Acordo permitiu à Mundos de Vida ter famílias para 137 crianças retiradas aos pais

Associação trabalha com um limite de 25 crianças por ano e tenta há sete anos ter autorização da Segurança Social para alargar a oferta.

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A Mundos de Vida, criada em 1984, começou o programa de famílias de acolhimento em 2006

Apesar de, em Lisboa, a Santa Casa da Misericórdia não avançar com um programa de famílias de acolhimento, por falta de regulamentação da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo de 2015, no Norte do país uma associação de Famalicão já o faz desde 2006. Chama-se Mundos de Vida e tem um acordo de cooperação com o Instituto da Segurança Social (ISS) para seleccionar e dar formação a famílias que se disponibilizam para receber crianças em perigo. Conseguem colocar 25 crianças por ano.

Como funciona? Quando o ISS faz diligências para colocar uma criança retirada à família de origem, contacta os centros de acolhimento para saber se têm vagas e, no Norte do país, pode contactar também a Mundos de Vida para saber se existe uma família de acolhimento disponível, em alternativa a uma instituição.

"Não se trata de uma vaga, mas de gerir perfis", de verificar se, no conjunto de famílias seleccionadas, alguma se enquadra nas necessidades da criança em particular, explica por telefone o presidente da Mundos de Vida, Manuel Araújo.

A associação, que existe há 34 anos, iniciou há 12 anos o serviço de famílias de acolhimento no concelho de Famalicão, alargando-o depois a seis concelhos no distrito de Braga e a outros seis no distrito do Porto. 

Neste momento, nesta área de actividade, tem oito famílias disponíveis. Mas o limite das 25 crianças acolhidas já foi atingido. A associação tenta há sete anos alargar a sua capacidade de resposta. No ano passado voltou a apresentar ao ISS uma candidatura para poder colocar mais crianças em famílias de acolhimento. Recebeu no mês passado a resposta do ISS de que “não havia enquadramento orçamental” para tal.

Uma opção mais difícil

No entanto, explica Manuel Araújo, essa opção é menos dispendiosa do que o acolhimento das crianças em instituições. “Em Portugal, paga-se a uma instituição cerca de 700 euros por mês” no mínimo. 

No acolhimento, as famílias recebem do Estado cerca de 330 euros por mês, repartidos entre um valor pelo serviço prestado, que fica sujeito a tributação (176 euros), e um valor para apoio à criança, que se designa por subsídio de manutenção (153 euros).

Nestes 12 anos, foram acolhidas em famílias da Mundos de Vida 137 crianças "que não precisaram de ser institucionalizadas", expõe Manuel Araújo. Dessas, 22 crianças ficaram na família mais de cinco anos e duas permaneceram mais de dez anos. Das que terminaram o acolhimento familiar, por decisão das entidades competentes, 18 foram adoptadas por outras famílias, de acordo com as informações da associação.

O acolhimento familiar não é uma opção mais cara mas uma opção mais difícil, reforça Manuel Araújo, "e não há grande motivação do Estado para fazer uma coisa complicada”. Seria preciso lançar campanhas, encontrar famílias, seleccioná-las e formá-las para minimizar os riscos de que essa solução não venha a ser benéfica para a criança.

"Famílias vulneráveis"

O processo tem de ser diferente do que existiu na década de 1990, defende o responsável. Nessa altura não havia campanhas. A informação e a possibilidade de se constituírem como famílias de acolhimento eram dadas essencialmente às pessoas que se dirigiam à Segurança Social.

Um relatório interno da Segurança Social concluiu em 2002 que este modelo não era o melhor, o que não surpreendeu, na altura, Manuel Araújo: “Estas famílias apresentavam vulnerabilidades." E a Segurança Social “pensou em alterar a situação”. Até agora “nada fez, com o argumento de que vai relançar o acolhimento familiar”.

A justificação de que “se está à espera de regulamentar a lei soa mais a uma desculpa”, critica. “Nós, Mundos de Vida, estamos a funcionar bem. O nosso serviço tem certificado de qualidade (ISO 9001). Os consultores do ISS estudaram o nosso modelo de funcionamento para que pudessem ser criados outros serviços semelhantes. Há dois anos, recebemos 22 deputados da Comissão Parlamentar da Segurança Social que quiseram conhecer esta realidade.”

No acolhimento, as crianças continuam formalmente à guarda do Estado, comprometendo-se este, em tese, a formar e a seleccionar as famílias, directamente ou através de associações, no âmbito de protocolos, como acontece com a Mundos de Vida.

Manuel Araújo não entende que, por um lado, a lei defina como prioritário o acolhimento familiar e que, por outro, a resposta do Estado tenha sido nos últimos anos “uma sucessão de desculpas e de adiamentos” que impedem esse acolhimento de se tornar possível, abrangente e seguro. 

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