Eucalipto, o “patinho feio” da floresta, é coração económico de Monchique

Num concelho com 40 mil hectares, metade do território ficou em cinzas. Os produtores florestais deixam um apelo: “Não culpem o eucalipto.”

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Rui Gaudencio

Metade do concelho de Monchique, cerca de 20 mil hectares, já ardeu. O que resta continua em perigo e as causas da devastação entraram na ordem do dia. O ordenamento – ou melhor, a ausência de planeamento e gestão do território – pode justificar muito do que está suceder com este incêndio. O presidente do município, Rui André, acrescenta outro ponto de vista: “Há anos que reclamo, sem êxito, descentralização de competências no ordenamento florestal e espero que a experiência que estamos a viver sirva para o poder central ouvir os autarcas.” Mas há quem queira evitar julgamentos sumários, como Rui Jacinto, produtor florestal, que diz: “Não culpem os eucaliptos.”

Monchique vive da natureza e em torno da floresta. Neste concelho, de 40 mil hectares, o eucalipto é a espécie dominante – ocupa metade (15 mil hectares) dos cerca de 30 mil hectares de mancha florestal. O regresso ao repovoamento ordenado, com árvores autóctones – sobreiro, medronheiro e carvalhos – é uma das medidas que têm vindo a ser apontadas pelos especialistas, como forma de criar barreiras naturais aos fogos.  O que está mal, diz o gestor da Iberflorestal, Rui Oliveira, “é a forma como se ordena a floresta” porque, acrescenta, “não são os eucaliptos que provocam os incêndios”. No concelho de Silves, para onde o fogo, ontem, entrou em força, estão ainda a arder 350 hectares de eucaliptos desta empresa. “Precavemo-nos de todas as medidas contra incêndios, mas de nada serviu – ao lado das nossas propriedades, os terrenos estavam por limpar”, enfatiza Rui Oliveira.

No sítio da Perna da Negra (Monchique), onde começou este incêndio que lavra há seis dias, a empresa de Rui Jacinto possui uma exploração que estava limpa e vigiada pelos seus bombeiros sapadores privados. Não foi suficiente para evitar o pior. No sábado à noite estavam no local oito bombeiros, sob as ordens do comando distrital da Protecção Civil. “Não se mexiam”, diz Jacinto. Perante esta atitude, o proprietário perguntou: “O que estão aqui a fazer?” Resposta: “Estamos à espera de ordens.”

Nessa altura, a empresa privada já tinha no terreno duas dezenas de homens no combate ao fogo. O vento rodou e as chamas partiram para outras bandas, ao sabor das rajadas. “Parece evidente a falta de coordenação e de alguém que tome medidas, independentemente das alterações meteorológicas.” Por seu lado, José Paulo Nunes queixa-se que perdeu mil hectares de uma pilha de cortiça que tinha em Alferce. “Preocuparam-se em tirar as pessoas de casa, mas não houve o cuidado na defesa dos bens”, nota.

O medronheiro e o sobreiro são as espécies que ocupam a segunda posição no coberto vegetal deste concelho, onde a floresta é matriz para todas as actividades económicas. O turismo termal e de natureza, diz Rui André, “cada vez tem maior expressão, mas tudo gira à volta da floresta”, sublinha

Nuno Fidalgo, um dos responsáveis pela criação da Zona de Intervenção Florestal (ZIF) da Perna da Negra, estima que dos 15 mil hectares ocupados com eucaliptos, 10 a 12 mil hectares estejam sob a gestão das empresas de celulose. “Estão ordenadas, cuidadas, e bem geridas, porque são rentáveis.” O que se passa com os três a cinco mil hectares, em crescimento selvagem, acrescenta, “dificulta a gestão do território”. O engenheiro florestal, actualmente ao serviço do município, observa: “O ordenamento poderia passar pelas ZIF, se houvesse apoio público.” Agora, à passagem do fogo, ficou tudo queimado. “O mais certo é o terreno vir a ser ocupado com eucaliptos, porque os planos florestais não privilegiam o mosaico paisagístico.” A Iberfloresta gere propriedades em Silves, Odemira e Monchique, sendo neste último concelho que possui o maior núcleo – 3500 a quatro mil hectares.

A questão do ordenamento do território é também uma velha batalha do geógrafo Ricardo Tomé, responsável pela equipa que elaborou o Plano Director Municipal (PDM) de Silves. “Os planos florestais, por si só, não resolvem nenhum dos problemas com que nos confrontamos”, diz. A questão de fundo, no seu entender, está relacionada com a forma como é olhado o território. “Definir o uso do solo é uma questão política que tem de ser encarada como prioridade.” Os incêndios que se repetem ciclicamente nas serras de Monchique e do Caldeirão, no Algarve, exemplifica, “entroncam em questões relacionadas com o abandono das terras”. As medidas que estão a ser tomadas para combater o fogo, sublinha, “são medidas reactivas, quando a prioridade deveria ser dada a intervenções preventivas”. 

Ainda no concelho de Monchique, no sítio da Picota, Miguel Bonvalaut, viu a arder 95% de uma propriedade com 63 hectares de floresta. Há ano e meio que aguarda do ICNF e da Comissão de Coordenação de Desenvolvimento Regional (CCDR) os pareceres para a aprovação de um projecto de turismo rural. “Todas as plantas que o Ambiente queria preservar arderam”, diz. As casas existentes, esclarece, “foram salvas porque tinha tudo limpo em redor”. O empresário enfatiza a necessidade das medidas preventivas: “Sem limpeza das propriedades e das matas é impossível não haver fogo.” Mas para que tal aconteça, observa, é necessário rentabilidade: “Sem uma actividade económica associada, é incomportável fazer as limpezas necessárias.”

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