Nova rede de investigadores estuda VIH entre homens que têm sexo com homens

Em Portugal, a infecção tende a crescer neste grupo. Investigadores ibero-americanos usam a Internet para procurar novas respostas. Há informação, falta é integrá-la nos comportamentos, diz especialista.

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Reuters/CARLO ALLEGRI

Quando os resultados do inquérito EMIS (European men who have sex with men - Internet Survey) foram divulgados, em 2015, a ideia de um segundo estudo sobre homens que têm sexo com homens (HSH) já ganhava forma. Analisando os resultados relativos a Portugal e Espanha, os investigadores notavam uma presença significativa de brasileiros e latinos nestes países e percebiam que era preciso pôr o foco neles também. Será que o contexto modifica os riscos de infecções sexualmente transmissíveis e outros problemas de saúde pública que afectam estas populações? E faz sentido adoptar-se outras políticas, tendo em conta as diferentes realidades e comportamentos destas pessoas?

LAMIS (Latin American Men-who-have-sex-with-men Internet Survey), primeiro grande inquérito da nova rede ibero-americana de estudos em HSH e mulheres transgénero, apresentada publicamente esta quarta-feira, deverá divulgar os primeiros resultados ainda este ano. Mas uma coisa pode já avançar-se: “As diferenças entre Europa e América Latina são inequívocas”, avança Henrique Barros, do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto.

A nova rede junta investigadores, instituições académicas e organizações comunitárias de vários países da América Latina, Portugal e Espanha e inquiriu online 63.680 pessoas em 18 países. Mais do que descobrir se esta população está infectada, o estudo quer “perceber as suas necessidades para ajudar a dar respostas mais efectivas”, fazendo “recomendações de novas políticas aos Estados” explica Henrique Barros.

O inquérito esmiúça os comportamentos e conhecimentos desta população a partir de várias perguntas sobre temas como o uso de preservativo, utilização de drogas, tratamentos, sexo pago, violência, homofobia, depressão ou ansiedade.

"Deixou de morrer gente com a doença"

A necessidade destes estudos para a promoção da saúde pública tinha sido diagnosticada por um grupo de investigadores da área há alguns anos, ao aperceberem-se de alterações na dinâmica de infecção por VIH. Entre os HSH, o curso da infecção era diferente da verificada noutros grupos e o medo da doença esfumava-se à medida que a eficácia das terapêuticas ganhava forma. “Deixou de morrer gente com a doença e as pessoas relaxaram.” A esse cenário, juntava-se uma significativa alteração das práticas sexuais, dos sistemas das relações, até das formas de conquista. “Há vinte anos não havia Tinder nem Grindr”, aponta Henrique Barros.

Em Portugal, é entre os HSH que a infecção por VIH está mais presente em termos de risco e tende a aumentar — ao contrário do que acontece noutros grupos. E a integração das mulheres transgénero no estudo tem a ver também com o facto de serem um “grupo de particular risco”: “São dupla ou triplamente discriminadas. Têm uma taxa de infecção superior e uma enorme taxa de violência.”

Para o investigador, “há apenas uma pequena fracção de pessoas que ainda não sabe quais as formas de transmissão”. Por isso, sublinha, “o problema não é de informação, é de integração do que se sabe nos comportamentos que se tem”. Falta descobrir “como podemos emancipar as pessoas para que negoceiem melhor o risco”.

Ainda que fora da faixa etária estudada pelo LAMIS, os adolescentes são um grupo a não perder de vista. “É um período determinante, nomeadamente na compreensão e aquisição de comportamentos. E há uma total ausência de conversa sobre este problema nas escolas.” Por que razão é urgente falar sobre isto? “Sabe-se que 4 a 5% dos homens têm sexo com homens. Quer dizer que em cada 100 miúdos que estão nas escolas, mais ano menos ano, quatro ou cinco vão ter relações com outros homens”, responde Henrique Barros. “Não há coragem para falar sobre isto. E estes miúdos são os que mais sofrem com a sua sexualidade. Não têm escolhas mainstream, há muitos estereótipos, até linguísticos. Falta informação protectora. Eles sabem os riscos, o problema é saber se têm com quem falar.”

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