceu quando ele estava lá é que os aristocratas ingleses deixaram de beber cognac com água gaseificada - brandy and soda - e passaram a beber whisky com água gaseificada - whisky and soda.

O cognac é uma bebida mais nobre do que o whisky porque nunca é misturado com álcool proveniente da destilação em coluna. O cognac só pode ser comparado com o whisky de malte e o whiskey single pot still irlandês, já que só é destilado em alambiques tradicionais - duas vezes como o whisky de malte e ao contrário do armagnac que só é destilado uma vez.

O cognac é destilado de vinho branco, quase sempre da casta ugni. Esta casta é escolhida por ser aquela que mais favorece a aguardente.

Os franceses bebem pouco cognac. Preferem beber whisky. Também parecem preferir Calvados - nunca percebi porquê. O cognac é quase todo exportado.

Dizem-se muitos disparates sobre cognac. Os conhaques mais velhos atingem preços exorbitantes. Para não saberem muito a carvalho - a maldição de muitos destilados - as aguardentes são tiradas dos cascos mais activos (com maior contaminação de carvalho) e realojados em cascos mais neutros.

Para mim, os conhaques mais interessantes para fazer cocktails são os mais novos e menos amadeirados. Felizmente são também os mais baratos: os VS (com 2 anos de idade) custam à volta de 20 euros e os VSOP (com 4 anos de idade) custam menos do que 40.

É uma diferença de 20 euros para dois anos de idade. Acho que mais vale comprar duas garrafas de um excelente VS do que uma garrafa de um VSOP apenas bom. 

Todos os conhaques são bons. Não há maus. De quantos destilados se pode dizer o mesmo? Depois depende do gosto. Gosta-se mais seco ou mais doce? Mais frutado ou amadeirado?

Para quem gosta de whisky e não gosta de açúcar a marca mais fiável das grandes é a Martell conhecida pelo estilo seco. As casas de Cognac podem acrescentar açúcar, caramelo e boisé (uma mistela de madeira cozida, açúcar, vinhos e aguardente). Todavia fazem-no com muito cuidado e envelhecimento.

Há várias casas pequenas que se recusam a acrescentar seja o que for embora sejam um pouco mais caras.

O cognac que recomendo foi lançado em 2017 mas ainda é fácil de obter: é o Martell VS Single Distillery. É um lote de aguardentes proveniente de uma só destilaria - uma grande novidade, muito bem-vinda. Custa entre 20 e 30 euros e vem numa garrafa transparente muito bonita com uma gravura do célebre andorinhão da Martell.

Tem o estilo Martell mas é ainda mais frutado e intenso, apesar de sequíssimo - um pequeno milagre. Nota-se muito a uva em forma de passa e outras frutas secas como o alperce e a tâmara.

Bebe-se bem sem nada, com Castello ou com ginger ale. No entanto é num sidecar que mais brilha. O sidecar é um cocktail de invenção francesa - foi feito para enaltecer o cognac.

Ao longo dos anos tenho afinado a receita do sidecar e aquela que uso hoje é diferente da antiga:
50 gramas de cognac
25 gramas de Cointreau
19 gramas de sumo de lima (ou limão ou metade-metade)

Pelo menos durante o Verão prefiro o sumo de lima ao do limão. Mas se o cognac for mais velho é melhor o limão. Digamos que para um VSOP o ideal é metade lima, metade limão e para um XO mais vale só limão.

Outra intervenção que recomendo é não usar o shaker. Um sidecar pode mexer-se até se atingir a temperatura e a diluição que se quer. Cognac é cognac e por isso não gosto de sidecars muito frios. A baixa temperatura tira muito sabor à aguardente. O sidecar quer-se apenas fresco.

É uma heresia, mas experimente que vai gostar, isto é, se realmente gosta de cognac.

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