A inquietação de José Mário Branco na Feira do Livro do Porto

De 7 a 23 de Setembro, os livros (e não só) voltam aos Jardins do Palácio de Cristal para uma Feira do Livro que este ano se faz das memórias do Maio de 1968.

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Serão 130 pavilhões que estarão abertos das 15h às 23h Paulo Pimenta
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Serão 130 pavilhões que estarão abertos das 15h às 23h Hugo Santos / Público

É voz e figura de Abril. Músico e compositor, cantautor, alguém com uma importância na área da música “tão expressiva” como na área da literatura. As palavras são de Guilherme Blanc, adjunto de Rui Moreira para a Cultura, e justificam a escolha de José Mário Branco como o homenageado deste ano da Feira do Livro do Porto que abre portas já a 7 de Setembro e as manterá abertas até ao dia 23, das 15h às 23h. 

Aos 76 anos, o músico nascido no Porto (também isso pesou na escolha), que celebra este ano cinco décadas de carreira, verá o seu nome inscrito na Avenida das Tílias, ao lado de figuras como Vasco Graça-Moura, Agustina Bessa-Luís, Mário Cláudio ou Sophia de Mello Breyner Andresen. 

O programa completo da feira foi conhecido esta terça-feira e, como já é habitual desde que a autarquia assumiu a organização do evento, em 2014, o carácter comercial da feira é ultrapassado em larga escala pelo programa cultural que lhe está associado e que passa por colóquios, debates, sessões de cinema, exposições, mais de 40 actividades para todas as idades, que terão este ano “uma matriz revolucionária”, a reboque dos 50 anos do Maio de 1968 e da figura de José Mário Branco. 

A feira abre portas na sexta-feira, dia 7, mas só no sábado arrancam as actividades paralelas, com uma conversa com José Mário Branco, moderada por Anabela Mota Ribeiro, às 18h, já depois de o cantautor ver o seu nome inscrito na Avenida das Tílias. 

A novidade da edição deste ano já tinha sido anunciada: a autarquia abriu as portas da feira a editoras de pequena dimensão, poupando-lhes os custos de participação. Nesta primeira edição do Cabine de Escalas, assim se chama este projecto, que é programado pela artista e editora Isabel Carvalho, estarão presentes 16 projectos independentes.

Durante estes dias, quem passar pela feira poderá ler o olhar de um brasileiro sobre a cidade do Porto. O escritor brasileiro Bernardo Carvalho passou um mês às voltas pela cidade, em residência artística, com o apoio do colectivo “mala voadora”. Acabou a escrever um conto, que será distribuído gratuitamente com o Jornal da Feira do Livro. 

Anunciado já este ano, mas só pronto para a edição de 2019 está o Pavilhão Efémero de Verão. Que será um “espaço de encontro e de cultura antes, durante e após o período da feira do livro”, que ser também que seja uma “instalação escultórica e arquitectónica”, afirmou Guilherme Blanc.

À semelhança do ano passado, os escritores Anabela Mota Ribeiro e José Eduardo Agualusa estão responsáveis pela programação do ciclo dos debates, as lições e as performances de spoken word  (declamação). 

Pelos jardins do Palácio de Cristal passarão Daniel Cohn-Bendit, um dos rostos do Maio de 1968, que vai conversar com o historiador Rui Tavares (dia 14, às 19h), estando também confirmada a presença da escritora francesa de origem marroquina Leila Slimani (dia 21, às 19h), premiada com o Goncourt em 2016 por Canção Doce (editado em Portugal pela Alfaguara). 

Utopia, Revolta, Amor e Melancolia serão os temas destas sessões de spoken word, cujo ponto de partida é a relação entre a palavra escrita e cantada e o modo como isso foi trabalhado por autores como Chico Buarque, Jacques Brel, Leonard Cohen, Bob Dylan ou Stevie Wonder, entre outros poetas e escritores.

Já os debates programados serão sobre memória e reinvenção literária, sobre sexo enquanto insurreição, sobre a construção de um romance e a construção de um escritor, irá juntar alguns nomes do universo literário em língua portuguesa como Mário de Carvalho, Mia Couto, Afonso Cruz e Bernardo Carvalho com autores mais jovens, nacionais e estrangeiros.

Este ano o ciclo de cinema “Sejamos Realistas, exijamos o impossível. (Alguns) gritos de rebelião no cinema”, vai abranger obras de um tempo (e sobre um tempo) no qual “era proibido proibir”. As exibições decorrerão no auditório da Biblioteca Municipal Almeida Garrett. Haverá ainda sessões especiais, uma das quais será a primeira sessão da nova temporada do ciclo “Porto de Encontro”, que contará com o ministro da Cultura e poeta, Luís Filipe Castro Mendes. 

A feira estende-se uma vez mais ao Salão Independente, no piso 2 da Galeria Municipal do Porto, que acolherá exposições. Entre elas, uma desafia a perspectivar o “Porto sentido de fora: [em] livros e guias de viagem de Portugal entre a monarquia constitucional e o Estado Novo”. Numa outra pode encontrar-se uma selecção original de 15 cartazes do Maio de 1968. Em “Musonautas, Visões & Avarias 1960-2010 — 5 Décadas de Inquietação Musical no Porto” será possível fazer uma viagem por cinco décadas de história da música. Em edições futuras, a ideia é que o Pavilhão Efémero de Verão possa acolher algumas destas exposições. 

A feira nas alturas

Entre editoras, livrarias, alfarrabistas, instituições e distribuidoras, a Feira do Livro vai manter a mesma dimensão, com 134 participantes distribuídos por 130 pavilhões. E ainda que haja espaço para crescer, Guilherme Blanc admite que esta é dimensão “desejável” para que não se perca a relação dos pavilhões com a natureza e paisagem dos jardins. 

A arte urbana, pelo traço de KiNO, dará as boas-vindas logo na rampa de acesso ao Palácio de Cristal. Durante os dias da feira, o artista portuense desenhará ao longo de 30 metros, tendo por base o poema de José Mário Branco, “Inquietação”.

O balão de ar quente também vai voltar a sobrevoar os Jardins do Palácio, nos fins-de-semana da feira, com subidas gratuitas para os visitantes, aos finais de tarde, adiantou na conferência de imprensa Nuno Lemos, administrador da Porto Lazer, empresa municipal que todos os anos apoia a Câmara do Porto na organização da Feira do Livro.

O orçamento total da feira ronda os 200 mil euros, diz a autarquia, montante semelhante ao do ano passado, que se divide “de forma paritária” entre despesas de logística e de programação.

Foram feitas algumas correcções e melhorias ao nível de todas as rampas de acesso para melhorar a acessibilidade ao recinto, segundo o município. Este ano, a feira vai ainda decorrer em simultâneo com as obras de requalificação no interior do Pavilhão Rosa Mota.

Na edição do ano passado, que foi dedicada a Sophia de Mello Breyner Andresen, a Feira do Livro recebeu 285 mil pessoas — mais 35 mil do que em 2016, ano em que já tinha sido batido o recorde de afluência desde que o evento passou a ser organizado exclusivamente pelo município.

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