Pelo regresso ao futuro do INPI

Sem Boletim da Propriedade Industrial, não há publicações de pedidos de marcas, patentes ou designs, não sendo possível fazer vigilância do que vai sendo pedido ao Estado português.

Imagine o leitor que tem uma marca registada em Portugal. Pagou a taxa do registo, a marca foi publicada no Boletim da Propriedade Industrial (BPI). Passado o período em que poderia ser contestada, o Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) concedeu-lhe a marca. Decidiu estender a sua marca à União Europeia, para o que pagou a taxa de tramitação do pedido. Tratou de tudo online, através do portal do INPI. Por isso, pagou 50% das taxas oficiais do que se tivesse feito todo o processo em papel - o incentivo à desmaterialização e à digitalização. Agora, só tem de usar a sua marca e estar atento ao mercado e ao BPI (publicado todos os dias úteis, exclusivamente online) para ver se alguém está a usar ou a pedir uma marca semelhante à sua.

Esta era a situação normal que acontecia neste país até ao dia 10 de agosto, data do último BPI. Desde esse dia que, devido a uma falha técnica anunciada no site do INPI, não é publicado qualquer BPI. O BPI funciona como se fosse o Diário da República para a Propriedade Industrial. Sem BPI, não há publicações de pedidos de marcas, patentes ou designs, não sendo possível fazer vigilância do que vai sendo pedido ao Estado português. Sem publicação, não há concessão de nenhum destes direitos, e há prazos contados a partir da data de publicação. Já imaginou o Governo a funcionar sem Diário da República?!

As perturbações informáticas não estão só ao nível do BPI. Nos pedidos online não se estão a receber emails de confirmação. Não há números de processo para os pedidos entretanto realizados. Tal impossibilita a reivindicação de prioridades para internacionalização destes pedidos.

Acresce ainda as datas dos pedidos são críticas, pois, por causa do requisito de novidade em patentes e designs, só pode haver divulgação pública em data posterior. Portanto, no momento em que escrevo, se quiser ter a certeza da data de prioridade de um pedido, terá de se deslocar ao INPI presencialmente, durante o horário de atendimento, entregar o processo em papel, e pagar as taxas na íntegra.

Para o leitor ter uma noção de volume de novos pedidos, em 2017 foram solicitados cerca de 22.500 registos de marcas, 1000 pedidos de patente e 400 de design, de entidades portuguesas e estrangeiras. Não há memória de uma falha tão prolongada e tão grave, que nos coloca numa realidade passada com mais de 10 anos.

Numa altura em que a digitalização é palavra de ordem pelo Ministério da Economia, em que temos o SIMPLEX+ na Modernização Administrativa, organizamos o Websummit e atraímos empresas tecnológicas, deparamo-nos com esta situação vergonhosa na esfera do Ministério da Justiça. Será ela mais um sintoma do desinvestimento do Estado?

O direito à propriedade privada é um valor fundamental de qualquer democracia liberal. Tal também se aplica à Propriedade Industrial - o direito à proteção dos resultados das criações do intelecto. Desde há muito que Portugal evidencia um atraso dramático nos números de patentes, com valores verdadeiramente terceiro-mundistas. Na Economia do Conhecimento, a Propriedade Industrial é um aspecto estratégico nas relações internacionais. O INPI não pode continuar a ser um mero “administrador” de direitos, mas sim um agente da política económica, na dependência do Ministério da Economia. Enquanto isso não acontece, o Estado não pode apenas cobrar taxas, tem de garantir níveis de serviço. É urgente o regresso ao futuro do INPI, que hoje vive dias de num passado já longínquo.

As opiniões expressas neste artigo são pessoais e vinculam apenas e somente o seu autor.

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