A saída limpa grega pouco tem a ver com a portuguesa

Grécia sai esta segunda-feira do programa de ajustamento da troika. Quatro anos depois de Portugal e numa situação muito mais complexa em termos económicos, políticos e sociais.

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António Costa vive momento económico muito diferente do seu homólogo grego. Reuters/STRINGER

Presa pela promessa de registar excedentes orçamentais primários muito elevados durante décadas, condenada a ver entrarem em vigor novos cortes das pensões e aumentos de impostos já em 2019 e 2020 e sujeita a não beneficiar do alívio da dívida se não cumprir as exigências dos parceiros europeus. Não é o cenário desejado, mas ainda assim é desta forma que a Grécia irá festejar esta segunda-feira o facto de, pela primeira vez em quase nove anos, deixar de estar sujeita a um programa de resgate da troika.

Depois de três programas sucessivos, com vários governos e diversas ameaças de saída do euro pelo meio, a Grécia vai finalmente entrar numa situação em que dispensa mais empréstimos dos seus parceiros europeus e do FMI e procura de forma autónoma, nos mercados, o financiamento de que precisa.

Tal como aconteceu em Portugal em 2014, também na Grécia o governo preferiu, contra a recomendação de vários analistas, não avançar para o denominado programa cautelar, que seria uma versão mais suave de programa de resgate em que o país ficaria com a possibilidade de aceder a uma linha de crédito em caso de emergência, mas em troca teria de cumprir ainda determinadas condições. O problema estava precisamente nessas condições, que na prática tornariam evidente que a troika não tinha verdadeiramente saído do país, um custo político que o governo liderado por Alexis Tsipras não estaria disposto a suportar.

O que acontecerá é assim a chamada “saída limpa”, a mesma que Portugal conseguiu em Abril de 2014. No entanto, as semelhanças entre a situação grega e a portuguesa não vão muito além disto. No caso grego, não só a conjuntura económica, social e financeira é muito mais difícil do que a portuguesa de há quatro anos, como a vigilância e a influência dos credores prometem ser muito mais significativas.

Olhando para os diversos indicadores económicos e sociais, fica muito claro o difícil ponto de partida que a Grécia tem. Neste momento, a economia ainda se encontra 25% abaixo do nível que registava antes da crise. É certo que nos últimos anos a economia voltou a crescer, mas a forma ainda relativamente lenta como isso tem vindo a acontecer fica muito longe de poder compensar as quedas vertiginosas que ocorreram entre 2010 e 2012.

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No caso de Portugal, em 2014, a economia tinha começado a crescer e também de forma moderada, mas a economia estava “apenas” a 10% do valor anterior à crise, já que as quedas não tinham sido tão pronunciadas como as gregas.

A evolução do PIB grego explica em larga medida porque é que em várias outras frentes o país continua a revelar fragilidades preocupantes. A taxa de desemprego, embora tenha caído de um máximo de 27,5% em 2013, ainda se encontra próxima dos 20%, um sinal evidente das dificuldades que a população grega continua a atravessar. Em Portugal, a taxa de desemprego não chegou a ultrapassar os 18% e em 2014 estava perto dos 15% quando a troika saiu.

A dívida pública grega também continua a um nível alarmante. Apesar da reestruturação de 2012, no final de 2017 cifrava-se em 178,6% do PIB, um patamar que condena qualquer análise de sustentabilidade futura ao insucesso. No caso português, a dívida pública estava em 2014 na casa dos 130%.

Por fim, as indicações de evolução da competitividade da economia ficam muito longe daquilo que foi projectado pelos sucessivos programas de ajustamento. A troika esperava que a redução de custos imposta em toda a economia se reflectisse na capacidade das empresas gregas para conquistar os mercados internacionais. No entanto, a verdade é que, entre 2010 e 2017, as exportações gregas registaram um aumento em termos reais de 20%, quando no mesmo período Portugal garantiu um acréscimo próximo dos 50%.

Esta conjuntura mais difícil faz, inevitavelmente, com que os desafios colocados por esta “saída limpa” sejam muito maiores no caso grego. E explica também o porquê de a Grécia, apesar de sair do programa, estar a ser obrigada pelos seus parceiros europeus a enfrentar diversos mecanismos de controlo.

A Grécia vai estar sujeita a um mecanismo de “monitorização reforçada”, que implica que técnicos da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e do Mecanismo Europeu de Estabilidade visitem o país de três em três meses e produzam um relatório.

Mas não se pense que o relatório é a única coisa que essas instituições (que continuarão a trabalhar em coordenação com o FMI) podem fazer. É que no caso grego, dada a dimensão da sua dívida pública, o país acordou com os parceiros europeus medidas de alívio da dívida pública. Para além do adiamento do prazo de pagamento de alguns dos empréstimos, ficou acertada a entrega à Grécia de verbas relativas aos lucros dos bancos centrais com a dívida grega.

Estas são medidas positivas para as finanças públicas do país, mas os parceiros europeus, numa tentativa de comprometer o presente e futuros governos gregos, determinaram que os pagamentos a efectuar apenas serão concretizados ao longo do tempo e se aquilo que ficou definido nos programas passados for cumprido.

Isto significa que o governo grego, apesar de falar de uma “saída limpa”, vai estar nos próximos anos preso a compromissos que irão dificultar qualquer pretensão de alteração da política económica seguida nos últimos anos, nomeadamente um forte alívio da austeridade.

A principal limitação está no facto de a Grécia se ter comprometido a apresentar durante as próximas décadas excedentes orçamentais primários muito elevados, já que foi considerado que apenas dessa forma será possível trazer a dívida pública para níveis sustentáveis. É verdade que neste momento, esse indicador até está a superar as exigências, mas manter, ano após ano, governo após governo, uma política orçamental muito restritiva pode ser muito complicado de passar à prática, sem criar novas convulsões políticas e sociais.

O próprio FMI tem dúvidas que isso seja possível, tendo apelado sem sucesso para que, em alternativa, os outros governos europeus fossem mais generosos no alívio da dívida pública grega.

Para além de ter de apresentar orçamentos excedentários (retirando os juros), os futuros governos gregos vão ainda ter de passar à prática medidas que foram pré-legisladas em 2017, mas que apenas entram em vigor em 2019 e 2010. Essas medidas incluem cortes nas pensões e aumentos de impostos, algo que além de ser muito pouco popular pode ter um efeito negativo de curto prazo na economia.

No meio disto tudo, os testes mais decisivos ainda vão ser feitos nos mercados, já que o país, apesar de ter o seu calendário de financiamentos aliviado pelo alongamento dos prazos da dívida, vai a determinada altura ter de provar que consegue fazer emissões de dívida a taxas de juro razoáveis.

Neste momento, a taxa de juro da dívida grega a 10 anos, está na casa dos 4,1%, um valor que fica um pouco acima dos 3,5% registados em Portugal no momento da saída da troika. No entanto, a Grécia tem um problema, que é o facto de não contar com qualquer rating acima do nível “lixo”, o que faz com que o BCE não se mostre disponível, nem para comprar dívida grega no seu programa de compra de activos nem para aceitar a dívida grega como garantia para a concessão de empréstimos aos bancos.

Tal como Portugal, a Grécia decidiu criar uma almofada financeira para garantir que não tem de forçar qualquer emissão nos mercados, mas esta falta de ajuda do BCE, em conjunto com a sua situação económica e o historial do país nos últimos anos, torna a tarefa grega nos mercados muito mais espinhosa do que a portuguesa e faz com que a “saída limpa” seja, neste caso, uma saída mais arriscada.

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