Exército, passaportes, listas – países vizinhos tentam conter venezuelanos em fuga

Líderes políticos defendem solução “diplomática” enquanto adoptam medidas restritivas ao acolhimento dos fugitivos do regime de Maduro. Brasil envia exército para a fronteira, Peru e Equador barram pessoas sem passaporte.

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O posto de controlo de Pacaraima, no estado brasileiro de Roraima, foi reforçado com elementos das Forças Armadas Reuters/NACHO DOCE

Entre os representantes políticos dos vizinhos da Venezuela já ninguém tem dúvidas de que a fuga massiva de venezuelanos à crise económica, social e política em que está atolado o regime chavista é um problema para a região. Entre eles também já é ponto assente que é necessária uma resposta concertada. Não obstante, os avanços coordenados continuam a ser escassos.

Temendo a violência e o colapso dos serviços públicos, os Estados estão a responder ao êxodo de forma independente, dando prioridade ao reforço das suas fronteiras e à adopção de medidas restritivas ao acolhimento dos fugitivos.

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O caso mais extremo deste tipo de abordagem envolve o Brasil. Na terça-feira à noite, o Presidente Michel Temer confirmou o envio de tropas para a região fronteiriça do estado de Roraima, no Norte do país, que há pouco mais de uma semana foi palco de um violento ataque contra um acampamento de imigrantes venezuelanos. Uma decisão radical, tomada para manter a ordem numa zona do Brasil onde a xenofobia tem crescido com o aumento do fluxo de pessoas fugidas à fome e à violência.

“Vamos procurar apoio na comunidade internacional para a adopção de medidas diplomáticas firmes que solucionem esse problema”, assegurou, no entanto, Temer, no Twitter. "O problema da Venezuela não é mais de política interna. É uma ameaça à harmonia de todo o nosso continente", acrescentou.

Também o Peru optou por tomar medidas drásticas para lidar com a imigração massiva. Na sequência de uma medida semelhante adoptada pelo Governo equatoriano uma semana antes, desde o passado sábado que só é autorizada a entrada no país de cidadãos venezuelanos munidos de passaporte – até aí era apenas exigido um bilhete de identidade. Para além disso, foram apertados os requisitos para o pedido de residência temporária, obrigatório para os imigrantes poderem trabalhar no Peru.

Do total de 2,3 milhões de pessoas que fugiram da Venezuela desde 2014, segundo os dados da Organização Internacional para as Migrações, mais de 354 mil entraram em território peruano, metade desse número de forma ilegal. 

De acordo com as autoridades migratórias peruanas, a entrada em vigor das medidas reduziu para metade o número de entradas de venezuelanos logo no primeiro dia. Mas as mesmas foram alvo de críticas por parte de opositores políticos e activistas que, lembrando a impossibilidade de solicitar um passaporte na actual Venezuela, acusam o Governo peruano de estar a fomentar o surgimento de contrabandistas. 

“Os políticos dizem querer fluxos ordenados de migrantes, mas com estas medidas estão a empurrá-los para os braços dos traficantes de pessoas”, lamenta Feline Freier, professora de Ciência Política da Universidade do Pacífico, em Lima, em declarações ao El País Brasil.

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Colômbia puxa pela região

No clube dos países mais próximos de uma Venezuela mergulhada na hiperinflação – e a tentar lutar contra ela com uma nova divisa, indexada à criptomoeda Petro (que não é reconhecida internacionalmente) –, é a Colômbia quem tem tentado dar o exemplo pela positiva. Pese ter acolhido mais de 870 mil venezuelanos nos últimos cinco anos, Bogotá recusa seguir Lima e Quito e exigir passaporte aos que chegam. “[Não podemos] castigar um povo pelos erros dos seus dirigentes”, justificou Christian Kruger, responsável pela agência estatal Migración Colombia.

O Governo do ex-Presidente Juan Manuel Santos – substituído no início do mês por Iván Duque – criou um novo documento que permite o acesso dos migrantes ao mercado de trabalho e aos serviços básicos de saúde e educação.

São igualmente as autoridades colombianas que procuram avançar com um plano coordenado na região. Na terça-feira foram dados, em Bogotá, os primeiros passos para um esforço concertado, que ainda se mostra tímido. Na sequência de um encontro com representantes peruanos e brasileiros, Colômbia e Peru acordaram criar uma base de dados conjunta para imigrantes venezuelanos que entrem nos dois países. 

O objectivo, diz Kruger, é “convidar os restantes países” do continente a juntarem-se à iniciativa e, com isso, criar condições para uma estratégia comum, que também pode incluir países como a Argentina, o Chile ou o México. “Queremos criar princípios básicos para podermos responder a este fenómeno migratório de maneira regional”, explica, citado pelo jornal colombiano El Espectador.

A proposta será debatida pelos ministros dos Negócios Estrangeiros do Equador e Colômbia, numa reunião marcada para a próxima semana em Quito. Segundo a Reuters, Peru e Brasil também poderão estar representados.

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Pressão local

Nesse encontro também deverá ser também abordada a situação insustentável junto à fronteira dos vários países com a Venezuela. A necessidade de assistência médica, comum a muitos dos que chegam, é outro enorme desafio trazido pela imigração desmesurada, principalmente porque ela é procurada em regiões limítrofes onde essa prestação já é insuficiente e deficitária para os habitantes locais. 

A situação está, por isso, a pôr uma enorme pressão sobre os serviços públicos locais e o Peru declarou estado de emergência sanitária em duas províncias do país junto à fronteira, para os próximos dois meses. 

Pedem-se, no entanto, medidas mais definitivas. “A solução para os problemas mais óbvios, como o colapso dos serviços de saúde, vai depender das políticas públicas que se apliquem. Os Governos têm de olhar para as vantagens trazidas pela imigração”, argumenta o economista venezuelano Dany Bahar, do think tank norte-americano Brookings Institution, que insiste na necessidade de um consenso regional. Os próximos passos serão decisivos para se perceber se é essa a vontade dos envolvidos.

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