Rio quer reforçar imagem de líder de “boas contas”

Direcção do PSD admite que há mais casos de dívidas de campanhas autárquicas a serem analisados

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Rui Rio em Monchique LUSA/LUIS FORRA

O PSD não tem memória de um candidato autárquico gastador (ou cabeça de lista de uma campanha que tenha dado origem a dívidas avultadas) ter acabado na barra de um tribunal. Mas o partido mudou. À imagem do seu líder. Ao saber-se que a direcção nacional tinha interposto uma acção judicial contra Marco Baptista, que gastou 87.066 euros não autorizados na corrida à Câmara da Covilhã, não houve dúvidas: a nova forma pública e judicial como o assunto está a ser tratado é uma mensagem política. “É uma mensagem para o eleitorado”, explica ao PÚBLICO um dirigente social-democrata. O próprio Rui Rio assumiu: “Se alguém se quer propor governar o país tem de saber também governar a sua casa.”

O processo instaurado ao candidato à Câmara da Covilhã, noticiado pelo jornal i, incendiou o partido e obrigou a uma reacção da direcção à hora de almoço. Quem deu a cara foi Hugo Carneiro, secretário-geral adjunto com o pelouro das finanças, que veio justificar a iniciativa com a necessidade de separar “o trigo do joio”. O dirigente admitiu, em declarações à Lusa, que a direcção nacional está a analisar outros processos semelhantes ao de Marco Baptista, mas escusou-se a adiantar quantos ou quais os casos. De acordo com Hugo Carneiro, o passivo do PSD foi aumentando ao longo do tempo “muito explicado pelas dívidas das campanhas autárquicas”, e defendeu que a intenção da direcção é “responsabilizar quem incrementou este passivo sem autorização”.

Ao que o PÚBLICO apurou, o problema não está relacionado com os orçamentos das campanhas, que são elaborados na sua esmagadora maioria pela direcção nacional, mas sim com as dívidas geradas pela campanha e que não tiveram cobertura de receita. A subvenção do Estado recebida em função dos resultados obtidos em urna e acrescida dos donativos não chega, em alguns casos, para pagar as despesas efectuadas. E é aí que os fornecedores vão bater à porta da sede nacional do PSD. Até porque o número de contribuinte é só um – o do PSD nacional. Uma questão que a direcção de Rui Rio já assumiu querer alterar na lei do financiamento partidário. A proposta de partilha da responsabilidade com os mandatários financeiros distritais está prometida para este mês de Setembro na reabertura dos trabalhos parlamentares.

Um exemplo para o partido

Ao final da tarde, de visita às áreas afectadas pelo incêndio em Monchique, Rui Rio assumiu perante os jornalistas que esta iniciativa do partido é um “exemplo” para dentro e para quem se propõe “governar o país”. O líder do PSD recusou estar a pôr em causa a “idoneidade” da anterior direcção pela escolha dos candidatos autárquicos, mas admitiu que está a ser feito um levantamento exaustivo dos casos.

De acordo com o líder social-democrata, não levantam problemas as situações de excesso de gastos em “quatro ou cinco mil euros” mas sim valores mais elevados e nos casos em que os candidatos não se dispuseram a ressarcir o partido. Aí, tal como aconteceu com o candidato da Covilhã, o PSD pode interpor uma acção cível por danos patrimoniais e não patrimoniais. 

A mesma ideia de um partido de contas certas já estava explícita, numa mensagem publicada no Facebook, por outro secretário-geral adjunto do PSD. “O PSD tem de ser um partido de boas contas e de boa imagem perante a sociedade portuguesa. Só assim pode almejar governar o país”, escreveu Bruno Coimbra num tom justificativo

A questão havia sido lançada em Junho no momento em que as contas de 2017 foram aprovadas em conselho nacional, revelando um prejuízo de 2,48 milhões de euros. O agravamento dos prejuízos, gerado sobretudo pelas autárquicas, levou a contenção nos custos, o que veio a reflectir-se em iniciativas como a Festa do Pontal deste sábado.

Entre os críticos de Rui Rio, há quem considere que esta iniciativa do PSD é “moralista” e que não faz sentido. Por outro lado, sublinha um antigo dirigente, o caso deveria ser tratado primeiro internamente, no conselho de jurisdição, até porque os sociais-democratas em causa são militantes, e só depois do processo concluído se poderia ponderar avançar para outras vias.

Contra populismos

Muito mais suave foi o ex-secretário-geral do PSD, José Matos Rosa, que publicou também no Facebook uma mensagem em que sublinhou os valores do partido num claro recado à actual direcção de Rui Rio. "O sentido de responsabilidade permitiu a muitos ganhar contra populismos e demagogias que apenas cumprem interesses pessoais ou promiscuidades que sempre o PSD combateu", sublinhou José Matos Rosa, depois de escrever que o partido "sempre teve como um dos seus valores maiores a reafirmação dos valores democráticos bem como a afirmação partidária que contribua para a acentuada maturidade política e social".

Mais arrojado, Miguel Pinto Luz, o vice-presidente da Câmara de Cascais que chegou a ser dado como potencial candidato às eleições internas do PSD, criticou a opção da direcção nacional. "A gargalhada que António Costa deve ter dado ao ler esta capa [do jornal i, com a intenção de Rio em manchete]", escreveu Pinto Luz na mesma rede social. A seguir, pediu um PSD tão rápido a fazer oposição ao PS, como a reagir a estes casos internos. "Tenho de o dizer: o que precisávamos era de um PSD tão diligente a combater António Costa e a 'geringonça', como a perseguir os seus próprios presidentes de câmara e dirigentes", acrescentou.

Do lado do PS, a coordenadora autárquica, Maria de Luz Rosinha, não deixou de dar uma farpa ao mediatismo destas questões. O PS optou por resolver a “internamente” a questão — ou seja, ninguém será chamado a pagar pelos excessos, disse a dirigente ao Observador.

E as férias?

Noutro foco de críticas que têm marcado os últimos dias, Rui Rio foi questionado também sobre o seu silêncio em torno do incêndio em Monchique. No dia em que regressou ao activo, o líder do PSD garantiu que não foi por causa das férias que o PSD não comentou logo o incêndio na serra algarvia.

"O PSD não fala com as casas a arder. Nesse momento, não faz oposição, só não ajuda se não puder", disse o líder social-democrata, repetindo que os portugueses podem ter a certeza de que há duas circunstâncias em que o PSD não fará comentários: "Não fala com a mata a arder, nem quando ainda não conhece as coisas como são".

A mensagem já tinha sido sublinhada pelo seu vice-presidente David Justino, que convocou uma conferência de imprensa em meados de Agosto sobre o incêndio e só depois de estar extinto. A nova direcção de Rio parece querer mesmo imprimir um novo estilo de liderança no PSD. 

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