Protecção Civil não cumpriu em Monchique regras de comando que definiu após Pedrógão

Normas determinam que o comando nacional da Protecção Civil devia ter assumido a liderança do combate ao incêndio de Monchique logo na madrugada de sábado.

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Fogo que começou no Algarve já destruiu cerca de 22.700 hectares de floresta. EPA/MIGUEL A. LOPES

As novas regras que definem como se devem organizar as operações de socorro no terreno, o chamado sistema de gestão de operações, foram violadas no primeiro mega incêndio do ano, em Monchique, pela própria Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), que as alterou, em Abril, na sequência do grande fogo de Pedrógão Grande. Essas normas determinam que o comando nacional da ANPC devia ter assumido a liderança do combate ao incêndio de Monchique, que deflagrou na sexta-feira à hora do almoço, logo na madrugada de sábado.

Isto porque nessa madrugada o número de operacionais mobilizados ultrapassou os 648, o que segundo as novas regras, publicadas em Abril, obriga a accionar a Fase V das operações (num total de seis). Tal implica que as operações passem a ser lideradas por um comandante de agrupamento ou pelo comando nacional da ANPC. Neste momento, como não existe comandante de agrupamento distrital no Algarve, segundo a própria página da Protecção Civil, resta o comando nacional para assumir a liderança do combate ao fogo.

No domingo, o comandante nacional, Duarte da Costa, fez uma avaliação de quem deveria ficar no comando das operações, decidindo manter o comandante distrital de Faro, Vítor Vaz Pinto, um homem considerado experiente, em vez de chamar essa responsabilidade para o comando nacional, como definem as regras operacionais. Nesse dia, em vez disso, decidiu reforçar em número o comando das operações, enviando para o Algarve um sénior da ANPC, Elísio Oliveira, que já foi comandante de agrupamento e agora lidera o comando distrital de Setúbal e não um reforço hierárquico. Também o segundo comandante distrital de Lisboa, Hugo Santos, foi reforçar a equipa. 

Apenas na terça-feira, ao quinto dia de operações, é que o comando nacional tomou as rédeas do combate ao incêndio de Monchique que continua activo e destruiu aproximadamente 22.700 hectares, segundo o Sistema Europeu de Informação de Fogos Florestais, que faz uma estimativa com base na análise de imagens de satélite.

As novas regras decorrem de um despacho assinado pelo próprio presidente da ANPC, o tenente-general Mourato Nunes, no final de Março e foram publicadas em Diário da República no início de Abril. Nessa altura era comandante nacional da Protecção Civil o coronel António Paixão, que se demitiu em Maio passado, apenas cinco meses depois de ter assumido a liderança do topo da estrutura operacional da Protecção Civil.

A alteração das regras operacionais ocorre de uma decisão do Governo, que, em Outubro do ano passado, determinou a revisão das normas que definem como se devem organizar as operações de socorro, lê-se na entrada do próprio despacho. Tal aconteceu no rescaldo do incêndio de Pedrógão Grande, que matou mais de 60 pessoas.

A mudança das regras, justifica-se no despacho 3317-A/2018, pretende garantir que as mesmas são adequadas “à complexidade das diversas situações de emergência, através de uma definição clara de funções, responsabilidades e níveis de decisão”. E, se por um lado, se diz querer “garantir a doutrina já consolidada, a formação e experiência adquirida nos últimos anos”, simultaneamente pretende-se “incorporar as lições aprendidas” particularmente no rescaldo dos fogos de 2017.

 “Quando o número de operacionais mobilizados ultrapassa os 648 e na presença ou iminência do aumento da complexidade da operação, obrigando ao reforço da capacidade de comando e controlo e dos mecanismos de coordenação institucional (…) o comando da operação passa a ser desempenhado por Comandante de Agrupamento Distrital ou Comando Nacional da ANPC”, lê-se no despacho, assinado por Mourato Nunes.

Neste momento, há dois lugares vazios entre os cinco comandantes de agrupamento – o do Norte e o do Algarve – e os outros três, apesar de estarem nomeados para esta função, exercem de facto as funções de adjuntos do comando nacional. Tal acontece porque o Governo pretende extinguir esta figura, que, na hierarquia da estrutura operacional da Protecção Civil, faz a ponte entre o comando nacional e os distritais. Mas como a nova lei orgânica da ANPC está atrasada, estes comandantes continuam a existir, pelo menos formalmente. O próprio Vítor Vaz Pinto, o principal alvo das críticas dos bombeiros, já acumulou funções como comandante de agrupamento do Algarve, algo que não sucede actualmente.

Confrontada com a violação das suas próprias regras, a ANPC diz que a mudança do comando, do nível distrital para o nacional, “processa-se de acordo com as premissas enunciadas no sistema de gestão de operações e em função da apreciação da evolução da operação que é feita a todo o momento”. Sem nunca se referir à regra que obriga a accionar a Fase V quando o número de operacionais mobilizados ultrapassa os 648, a autoridade garante que a “doutrina do sistema de gestão de operações vem sendo considerada ao longo da resposta ao incêndio rural de Monchique”. E afirma que a decisão de colocar o comando nacional na frente do combate resultou da conjugação de dois factores: “o número de meios empenhados no teatro de operações e a necessidade de se garantir em maior grau o comando, controlo e coordenação de todas as entidades envolvidas na operação”. Apesar da mudança de liderança ter sido anunciada pelo ministro da Administração Interna, a ANPC garante que a decisão foi do comandante nacional, Duarte da Costa.

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