Três em cada quatro professores dizem que já foram vítimas de assédio moral

Estudo envolveu 2003 professores do pré-escolar ao superior. As direcções das escolas são apontadas como as principais responsáveis. Dirigentes não se revêem no que é relatado. Fenprof diz que em muitos estabelecimentos há "autoritarismo".

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Maria João Gala

Relatam situações de intimidação, de crítica sistemática, ou em que são impedidos de falar. Só para dar exemplos. Em 2003 professores inquiridos, do ensino pré-escolar ao superior, do sector público e do privado, 75% (1504) dizem já ter sido vítimas de pelo menos uma situação de assédio moral ou psicológico no trabalho. Ou seja, três em cada quatro docentes. São os do ensino superior os que mais se queixam.

Estas são as primeiras conclusões de um estudo sobre mobbing (assédio moral ou psicológico em contexto laboral), do investigador António Portelada, do Centro de Investigação em Educação e Psicologia, da Universidade de Évora. O desequilíbrio de poder entre agressor e vítima é um cenário comum no assédio laboral, diz. E não é diferente nas escolas: 49% dos professores inquiridos que reportaram episódios de assédio moral identificaram a direcção do estabelecimento de ensino como a origem da agressão psicológica de que foram alvo.

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Noutros casos o dedo é apontado a um colega em particular (34%) ou a vários colegas (28%). Alunos e encarregados de educação, mais os primeiros do que os segundos, são responsáveis por 37% das situações relatadas nos inquéritos.

O investigador António Portelada, autor do estudo realizado com uma bolsa da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, com base em inquéritos online, apoia-se na definição do académico sueco Heinz Leymann, pioneiro no estudo do mobbing, para descrever aquele que será muitas vezes o objectivo do agressor: “Exerce violência psicológica extrema, sistemática e recorrente, durante um tempo prolongado, para destruir as redes de comunicação da vítima, a sua reputação e perturbar o seu trabalho.”

Cerca de 47% dos professores assinalaram situações em que o assédio se traduziu em críticas o seu trabalho. E cerca de 40% identificaram interrupções constantes. Estes bloqueios de comunicação podem não ser evidentes. “A própria vítima chega a questionar-se se é ela que está a proceder mal”, diz António Portelada.

É por isso que apesar de cada professor ter identificado, em média, nove “tipos” de assédio de que foi vítima, alguma vez na vida, a maioria não tem consciência de estar a ser vítima de mobbing. O estudo fala da “existência de uma cultura organizacional que não reconhece ou sanciona os comportamentos de assédio”.

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As situações de mobbing são particularmente relevantes entre os professores de ensino superior, diz ainda o investigador. São estes que reportam mais episódios de difamação e isolamento e também (tal como os docentes do secundário) de “desprestígio laboral”.

António Fontainhas Fernandes garante que nunca se deparou com tal fenómeno, nem nas reuniões do Conselho de Reitores das Universidades Portuguesas, a que preside, nem tão-pouco ao longo dos cinco anos em que é reitor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro. “Nunca me foi feito qualquer comentário por parte dos professores.”

Ansiedade, insónias...

A amostra deste estudo de 2003 docentes é maioritariamente (75%) feminina e diversa na idade. Inclui professores dos quatro níveis de ensino, do pré-escolar ao superior, sendo a maior parte (46%) de ensino básico. A maioria dá aulas em escolas públicas, perto de casa (a menos de 30 quilómetros), com horário completo e está nos quadros. Até Dezembro, serão publicados os resultados finais.

Situações como as descritas repetem-se várias vezes ao ano, segundo a maioria dos 1504 professores que dizem já ter sido assediados. E para cerca de 30%, repetem-se há mais de cinco anos. O impacto pode ser “devastador”, pode reduzir a auto-estima e ter implicações no sentido de compromisso com o trabalho, exemplifica Portelada.

Cerca de 83% dos professores relatam consequências na saúde. Ansiedade e insónias são as mais comuns (71% e 67%, respectivamente). Mas também frustração, sentimento de fracasso e de impotência, de insegurança e de irritabilidade. Um quarto deles já recorreu ao atestado médico.

O que motivou o comportamento daqueles que são vistos como agressores? Para quase 60% das vítimas, as situações de assédio devem-se ao facto de eles “não cederem a pressões”. Cerca de 42% denunciam uma “gestão autoritária” e quase 40% dizem-se “reprimidos” por proporem “novas formas e perspectivas de trabalho”.

Diz a experiência académica, segundo António Portelada, que muitas das situações surgem quando há mudanças súbitas nas escolas. Ou explicam-se com relações insatisfatórias entre professores e chefias, motivadas por exigências excessivas de trabalho, falta de uma cultura organizacional e stress.

“Há uma continuada desvalorização da condição do docente, fomentada por sucessivos governos. Isso cria um caldo que facilita este tipo de reacções”, entende João Louceiro, dirigente da Federação Nacional de Professores (Fenprof), que reage, no entanto, com “surpresa e muita apreensão” à dimensão ilustrada neste estudo (a que não teve acesso).

A maioria das queixas não chegará a ser formalizada, diz, por serem situações fragilizantes e “em que as pessoas podem sentir algum, injustificado mas existente, sentimento de vergonha”.

Admitindo que não são situações generalizadas, o dirigente sindical fica menos surpreendido com a participação das direcções neste fenómeno. “O modelo [de gestão escolar] perdeu por completo dimensões de democracia e foi substituído por uma retórica da liderança forte que muitas vezes se traduz em autoritarismo”, afirma.

A necessidade de rever esse modelo de gestão das escolas é uma das reivindicações da Fenprof que, em Julho, participou na divulgação pública dos primeiros resultados de um estudo que envolveu quase 16 mil professores.

Feito a pedido da Fenprof, precisamente, pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, da Universidade Nova de Lisboa, o trabalho coordenado por Raquel Varela mostrou que quase metade dos docentes dá sinais de “exaustão emocional” — 20,6% mostram sinais “preocupantes”, 15,6% “sinais críticos” e 11,6% têm já “sinais extremos” de esgotamento. Mais de 40% não se sentem realizados profissionalmente. João Louceiro diz que a investigação da Universidade de Évora sobre assédio vem, de algum modo, complementar este mal-estar revelado.

Uns contra os outros

Também na relação entre colegas diz que temos vindo a assistir a mudanças prejudiciais. “O exercício da docência tem uma grande exigência ao nível do trabalho cooperativo, da discussão em conjunto, que tem vindo a ser substituído por lógicas de competição”, entende Louceiro, em linha com António Portelada. “Os professores tendem a virar-se uns contra os outros na tentativa de sobreviverem num clima de competição. O que é completamente contrário àquilo que se espera de uma educação democrática com um forte pendor humanista.”

Já Filinto Lima, presidente da Associação Nacional Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas (Andaep), não vê “as direcções deste país como agentes agressores”. As direcções das escolas “funcionam como um órgão colegial”, diz: “Ouvimos as pessoas, consultamos o conselho pedagógico e somos controlados por um conselho geral.”

Acredita, ainda assim, que a pressão e agressão psicológicas possam ser mais frequentes no ensino superior e nas escolas privadas, mas diz ser necessário “tomar consciência” de que podem existir em qualquer ciclo de ensino, com consequências na degradação do ambiente de trabalho. “Os directores preocupam-se bastante (muitos deles têm até formação) com as relações humanas. É uma das áreas em que nos devemos actualizar permanentemente.”

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