Orbán acusa UE de condenar a Hungria por não querer ser um país de migrantes

Primeiro-ministro húngaro esteve no Parlamento Europeu na véspera da votação de relatório que pede abertura de processo contra Budapest por violar de forma sistemática os valores fundamentais europeus. Recusou-se a inverter o caminho.

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Viktor Orbán foi defender o seu regime ao Parlamento Europeu Reuters/VINCENT KESSLER

Com um discurso breve mas inflamado no Parlamento Europeu, o primeiro-ministro húngaro, Viktor Orbán, admitiu a possibilidade de ser iniciado o processo para activar o artigo 7º do tratado europeu contra a Hungria, acusada de desvio das normas democráticas. Mas colocou-se no papel de vítima, ele e todo o seu país, classificando a acção como uma “vingança contra o povo húngaro”, congeminada pelas forças de esquerda que não souberam digerir a derrota nas urnas.

“Não vão condenar um Governo mas sim um país que faz parte da História dos países cristãos europeus há séculos”, declarou, assumindo a sua posição clássica de defensor da civilização cristã - face aos imigrantes muçulmanos. “A Hungria vai ser punida por ter decidido que não vai ser um país de migrantes. Mas não deixarei de proteger a fronteira e de defender o povo húngaro. Todos os países têm o direito de organizar a vida no seu território”, acrescentou.

Segundo a eurodeputada dos Verdes, Judith Sargentini, relatora de um relatório sobre a Hungria aprovado pelo Comité de Liberdades Cívicas do Parlamento Europeu, a governação de Orbán constitui “uma ameaça sistémica à democracia, ao respeito pela letra da lei e pelos direitos fundamentais”, e impede que a Hungria possa ser considerada um Estado de Direito. 

A lista de acusações contra o regime é extensa: censura dos media e da academia; nepotismo e corrupção no uso de fundos comunitários; perseguição de minorias (ciganos, judeus, LGBT) e de refugiados, negação de direitos económicos e sociais e vários problemas no funcionamento do sistema constitucional.

O relatório Sargentini foi publicado dias depois de Orbán ter conquistado um terceiro mandato consecutivo, com uma expressiva maioria de 50% nas eleições legislativas de Abril. O Governo de Budapeste atacou o documento, que descreveu como uma “colecção de mentiras inqualificáveis”, e uma “inaceitável interferência nos assuntos internos de um Estado-membro”. 

Para activar o artigo 7º, é precisa uma maioria de dois terços no plenário do PE, o queé uma fasquia difícil de ultrapasar. Por isso não é fácil estimar qual será o resultado da votação PE do relatório Sargentini

"Basta"

A votação representa a mais significativa escalada no braço-de-ferro entre Bruxelas e Budapeste: há muito que as instituições europeias vêm dando conta da sua “preocupação” com a deriva autoritária e nacionalista do primeiro-ministro, Viktor Orbán, e esta iniciativa é a mais clara censura à sua governação iliberal. “Usaremos todos os mecanismos à nossa disposição, e seremos implacáveis”, declarou o vice-presidente da Comissão, Frans Timmermans, que tem a pasta dos direitos fundamentais e Estado de Direito.

Depois de Orbán chegar ao poder, em 2010, a Comissão Europeia abriu dezenas de processos de infracção contra a Hungria, por incumprimento das regras europeias nos mais variados domínios (segundo o Politico, uma lista preparada pela Comissão com a totalidade dos procedimentos abertos ultrapassa as 30 páginas). Na maioria das vezes, Budapeste acabou por recuar e emendar a sua legislação.

Mas os casos recentes da lei do ensino superior e da regulamentação da actividade das organizações não-governamentais (ambos em avaliação no Tribunal Europeu) provam, pelo menos para o Parlamento Europeu, que o Governo húngaro continua a esticar a corda — e que chegou a altura de dizer basta.

Se os legisladores europeus decidirem iniciar o procedimento do artigo 7º, o Governo de Budapeste poderá perder o seu direito de voto nas cimeiras europeias. Essa é a penalização máxima para a violação grave dos valores europeus. Mas mesmo que o processo chegue até aí, a suspensão do direito de voto dificilmente será aplicada, por causa da prerrogativa de veto dos Estados membros do Conselho.

Solidariedade polaca

Num jogo de alianças regionais e ideológicas, Viktor Orbán prometeu ao Governo da Polónia travar a aprovação de sanções num procedimento semelhante lançado em Dezembro, quando Varsóvia recusou fazer marcha atrás numa controversa reforma judicial que Bruxelas diz põe em causa a independência dos tribunais.

A garantia de solidariedade dos seus parceiros deixará Viktor Orbán “sossegado” quanto à possibilidade de perder a votação desta quarta-feira. Mas a eventual abertura de um processo contra a Hungria não deixará de ter consequências políticas profundas para a política europeia, num momento pré-eleitoral delicado. O líder húngaro sente claramente que o “momentum” populista lhe dá força: “Somos o partido de maior sucesso no Parlamento Europeu e estamos prontos para restabelecer a democracia na Europa nas próximas eleições de Maio”, avisou.

A escolha do PPE

O recado era dirigido ao Partido Popular Europeu, que tem uma escolha difícil: há muito que o Fidesz de Orbán se tornou um constrangimento para a maior bancada no Parlamento Europeu, que espera manter o seu domínio na próxima legislatura. Se aceitar a abertura do processo, o PPE estará para todos os efeitos práticos a abrir mão do Fidesz e dos seus actuais 12 eurodeputados (num total de 21 parlamentares húngaros). Vários membros garantiram que o procedimento contra a Hungria levará imediatamente à suspensão do Fidesz do grupo.

O contexto actual, com as sondagens a apontar o encolhimento das maiorias dos partidos conservadores noutros países europeus, pode não ser o mais propício para “irritar” Orbán. Mas por outro lado, se a bancada continuar a cerrar fileiras em defesa do (cada vez mais) homem forte da Hungria, corre o risco de ser ainda mais penalizado pelo eleitorado dos maiores países europeus, que já não estão dispostos a dar uma terceira oportunidade ao regime húngaro.

Manfred Weber, o presidente do PPE e primeiro candidato interno à liderança da Comissão Europeia após as eleições de Maio de 2019, conseguiu, até agora, conter uma rebelião e confrontação interna que levasse à expulsão do Fidesz, argumentando que esse passo levaria a uma radicalização ainda maior do partido húngaro. Mas o desconforto na bancada do PPE é indisfarçável. Os partidos da Escandinávia e Norte da Europa entendem que o Fidesz ultrapassou as “linhas vermelhas” dos valores democráticos com o seu discurso xenófobo e nacionalista e defendem abertamente a sua expulsão.

“O PSD está muito à vontade, pois sempre manifestou a sua censura, e cada vez mais forte, à política do senhor Orbán. Essa é uma posição documentada nos votos”, disse ao PÚBLICO o eurodeputado Paulo Rangel. Esta quarta-feira, os eleitos do PSD aprovam o relatório Sargentini.

Durante o debate, Manfred Weber lamentou que Orbán permanecesse determinado a manter o mesmo rumo e indisponível para chegar a compromisso.

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