Ataque de Trump afunda lira turca e cria risco de contágio mundial

A divisa turca chegou a cair 18% face ao dólar, num cenário de fuga de capitais que pode vir a afectar outros países emergentes e os bancos europeus que emprestaram dinheiro a empresas turcas nos últimos anos.

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Agência de câmbios em Instambul. A lira tem estado em forte queda LUSA/SEDAT SUNA

Um ataque de Donald Trump através da sua conta do Twitter lançou esta sexta-feira uma já muito frágil economia turca para uma situação ainda mais próxima do colapso, com a divisa a cair abruptamente, os juros da dívida a dispararem e o capital estrangeiro a dar sinais de querer sair do país o mais rápido possível.

Os últimos meses já vinham revelando problemas significativos na forma como a Turquia estava a ser vista pelos investidores. As dúvidas em relação à independência do banco central e à política económica do governo e o receio de uma deterioração da relação do país com os EUA tinham colocado a lira turca numa trajectória descendente progressiva.

Mas, esta sexta-feira, as mensagens escritas pelo Presidente norte-americano na sua conta do Twitter, anunciando a duplicação das taxas aplicadas às importações de alumínio e aço vindas da Turquia (e que já tinham sido elevadas no início do Verão) e festejando o facto de a divisa turca estar “a deslizar muito rapidamente contra o muito forte dólar”, desencadearam reacções ainda mais fortes dos mercados.

A lira turca caiu a pique, chegando a registar uma depreciação diária face ao dólar de 18%, o que colocou a perda acumulada neste ano perto dos 40%. De igual modo, as taxas de juro da dívida pública turca aplicadas nos mercados dispararam para máximos dos últimos nove anos. Estes dois indicadores são uma consequência imediata da fuga de investidores que se está neste momento a verificar na Turquia.

A depreciação brusca da divisa pode conduzir a uma perda imediata do poder de compra da população, já que as importações se tornam mais caras, e ao surgimento de dificuldades sérias nas empresas que tenham de efectuar compras no estrangeiro e que se tenham endividado junto de instituições de crédito internacionais. A subida das taxas de juro da dívida, por seu lado, ameaça a capacidade do Estado turco obter financiamento e pode também reflectir-se em sectores importantes como a banca.

Para além dos impactos sentidos na Turquia, existe também o risco de efeitos de contágio consideráveis no resto da economia mundial, o que aliás explica as quedas registadas nos principais mercados bolsistas internacionais na sessão desta sexta-feira.

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A lira turca caiu a pique, chegando a registar uma depreciação diária face ao dólar de 18%, Murad Sezer/REUTERS

Crédito malparado

O contágio surge, por um lado, por via dos bancos internacionais (principalmente europeus) que emprestaram nos últimos anos dinheiro a empresas turcas. Com a depreciação brusca da divisa, essas empresas terão agora dificuldades em continuar a pagar créditos denominados em euros ou dólares e os bancos podem ficar nas suas mãos com um volume considerável de crédito malparado.

Outra fonte de problemas pode estar no aumento da percepção de risco associada ao investimento em mercados emergentes, o que pode criar problemas em regiões do globo como a Ásia e a América do Sul, também muito sensíveis aos cenários de depreciação das suas divisas face ao dólar.

O ataque de Donald Trump à economia turca é o mais recente capítulo de um conflito entre os dois países que tem estado em crescendo, especialmente desde os pedidos da Turquia de deportação do imã Fethullah Gülen, residente nos EUA, que o Governo turco diz estar por trás do golpe de Estado falhado de 2016.

Como causa imediata da acção do Presidente Donald Trump está a detenção de um pastor norte-americano, pelas autoridades turcas, que o acusam de cumplicidade com o movimento de Gülen. As mais recentes negociações para a sua libertação, realizadas esta semana, não produziram resultados.

Esta sexta-feira, reagindo aos acontecimentos, o Presidente Recep Tayyip Erdogan optou por um tom de confronto. Apelou aos turcos para que troquem os seus dólares e ouro por liras e chamou-os a participar numa “batalha nacional” contra os inimigos económicos do país. “Esta vai ser a resposta do meu povo àqueles que iniciaram uma guerra económica contra nós”, disse. A reacção dos mercados a este discurso foi também negativa.

Antes dos presidentes dos dois países terem entrado em acção, o ministro das Finanças turco (e genro de Erdogan) apresentou os planos económicos do governo, prometendo uma política orçamental muito prudente, um reequilíbrio da balança com o exterior e defendendo a independência do banco central para combater a inflação. Tentava com isso, limitar as fugas de capital que já se estavam a registar. Não teve qualquer sucesso, até porque, foi precisamente a meio do seu discurso que Donald Trump anunciou o aumento das taxas alfandegárias aplicadas à Turquia.

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